Um filme não é apenas um filme, é um filme mais a logística de dar conta da tropa que o realiza. Improviso tupiniquim e o espírito aventureiro se misturavam. Recebemos uma preleção da Funai esclarecendo que manter relações sexuais com os habitantes dali era crime passível de prisão ACERVO PESSOAL
Minha cerimônia do adeus
Num domingo de sol, vou ao cinema e começo a chorar no trailer. Eram as imagens de Xingu. Subitamente, me vi com 23 anos, de volta ao paraíso/inferno das filmagens de Kuarup, uma experiência que nunca mais me deixou e da qual me despeço aqui
Fernanda Torres | Edição 67, Abril 2012
As filmagens de Kuarup são mais fiéis ao espírito do livro de Antônio Callado do que o próprio filme. Às vezes isso acontece. Publicado em 1967, Quarup narra a saga de padre Nando, homem que sofre na alma e na pele as transformações vividas pelo Brasil, do suicídio de Getúlio até a ditadura militar. O núcleo da narrativa traça a aventura de um grupo de brasileiros que se enfurna nos cafundós do Planalto Central para demarcar o centro geográfico do país. Os personagens, cada um à sua maneira, se juntam à expedição por razões idealistas, românticas, éticas e científicas, mas acabam fazendo uma viagem para dentro de si mesmos. O marco geográfico se revela um lugar hostil, habitado por um gigantesco formigueiro de saúvas agressivas. Nós, atores, produtores, técnicos e o diretor, éramos como os heróis da literatura, submetidos a pressões físicas e culturais semelhantes. Esse era o choque que o filme desejava captar em celuloide.
Quando fui sondada para participar do projeto de levar para as telas o romance de Callado, sofri frenesis de expectativa: eu tinha 23 anos. A vontade de me perder no Brasil profundo por quatro semanas (que viraram dez), alojada junto a tribos do Alto Xingu, encarnando Francisca, uma das heroínas do livro, e dirigida por Ruy Guerra, legendário expoente do Cinema Novo – tudo isso me cegava, e ofuscava quaisquer outras vontades. Eu já me via em Uma Aventura na África, abrigada em uma barraca militar inglesa, discutindo a verdade dos personagens enquanto admirava o poente.
Um filme não é apenas um filme, é um filme mais a logística de dar conta da tropa que o realiza. Um projeto grande como aquele, no meio do nada, com duração prevista de três meses, contava com mais de uma centena de almas inquietas: de peões goianos a intelectuais sensíveis, de suculentas cozinheiras cariocas a técnicos japoneses alérgicos a mosquitos, de atrizes burguesas, como eu, a lendas vivas do cinema brasileiro.
Viveríamos isolados na mata, com luz racionada, sem privacidade, banheiro ou telefone, a três horas e meia de teco-teco de um aparelho de televisão. Improviso, logística tupiniquim e espírito aventureiro se misturavam para tornar real o sonho de Ruy Guerra.
Um homem carismático, um líder inteligente, um jogador com alma de revolucionário, figura ímpar e sem similar, Ruy Alexandre Guerra Coelho Pereira nasceu em Maputo, Moçambique, em agosto de 1931. Responsável por obras-primas como Os Cafajestes e Os Fuzis, Ruy teria raça suficiente para descer a Sierra Maestra e tomar a Cuba de Batista à frente de um punhado de bravos. Mas escolheu a arte.
Ator bissexto, participou de Aguirre – a Cólera dos Deuses, ao lado do furioso ator Klaus Kinski, sob a direção do não menos irascível Werner Herzog. Com os dois trocando abraços e sopapos, Ruy desceu o rio Amazonas de jangada desde a nascente até a foz, câmera inclusive, arriscando a vida em um misto de teatro experimental, psicodrama e cinema. Ruy conta que esperava os dois alemães do Valhala se xingarem de tudo, e muitas vezes chegarem aos pontapés, enquanto cozinhava no calor da armadura metálica do século XVI.
Agora o leme da grande jangada nacional estaria na mão dele.
Depois de um voo de carreira Rio–Brasília, o fotógrafo Edgar Moura, Taumaturgo Ferreira, escolhido para viver padre Nando, e eu embarcamos em uma viagem de mais de três horas a bordo de um pequeno avião bimotor Seneca. De cima, era possível perceber o efeito Philishave do desmatamento no solo sem fim de Goiás. Estávamos em 1989, ano da primeira eleição direta para presidente em quase trinta anos.
