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    CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2022

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Fumos críticos

Página em rede social reúne sommeliers de cigarro

Emily Almeida | Edição 193, Outubro 2022

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Leonardo Pufe de Siqueira tinha 15 anos quando decidiu experimentar um cigarro pela primeira vez. Com o maço do pai ao alcance, pegou um, escondido. A curiosidade adolescente que o impulsionava na busca por experiências proibidas somou-se ao desejo mais simples de fazer anéis de fumaça. E assim foi. Na segunda ou terceira vez que roubou um cigarro do pai, Pufe, como prefere ser chamado, atingiu o efeito: tragou profundamente e soprou a fumaça em círculos que se desfaziam aos poucos no ar. Hoje, ele não sabe dizer qual era a marca do cigarro, e tampouco guardou lembrança de seu sabor. Ainda não dava importância a essas coisas, mas isso logo mudaria.

Aos 18 anos, Pufe passou a se considerar fumante. Começou com os chamados kreteks, cigarros de cravo-da-índia, enquanto buscava uma marca para chamar de sua. Foi na música do rapper Caio Nog que ele descobriu referências ao cigarro Camel, marca que traz o desenho de um camelo estampado no maço. “Caio Nog menciona o Camel azul. Conheci a marca ali, mas não gostei do azul, me apaixonei pelo vermelho. Percebi que ele tem notas amadeiradas”, conta.

O desafio dali para a frente foi tentar explicar para outros fumantes o que era essa tal nota amadeirada. “Quando ia apresentar meu cigarro favorito, eu sempre dizia: ‘Olha, ele é extremamente amadeirado.’ Mas as pessoas não entendiam muito.” A partir dessa frustração, ele resolveu criar uma página no Facebook para expor, com mais profundidade, suas percepções sobre diferentes fumos. Surgia então a “Review de cigarro”.

 

“Traz uma boa saciedade e deixa um gosto de menta muito presente no paladar, mesmo depois de consumido durante certo tempo.” Lida fora de contexto, essa avaliação poderia ser atribuída, quem sabe, a uma sobremesa. Mas o texto descreve um cigarro, o Djarum Black Menta. A publicação, feita na “Review de cigarro” no Facebook, conta com 657 comentários. Alguns estão de acordo com a nota alta – 9,5 – que a página confere à marca. Outros têm argumentos contrários. “Facilmente na categoria ‘cigarro de pessoas que não gostam de cigarro’”, opina um seguidor.

Hoje com 23 anos, Pufe, que mora em Curitiba e é proprietário de uma loja virtual de balaclavas, inaugurou a página em 2019. Para a resenha (ou review, em inglês) de estreia, escolheu um maço de Marlboro, um clássico do tabagismo. A página teve um alcance significativo logo naquela primeira avaliação, angariando fumantes de todo o Brasil – e atualmente conta com 38 mil seguidores. Ajudá-los na escolha do “cigarro ideal” é uma das maiores satisfações de Pufe. “Na caixinha de cigarro não vem escrito que ele é aveludado, que tem notas de nozes, de chocolate, ou de ameixa, por exemplo”, observa. “Sem contar que as empresas e revendedoras de cigarro são muito mal instruídas.”

A página coleciona resenhas de cigarros considerados nobres pela comunidade. Entre os mais bem cotados, está o Marlboro Red Selection, cuja apreciação se expandiu também à aparência do maço: “Diferente de muitos cigarros que querem passar um visual jovem e moderno, ele tem um estilo mais clássico, meio quadrado, que lembra facilmente as embalagens antigas da marca. O fumo é de boa qualidade – o mesmo é curado por dez meses antes de ser enrolado. O gosto é forte, meio amargo e bem amadeirado, daquele jeito que combina perigosamente com uma cerveja bem gelada.” Acompanhando a apreciação crítica, vem a nota: 10, uma raridade entre os rigorosos avaliadores da página.

A “Review de cigarro” também faz crítica demolidora: “0800. Parece piada, mas o nome do cigarro é esse mesmo. E ele consegue ser um dos Top 3 dos piores fumos que já traguei nessa vida.” A página ainda foi generosa com o 0800: atribuiu-lhe nota 2. Outra marca mereceu um mediano 6 – e uma avaliação bem-humorada: “O cigarro é difícil para começar a fumar por ter um maço muito apertado (sério, é mais apertado que trem saindo da Central do Brasil em horário de pico!).”

As resenhas não são todas da autoria de Pufe, que buscou colaboradores por duas razões: ele não tem acesso a certos cigarros raros e importados, e nem todos os tipos de cigarro lhe agradam. “Como eu não fumava cigarro de sabor e não sabia opinar muito sobre eles, eu convidava alguém para fumar só os que têm sabor, outro para fumar só os que têm filtro branco”, explica.

Embora os cigarros tradicionais compareçam em maior número na página, o que mais agradou a Pufe em sua trajetória como fumante foi um cigarro artesanal, feito de palha. “O fumo dele era curtido no uísque e isso me chamou muita atenção”, diz. Cada carteira, com cinco unidades, chegava a custar 100 reais.

 

Pufe está deixando de lado o cigarro tradicional e tornou-se adepto do vaporizador (ou “vape”, como é mais conhecido), um tipo de cigarro eletrônico. O essencial, ele diz, é a nicotina, presente em ambos. “Hoje em dia eu fumo cigarro uma vez por semana e olhe lá.” Pufe também acha os vapes menos danosos à saúde, mas não há dados que comprovem isso. A comercialização está proibida no Brasil desde 2009, justamente pela falta de informações e comprovações científicas. Suspeita-se que sejam prejudiciais aos pulmões, ao coração e ao sistema nervoso. Ainda assim, a popularidade dos vapes cresceu muito nos últimos anos, em especial entre os jovens, e a venda dos dispositivos ocorre livremente em sites na internet.

“Review de cigarro” tem um público devoto, mesmo com a diminuição na frequência de publicações, o que Pufe atribui às responsabilidades que a vida adulta lhe trouxe. Ele não descarta falar de cigarros eletrônicos na página, mas reconhece que seus leitores são mais tradicionais. “Acho que eles não querem que eu mude o tema. Já escrevi sobre palheiro, tabaco e charuto, mas não pegou muito.” Os maços, os sabores, as texturas – tudo contribui para que os cigarros tradicionais nunca deixem de dominar a página feita por Pufe. “O cigarro eletrônico me parece muito superficial”, ele diz.