ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
Integração radiofônica
El puerto libre do horário eleitoral
Marcos Sá Corrêa | Edição 50, Novembro 2010
O Som do Mercosul marcou para o fim de semana a conversa no café Stratus do Shopping Cataratas, em Foz do Iguaçu. De segunda a sexta, ele fica no ar doze horas por dia. No sábado, o expediente termina um pouco mais cedo. “Procure a mesa com um cara alto e outro baixo, não tem erro”, disse O Som do Mercosul. E, de fato, lá estava ele, em dupla, inconfundível.
A Rádio Play FM – ou seja, O Som do Mercosul – cabe com folga na mesa do café. Moacir Dalla Palma, o alto, e Jurandir Buzanello, o baixo, fazem há um ano, praticamente sozinhos, toda a programação da rádio, que é 100% brasileira mas fica em Ciudad del Este, onde brasileiros só costumam pisar para uma comprinha rápida de importados ordinários.
Com sinal de 5 mil watts de potência – “o sea, con extrema calidad”, como se lê no site da emissora –, a Play FM cobre no mínimo seis municípios do Oeste Paranaense, sete do Paraguai e três da Argentina. Destina-se “a las classes A y B” e serve, 24 horas por dia, uma salada melódica definida como “pop-rock-dance”, trazida quase toda enlatada de São Paulo. O encadeamento da trilha sonora é cerzido com tanto zelo que as trocas de música, de intérprete e até de idioma costumam passar despercebidas, pelo menos para quem está ao volante de um carro não equipado com a última palavra em som automotivo no Paraguai.
Se a música distrai, os intervalos comerciais chamam atenção. Pode-se ouvir, em rápida sequência, um anúncio em português do Casino del Este, “o mais próximo do Brasil”, e a Itaipu Binacional promovendo em espanhol sua nova linha de transmissão, “de 500 quilowatts”, para que “el país no se detenga”. Na Play FM fazem publicidade em português empresas brasileiras como o Hotel Florence e a Foz Veículos. Em espanhol, anunciam a paraguaia Paraná Decoraciones, que com “su nueva tienda” oferece “toda comodidad y seguridad que nosotros merecemos”, e a Mundial Cambio, com “la atención que marca la diferencia”. Além de quatro cassinos, fala português também a Pastussi Grill, cuja especialidade é “o autêntico sabor do churrasco brasileiro no Paraguai”.
Sendo o ambiente multinacional, a maior parte dos programas tem nome em inglês, tipo Songs by Night ou Country Play. Sábado, às onze da noite, o americano Alex Hunt apresenta, de São Paulo, um programa inteirinho em sua língua nativa, o que pode vir a calhar no dia em que a Guiana e – por que não? – os Estados Unidos aderirem ao Mercosul. (Como a Venezuela está a um passo de entrar, não se invoque aqui o cartesianismo geográfico.) Das quatro da madrugada às sete da manhã o locutor paraguaio Waldemar Zaratta, entre uma guaraña e outra, dá em Mi Paraguay notícias internacionais, “inclusive do Japão”, em guarani castiço.
“Fica realmente tudo muito mixado”, confirma Moacir Dalla Palma, o alto. “Sai uma música em inglês, vem uma vinheta de cinco segundos em espanhol – ‘Play FM, El Sonido del Mercosur’, por exemplo – e entra o português.” Portunhol, não, nem brincando. Dalla Palma divide com o paraguaio Carlos Ortega o horário das cinco às seis da tarde, cada um no seu vernáculo, “sem tirar nem as gírias”. Ele acha que assim todo mundo se entende, sobretudo naquelas terras de fronteira. Cabe a Jurandir Buzanello, o baixo, manter a receita “bem meio a meio”.
Ele e Dalla Palma são “italianos de Cascavel”, a 150 quilômetros de Foz do Iguaçu. Fizeram juntos a universidade. Tinham vinte e tantos anos de rádio quando a emissora Itaipu, onde trabalhavam, foi arrendada pela Igreja Universal do Reino de Deus. A festa para eles acabou bem na hora em que estavam contratando um DJ paraguaio, para dar um pouco de molho hispânico à emissora. Viram-se no olho da rua às vésperas dos 40 anos e sem opção de emprego em Foz do Iguaçu.
Três estações de rádio sobrevivem na cidade. O resto das faixas de ondas é ocupado por transmissões piratas que, contrariando as expectativas, estão entrincheiradas não no Paraguai, mas na Argentina. Essas contrabandistas de MHZ “vendem anúncio por um quilo
de carne”, dieta que não sustenta ninguém que vive de rádio no duro.
Dois anos atrás, Dalla Palma e Buzanello resolveram entrar no Paraguai pelo caminho mais longo: o legal. A Asociación de Radiodifusores del Alto Paraná já havia enxotado de seu território a radiopirataria brasileira, deixando Ciudad del Este, pelo menos nesse ponto, desinfetada – a Play FM exibe como um brasão o seu registro no Conselho Nacional de Telecomunicações do Paraguai. Com outros dois sócios igualmente defenestrados em Foz do Iguaçu pela Universal, eles arrendaram uma pequena emissora paraguaia, a Suprema, licenciada em 2002. E aprenderam a tratar Ciudad del Este como aquilo que, por trás das avenidas de muamba que desembocam na Ponte da Amizade, ela realmente é, ou seja: uma cidade de 320 mil habitantes, comparável em porte a Foz do Iguaçu.
Dalla Palma e Buzanello moram em Foz do Iguaçu, mas há um ano, desde que a Play FM entrou no ar, trabalham o dia inteiro em Ciudad del Este. Tomaram gosto pela nova vizinhança. “Paraguaio dá muito mais importância ao rádio do que brasileiro. Trata radialistas como artistas”, diz Dalla Palma.
Eles não fizeram nenhuma pesquisa de audiência, mas, a julgar pelos e-mails, telefonemas, mensagens por celular e contatos no Orkut e no Facebook, a primeira resposta do público veio do Paraguai. Somente há dois ou três meses internautas brasileiros começaram a se manifestar com mais frequência sobre as delícias da Play FM, provavelmente depois de esbarrar na emissora ao tentar fugir da propaganda eleitoral nas rádios e TVs nacionais. Naquele momento, os políticos paraguaios também andavam em plena campanha. A diferença é que lá não existe horário gratuito, o que soa a mais um trunfo de sua avançada civilização radiofônica.