O piloto chamou nossa atenção para a fronteira da reserva ambiental, uma gigantesca linha reta de mata fechada que se elevava abruptamente diante de um cerrado careca. Sete propriedades particulares faziam fronteira com o Parque Nacional do Xingu, terra suficiente para abrigar nações inteiras.
A diminuta aeronave avançou por sobre o mar de folhas verdes. Em caso de acidente, a copa das árvores se fecha assim que o aparelho atinge o solo, impedindo a localização de sobreviventes. Procurei não pensar em desgraças e me diverti quando o comandante me ofereceu o manche. Na metade do caminho, Edgar Moura, um homem bastante alto, se queixou de dores persistentes na coluna. A cabine era tão apertada que ele não conseguia sentar-se ereto. As dores o acompanhariam por toda a filmagem, devido à jornada árdua e às barracas, que nos obrigavam a viver acocorados. Não foi um caso isolado.
Uma fumaça rosa chamou nossa atenção. Surgia, densa, por entre a imensidão da floresta. Era a sinalização de um pelotão avançado de treinamento do Exército avisando que ainda estavam vivos. Mais uma boa hora e meia de viagem e vislumbramos a pista de barro. Arremetemos para que um cavalo fosse retirado do caminho e, na segunda tentativa, aterrissamos.
Dali tomamos uma chatinha a motor. O primeiro choque de realidade se deu depois de cruzar o magnífico rio Xingu e quebrar à direita no pequeno e delicado Tuatuari: bati os olhos nas primeiras cabanas do lugar que eu chamaria de lar pelos próximos oitenta dias. Meu delírio inglês acabou ali. As tendas eram de náilon, dessas que se compravam na Mesbla para acampar em Saquarema. Em tons cítricos e motivos abstratos, se alastravam horrendas, destruindo a paisagem do esbelto afluente. As águas do rio, ainda turvas e barrentas, estariam azuis em um mês. Já o nosso rancho, em trinta dias apresentaria sinais claros de deterioração, como ocorre em áreas de refugiados.
Dividido em zonas, o acampamento era cercado de tela por todos os lados. Ela nos protegia dos animais selvagens, e fora também colocada porque Aritana, o cacique da tribo próxima, a Yawlapiti, havia achado uma boa ideia nos deixar presos enquanto os seus ficavam livres do lado de fora. A zona mais afastada da margem, e sem direito à brisa do rio, se estendia do barracão-refeitório até a floresta. Ela era ocupada pela base da pirâmide social: o pessoal da estiva, da limpeza e da cozinha.
Ao lado do barracão-refeitório ficava a zona da produção e o rádio, nosso solitário contato com a civilização. Essas eram as únicas edificações de madeira e palha, o resto era feito de plástico. Somente vinte dias mais tarde ficaria pronto o banheiro coletivo. Na parte alta do terreno, margeando o Tuatuari, à esquerda dos barracões, foram erguidas as acomodações da equipe, batizadas de Savana Hills. Meu lar ficava depois dessa área populosa, em um declive acentuado que levava até uma praia de areia branca, um luxo reservado ao topo da cadeia alimentar. Meus vizinhos eram o Ruy, o Taumaturgo e o ator Roberto Bonfim.
Bonfim era um empreendedor compulsivo. Amava tanto a vida na selva que se mandou para lá antes, junto com a turma que levantou as instalações, e cavou sozinho a enseada em que me alojei. Quando o local se transformou na Ipanema dos dias de folga, Bonfim limpou o mato adiante, criando um segundo balneário mais recolhido. A privacidade era um bem raríssimo. Graças a Bonfim, comíamos peixe de vez em quando, pescado com um corrico que ele tinha sempre à mão nas longas viagens de lancha de volta ao alojamento.
A alimentação era um caso à parte. Minha frescura de estrela não sonhou apenas com abrigos sóbrios de exército: fui para lá certa de que manteríamos uma dieta frugal, com peixe fresco e frutas do pé. Bobagens de moça fina. Obviamente, seria impossível manter 100 bocas alimentadas à base de anzol. Os sacos gigantes de carne moída conservada em um freezer, que gelava a meia potência, eram trazidos de avião dos estados vizinhos, junto com o feijão e arroz. Seu Norival, o cozinheiro, enfrentava com Dalva, ajudante sensual e dona de uma bunda indescritível, o setor mais difícil de toda a legião. Não havia opção, dependíamos deles para sobreviver.
Era duro manter a higiene diante do barro que se espalhava e das refeições sequenciadas. A faca da cebola cortava a melancia, a geladeira espremia alho com bugalhos. Mas o que seu Norival, Ruy e Mair, o produtor executivo, não previram foi que nossos anfitriões, os índios, acostumados com uma dieta saudável e monótona de peixe moqueado, mandioca e frutas silvestres, enlouqueceriam com a carne, o sal e os temperos do homem branco.
O resultado foi o inchaço das filas da alimentação, agora formadas, além da equipe, pelas tribos indígenas ávidas por novas iguarias. Os índios chegavam cansados, depois de caminhar quilômetros, e repetiam pratos rombudos. A comida foi rareando e o trabalho de seu Norival triplicando, enquanto a produção tentava encontrar uma maneira diplomática de explicar aos donos do lugar que eles não eram bem-vindos à mesa. Ofensa capital.
Tanto Yawlapiti quanto Kamaiurá, as tribos que visitávamos a pé e serviam de locação para muitas tomadas, foram extremamente receptivas à nossa presença. Os yawlapitis estiveram perto de ser extintos e foram salvos graças a casamentos sucessivos com membros da exuberante Kamaiurá de uma aldeia centenária localizada às margens de um lago imenso e cercada de um pomar cultivado por gerações. A Yawlapiti ficava a poucos metros de distância da nossa base, já a Kamaiurá só era alcançada depois de uma longa caminhada. Acredito que toda a negociação para a filmagem tenha se estabelecido entre os caciques dessas tribos e a Funai.
O problema é que qualquer contrato entre brancos e índios arrasta consigo os 500 anos de injustiça e desigualdade. Historicamente o branco sempre levou vantagem. Eu, como atriz, nunca soube dos detalhes, mas, pelo que pude entender, fechou-se uma proposta na qual, além de um acerto financeiro, parte do equipamento de logística – balsas, geladeiras e rádios – ficaria no parque depois da nossa partida. Quando a infindável parafernália técnica começou a desembarcar, os chefes quiseram rever o acordo, achando que haviam sido modestos nas exigências. As discussões se alongaram mesmo depois do início dos trabalhos. Mair e Ruy se alternavam entre o set e a sede da Funai, fazendo as vezes de interlocutor entre Paulo Brito, o principal investidor, e os caciques.
Uma noite, lendo em meus aposentos, escutei a voz alarmada dos irmãos Yamada, os dois nipo-paulistas alérgicos a inseto que faziam parte da equipe de câmera. Eles repetiam aos berros que Ruy e Mair estavam sendo mantidos como reféns pelos índios. Nosso acampamento, diziam os rumores, seria atacado a flechas. Enquanto decidia àquela hora da noite em que matagal me esconder de silvícolas obstinados, pensei: “Cadê o Bonfim?!” Na dúvida, só ele mesmo.
O boato era falso. Ninguém morreu de zarabatana. Ruy e Mair enfrentaram sozinhos uma situação digna de Amaral Netto, o repórter. Sentados em dois banquinhos na sede da Funai, no meio de uma roda de homens de tanga, parrudos e chateados, nossos líderes procuraram demonstrar firmeza. As bordunas em riste avançavam e recuavam na direção deles, e os dois ali, impávidos. A prova de macheza causou forte impressão, firmou-se uma nova negociação e o drama não se repetiu.
Nada disso deve levar o leitor a crer que não fomos bem recebidos. Fizemos amigos inesquecíveis, como Palavra, que jurava emocionado ter feito contato com um disco voador e era capaz de acertar, literalmente, uma mosca com uma flechada. Muitos índios vinham de longe admirar com curiosidade nosso estranho modo de vida, cercado de gravadores, livros, xampus, lanternas, canivetes e máquinas fotográficas. Às vezes, famílias inteiras se colocavam na porta da cabana para nos observar, como se fôssemos animais de zoológico.
Numa de nossas visitas à tribo dos kamaiurás, o técnico de som Jorge Saldanha foi arrastado para dentro da Casa dos Homens. Nós queríamos tomar um banho na lagoa, e eles, antes de dar a permissão, convidaram o Jorge a entrar na pequena palhoça inacessível às mulheres, situada no centro da aldeia. Enquanto eu aguardava do lado de fora, escoltada por um índio, Jorge era arguido pela ala masculina sobre coisas singelas como: “Diz aí, como é uma esquina?”
Assistimos a diversos rituais. Vi índios paramentados com faixas de papel higiênico, cuja função prática era nula, mas que penduradas ao longo do corpo pintado criavam incrível movimento e efeito. Vi aparelhos de som, os paraibões, ornados com penas e urucum, dançando sem pilha nas mãos dos guerreiros. Antes de embarcar para o Xingu, minha fantasia era a de que encontraria seres iluminados, vindos de uma estrela colorida e brilhante. Tinha uma visão idealizada e fiquei surpresa ao encontrar matutos humorados, viris, doces, espertos e algo sacanas. O espírito do índio está espalhado por todo o interior do Brasil, ele é a raiz do caipira, do jagunço, do mineiro, dos heróis de Grande Sertão: Veredas. Os índios somos nós.
Nem tanto.
Assim que desembarcávamos no parque, recebíamos uma preleção da Funai e dos organizadores do filme, esclarecendo que manter relações sexuais com os habitantes dali era um crime prescrito por lei e passível de prisão. A atração, travestida de amor, poderia trazer doenças sexualmente transmissíveis, capazes de aniquilar nações inteiras. Qualquer gesto nesse sentido poderia colocar em risco a realização de todo o projeto.
Mas o romance estava no ar.
Diante da pequena entrada da imponente oca de Aritana, bem em cima da cozinha comunal, havia um pôster típico dos anos 70: o herói em foto alaranjada, colada em fundo de madeira. Assim como o tio, os sobrinhos de Aritana eram os jovens alfa da tribo. Gostavam de óculos Ray-Ban e olhavam as moças com desejo. O mais sedutor deles se encantou por uma assistente de figurino muito mocinha, muito loirinha e muito bonitinha. Antes que algo se consumasse a moça foi sumariamente demitida e afastada de avião da tentação de sucumbir aos encantos antropológicos do príncipe nativo. Romeu e Julieta é pinto.
Não é fácil controlar a libido num filme de locação. Vacinado contra a lubricidade dos brancos, e já prevendo acidentes, Aritana transferiu todas as adolescentes de sua tribo para a longínqua Kamaiurá. Não havia meninas por perto, só matronas sem maiores apelos. Na primeira vez em que visitei os kamaiurás, pude entender a loucura dos portugueses do tempo de Cabral pelas cunhãs com tanguinhas e corpos tatuados. Elas rodeiam o visitante com sorrisos meigos, falam baixo e passam as mãos delicadas na pele da gente. Pareciam fadas e poderiam facilmente tirar do sério um homem carente.
Carência é o outro nome de uma película de locação. Aceitar um emprego assim é como se alistar no Exército. Você abre mão de sua individualidade, de sua vida passada, você suspende momentaneamente os seus direitos de cidadão e passa a agir apenas em nome do regimento.
A abdução cinematográfica torna irresistíveis pessoas sem nenhum atrativo. Só ali elas têm charme. É difícil confiar no próprio julgamento. A terceira semana de imersão marca o início da comichão amorosa, que atinge o pico na quinta semana e arrefece ali pela sétima. Isso em um período clássico de dois meses. No caso de Kuarup, em que sessenta dias de mato se transformaram em 120, e mais outros sessenta do Recife, a dança do acasalamento começou no primeiro mês, e só Deus sabe quando terminou. Meu romance furtivo, depois de mim, namorou mais duas colegas – era preciso ser democrático. Casamentos foram feitos e desfeitos no Xingu.
O lendário maquinista Moacyr escolheu uma mulher muito, mas muito feia, para receber seus carinhos. Ninguém entendia por quê, já que o Moa era um malandro sestroso da melhor tradição carioca. Um dia, perguntei a razão de ele encarar mulher tão desprovida de atrativos. Moacyr riu e respondeu matreiro: “Dá uma olhada na minha barraca!” Eu dei. A barraca do Moacyr parecia o Palácio de Versalhes, de tão limpa e esticada: a amada era uma goiana da equipe de limpeza. Na frente, se estendia um jardim com flores cultivadas, delimitado por uma cerca baixa com um caminho que levava até o ninho do amor. Lá, ele devolvia a ela os cuidados com a casa.
Sabia tudo, o Moa.
Menos de tecnologia de ponta. Ele estava ansioso para receber a Panther, primeiro dolly operado eletronicamente, a desembarcar no Brasil. O artefato – um carrinho-grua que leva a câmera e pode ser usado sobre trilhos, ou com roda de borracha – foi importado junto com um japonês especializado, que iria ensinar a maquinistas com prática de prego e sarrafo os segredos do terceiro milênio. Quando o felino computadorizado aterrissou no Xingu, fomos recebê-lo como os macacos de 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Era uma traquitana linda, de metal negro, compacta, acompanhada de braços mecânicos à la Transformers.
Moacyr tinha orgulho de ter improvisado um dolly – ou seja, um carrinho – a partir de uma caixa de verdura de feira, numa cena dirigida por Ana Carolina. Os trilhos e a largura da maquinaria bruta não passavam na estreiteza do corredor do trem. Moa descrevia com detalhes como passou vela no chão do vagão para que o caixote deslizasse como se fosse gelo, meteu lá a câmera Arriflex e puxou tudo com uma corda de sisal. As gruas, os carrinhos e os trilhos pesavam toneladas e eram feitos na base da marcenaria, verdadeiros barracos construídos na hora. Gastavam-se tempo e esforço para subir, descer, avançar e recuar a lente.
Agora, lá estava o japonês de Hollywoodcom a parafernália dos Jetsons em pleno mato. O controle remoto a fazia operar milagres sem gastar os músculos, mas era preciso aprender os comandos de dezenas de botões delicados. Moacyr reagiu cabreiro, sentindo-se ameaçado: a Panther significava o fim do caixote de feira encerado. Não sei se foi mandinga, ou uma prova de que o meio vence o homem, mas logo no primeiro dia de serviço um grão de areia entrou na engrenagem da bicha e ela nunca mais foi a mesma.
Ruy gostava de formular planos-sequência, demorávamos horas para ensaiá-los, sincronizando o movimento dos atores com os travellings, as panorâmicas, os closes. Engastalhado pelo grão imundo, o cérebro eletrônico da Panther travava os movimentos, tornando ainda mais complexa a regência da orquestra. O jeito foi desligar o circuito interno da geringonça e usá-la na marra, movida a bíceps, como na velha tradição.
Constatado o atraso no plano de filmagem ao fim do primeiro mês, a produção permitiu que alguns atores visitassem sua cidade de origem por dois dias, antes de retornar. Foi pior do que se tivéssemos ficado. Ao colocar os pés em casa, comer bem, tomar um banho quente e dormir numa cama alta, tive a noção real do que estava vivendo. Fui tomada por um pânico assombroso. Sem os atrasos, meu trabalho estaria encerrado ali, esse era o limite da minha capacidade, mas agora só me restava voltar sem saber direito a hora em que tudo terminaria. O roteiro era um calhamaço quase do tamanho do livro e, da minha fase, ainda faltava cumprir a metade. Pousei no Xingu com medo do monstro em que eu estava prestes a me transformar.
Um dia, voltando de lancha de uma locação costumeira, a uma hora de distância do acampamento, minha embarcação quebrou ainda longe de casa. Outra com a equipe de fotografia parou para dar assistência. Não tive dúvidas: saltei para o barco deles sem pensar em quem estava deixando para trás. Não deu dois minutos, esse outro também quebrou. Dez minutos mais, a lancha em que eu estava antes passou por nós, alguém havia consertado o defeito. Sem pestanejar, pulei para a embarcação anterior e abandonei as pessoas que tinham acabado de me resgatar. Esses ficaram encalhados até o anoitecer e só saíram de lá porque a cenógrafa Marlise, única mulher a bordo, se revoltou com a falta de coragem do sexo oposto, meteu o pé no lodaçal, tirou a vegetação enleada no motor, empurrou a barcaça sozinha, subiu de volta e mandou dar a partida.
Lembro-me de uma conversa sobre o acerto financeiro que teve de ser rediscutido com o Mair, durante a qual abri um berreiro pedindo que ele me tirasse dali. Passei a tomar Novalgina para dormir e esquecer os dias em que não era recrutada. Recusei-me a fazer um segundo take de um plano que não havia ficado bom porque isso exigiria que eu ficasse mais um dia naquele lugar, e eu não aguentava nem mais um segundo. Depois aceitei, mas a grosseria já estava feita. E, na despedida, coloquei Comida, dos Titãs, para tocar aos berros no refeitório: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.”
Durante muitos anos, sofri de um profundo embaraço com relação ao Ruy. Só me curei em Casa de Areia. Ruy fazia o papel de meu marido e o filme lembrava uma versão moderada da proeza logística de Kuarup. Para a ocasião, imprimi quatro camisetas para os membros da equipe que haviam passado pelo Xingu: Eu, o Ruy, o Jorge Saldanha e um rapaz do figurino. Nela, lia-se em letras grandes: “Me Respeita. Eu fiz Kuarup.”
Não fui a única a degringolar. Todos, com o arrastar do tempo, começaram a demonstrar sinais de descompasso. O próprio assentamento servia de retrato para o que estava acontecendo conosco interiormente. O lixo trouxe as moscas, antes inexistentes. Brigas se sucediam, gente saía no tapa, no soco, havia boatos de que alguém tinha puxado uma faca para outro alguém.
Um dia, alta madrugada, acordamos com Satisfaction, dos Rolling Stones, tocando altíssimo dentro de uma das tendas. Seu dono abria e fechava o zíper enquanto acendia e apagava a lanterna como em uma boate de Os Embalos de Sábado à Noite. De dentro, se escutavam gritos desconexos que indagavam em desespero: “E a minha carência!? E a minha carência!?…” Mais uma baixa, retirada de avião no dia seguinte, para que a demência não se tornasse contagiosa.
Remávamos canoas indígenas para não enlouquecer. Edgar Moura se dedicava a pequenos engenhos tecnológicos. Ele praticava natação e inventou um gravador que se equilibrava sobre uma boia amarrada ao corpo para ouvir música enquanto dava braçadas. A engenhoca não demorou a adernar, mas preencheu o vazio do tempo.
Edgar se empenhou também na construção de um complexo aviãozinho, guiado por controle remoto. No dia da folga, sempre deprimente pela falta do que fazer, arregimentou uma legião de entusiastas que, juntos, construíram uma torre de lançamento. Ansiosos, nos reunimos em volta do Cabo Canaveral de Varginha. Edgar, com entusiasmo infantil, soltou no ar o
aeroplano, que cumpriu uma curva descendente acentuada e Nheeeeeeeeeeeeuuuuuuusplashhhh… espatifou-se na água. O silêncio foi total. Recolhemos os destroços com o pesar de quem enterra um passarinho.
O primeiro assistente de direção, Rudi Lagemann, se recusava a entrar no rio. Numa milagrosa manhã, para espanto generalizado, decidiu arriscar. Celebramos a notícia, aplaudindo o ruivo de pele branca enquanto ele se livrava das botas. Gritos incondicionais de apoio se somaram aos aplausos quando o vimos afundar. De repente, depois de vencer alguns metros corrente acima, o corpo de Rudi retesou por completo, todo ele encolheu como uma mola e boa parte do ruivo submergiu. A correnteza carregou com rapidez o rosto contorcido num esgar. Testemunhamos atônitos o desenrolar da tragédia sem esboçar reação, até que alguém gritou: “É câimbra!”, e pulou para trazê-lo de volta à margem. Foguinho, como era e ainda é conhecido, carregava a responsabilidade de ser o braço direito de Ruy. O breve relax lhe foi quase fatal.
Os irmãos Yamada se diziam alérgicos e usavam roupas de ninja pretas para se isolar do ambiente. Eles se embalavam a vácuo, enrolando com fita crepe a junção das botas com a calça, das luvas com a camisa e da gola com a máscara. Essa cobria o rosto inteiro, só os olhos e o buraco do nariz ficavam de fora.
Os dias começavam antes de o sol raiar, debaixo de uma friagem de lascar. A única recompensa era entrar no rio quente, ainda exalando os vapores da névoa branca da madrugada. Os japas selavam seu escudo protetor bem cedo, durante esse frio despertar. Mas, assim que o primeiro raio de sol vencia a linha do horizonte, um calor inclemente torrava de súbito a geografia.
O Xingu é um gigantesco rebatedor, a luz tortura de todos os lados. No fim do primeiro mês de esquenta e esfria, de suor por cima de suor sob a armadura espessa de pano escuro, fungos seriíssimos proliferaram com raiva na pele dos samurais. A erisipela os obrigou a abandonar o serviço e voltar para a segurança do santo ar poluído de São Paulo.
Em meio à debacle, Paulo Brito, o empresário que havia apostado suas fichas de ouro na empreitada, desembarcou de jato no Xingu para passar um fim de semana com a família. Fernando Bicudo acompanhava a comitiva e estava envolvido nas negociações. Todos dançaram emocionados com os nativos em uma comunhão inesquecível. No café da manhã do dia seguinte, comentei com Brito que, mesmo se tudo desse errado, o contato com aquela realidade já teria valido o risco. Brito me olhou sério, como quem encara um operário relapso, e respondeu que se importava, sim, com o resultado do jogo. Estava coberto de razão.
Até o empreendedorismo do Bonfim deu pane. Capinar era a melhor forma de manter sua mente sã. Bonfim cuidava da limpeza de suas duas praias e ateou fogo ao matinho de folhas secas, como fazia habitualmente. Num determinado dia, o vento mais forte levou uma fagulha para o mato alto e seco que nos circundava. As labaredas subiram quase que instantaneamente. Em um corre-corre geral, foram organizados mutirões para estancar o incêndio e impedir que chegasse aos botijões de gás do barracão da cozinha. Os extintores não davam conta e baldes d’água foram carregados em fila indiana. Outro incêndio, pior que o primeiro, quase aniquilou a base quando parte da equipe estava em Aripuanã.
Essa localidade era o Velho Oeste brasileiro. Uma vila perdida no extremo norte de Mato Grosso, nas cercanias da floresta amazônica, vizinha de nações indígenas sempre em conflito com garimpeiros. Além desses, loiros importados do sul pelo governo militar, como estratégia de ocupação dos grandes vazios, formavam o grosso da população.
Durante os anos 70, dezenas de famílias foram seduzidas a deixar o Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e migrar para o norte. Mas o cultivo clássico da terra – desmatamento seguido de aradura, plantio e colheita – não se aplica àquela região. Uma vez cortadas as árvores, a camada de solo fino se transforma em areia, imprestável para o cultivo de médias propriedades.
Não havia agricultura. Comiam-se enlatados, ensacados e parcas folhas de pequenas hortas. A única atividade rentável, além do garimpo ilegal de mercúrio em reservas indígenas, era a extração de madeira. As serrarias de quintal gemiam pelas calçadas e um pó fino e avermelhado se levantava a cada passo, tornando o ar irrespirável.
A imponente cachoeira de Aripuanã justificava a nossa presença ali: um complexo de rochas cavadas em círculo, onde bandos de andorinhas alçavam voo por entre a nuvem úmida das dezenas de cascatas que se precipitavam em meio à deslumbrante vegetação. Ouvi dizer que esse colosso, hoje, está careca e seco.
Meu quarto em Aripuanã tinha 1,5 metro por 2,5. Um palácio de paredes firmes de tijolos e porta com fechadura, luxo que já nem lembrava mais que existia. Logo na primeira noite, vozes desesperadas vieram me acordar do sono de rainha. “Fêirnanda! Fêirnanda!”, diziam elas com sotaque interiorano. Eram moças da vida do bar local tentando acordar alguém da equipe. “Vão matar o Bonfim! Acorda Fernanda, vão matar o Bonfim!”
Os que conseguiram sair da cama se juntaram na porta do hotel. No meio da rua, um cambaleante Bonfim aliviava a bexiga com uma concentração de toureiro. As meninas continuavam aturdidas, tentando nos explicar a gravidade da situação. Bonfim havia se exaltado com garimpeiros no buraco quente, que ameaçaram nosso mais viril companheiro de morte. Ruy tomou a dianteira e com voz imperiosa mandou Bonfim entrar. O bugre encarou Ruy com a clareza que só o estado etílico permite atingir e disse: “Ruy, vai tomar no cu.” A frase ecoou na noite mato-grossense. A corja de linchadores jamais apareceu.
Dias depois, o mesmo piloto que nos havia levado até lá realizou para as câmeras uma manobra impressionante com o bimotor: um rasante profundo sobre uma queda d’água cuja função era lançar um enorme fardo na direção do elenco. Rodávamos uma sequência em que a expedição recebe uma carga de suprimentos. O pacote gigantesco foi devidamente cuspido, mas, em vez de parar no local do arremesso, continuou quicando como uma bola de pingue-pongue de Itu e passou de raspão por Bonfim. Por pouco a cena não lhe toma a vida. O take está lá, no filme.
Deixamos o Velho Oeste de volta para a tribo de brancos em um avião Hercules da Força Aérea Brasileira. Os tripulantes mais pareciam galãs de filme de guerra americano.
Lembro-me da última locação, numa floresta do rio Xingu. O material de cena que dormiu na mata foi comido pelas formigas, exatamente como na ficção literária. Do chapéu de palha de Francisca só sobrou a metade. Uma onça amedrontou os vigias que dormiram no set, obrigando-os a remar para o meio do rio e cochilar como podiam, apertados no barco durante a longa noite.
Havíamos chegado ao centro geográfico do Brasil.
Depois de refazer o take que não havia ficado bom, entrei no mesmo avião Seneca da vinda, dessa vez sem bancos, e me sentei no chão, na companhia de uma família de índios e de Débora Bloch.
De repente, não havia mais nada, só as lembranças das quais tento me desfazer aqui. Perderam-se as passagens memoráveis, como o dia em que, voltando pelo Tuatuari, vimos a lua cheia nascer simetricamente oposta ao sol, que se punha do outro lado. Até aquele momento, eu jamais havia compreendido o alinhamento dos dois astros. Duas curvas adiante, um enorme jacaré apreciava a mesma confluência astral.
Marlise, a mulher corajosa que desatolou o barco lotado de machos, me diria anos depois que, quando me recusei a fazer o retake, ela não entendeu que diferença fazia ficar mais um ou dois dias ali. Mas na hora de ela ir embora, uma fobia ansiosa a fez sofrer de insônia na noite anterior à partida e a correr em disparada, agarrada a seus pertences, numa disputa egoísta pelo primeiro lugar a bordo do avião. “Parecia a retirada de Phnom Penh, no Camboja, durante o avanço do Khmer Vermelho”, disse Marlise.
Na volta, fui repreendida pelo artista plástico Frans Krajcberg. Ele me ouviu falar do aperto da estadia agreste e achou que eu estava agredindo a mãe natureza. Não tentei rebater; minhas críticas não se dirigiam à Gaia, mas à dificuldade de manter 100 caras-pálidas afastados da civilização.
Parte do grupo voltaria a se encontrar no Festival de Cannes, no qual Kuarup foi selecionado para a mostra oficial. Eu assisti num cinema de shopping, um dia antes de embarcar para a França. O resultado me pareceu estranho e caótico.
Claudia Raia, a figura mais interessante da nossa delegação, ousou num vistoso cocar de penas radiantes e num discreto longo preto de sereia no tapete vermelho da sessão de gala. Não filmamos juntas, a minha expedição buscava pistas do desaparecimento de Sônia, seu personagem, e Claudia chegou depois de mim. Quando deixei a locação, havia um furor geral de imaginar aquele mulherão na base.
O fim dos anos 80 marca o início da militância verde em escala global. Sting se transformou no melhor amigo de Raoni. John Boorman descobriu a índia cabrocha Dira Paes em A Floresta das Esmeraldas. E a Amazônia tomou de assalto o imaginário cultural brasileiro. O índio ocupou o lugar do proletariado como símbolo dos desassistidos. Todos os meus colegas de cinema estavam metidos em monomotores, empenhados na realização de documentários, longas, séries e novelas de tevê; viviam entre o Acre, o Pará, Roraima e Goiás.
Brincando nos Campos do Senhor, de Hector Babenco, era, de longe, o mais ambicioso e portentoso projeto para a região. A situação de Babenco, em termos de infraestrutura do filme, era infinitamente mais confortável do que a de Ruy. A equipe se alojava em hotéis, os equipamentos de ponta vinham acompanhados de técnicos com prática em eletrônica. E Saul Zaentz, o mais independente dos produtores de Hollywood, garantia a retaguarda. Babenco teve dinheiro e liberdade artística para dirigir Tom Berenger, Daryl Hannah, Tom Waits, Kathy Bates e John Lithgow por seis meses ininterruptos, precedidos de quase um ano de preparação.
O primeiro sinal de que a filmagem de Brincando não seria simples aconteceu logo de cara, quando todos os dólares convertidos em cruzados para o pontapé inicial foram confiscados pelo pacote econômico de Zélia Cardoso. O capitalismo, aqui, também se mostrava selvagem. O cansaço, a distância, o calor, as doenças e os bichos, além do risco constante em pequenos aviões mal revisados, completavam o caos em que se transformou o dia a dia dos que faziam cinema no Brasil.
A proliferação de cineastas na Amazônia durou uns cinco anos e depois acalmou. A onda marajoara, curiosamente, reuniu o desejo de dominar a tecnologia e as grandes finanças com o que existe de mais macunaímico em nós: a herança indígena. A transição entre o cinema autoral e o técnico começa a ocorrer aí.
Não à toa, o último filme dessa leva tupi foi Anaconda – o cinema-susto, comercial, sem nenhuma segunda intenção artística. Criada no Japão e transportada como uma joia até o rio Amazonas, a grande estrela da fita, uma cobra androide operada por cabos, era capaz de executar centenas de movimentos sinuosos, ataques, fugas e botes. Seus eletrodos enovelados eram conectados a uma mesa central computadorizada, instalada no barco de cena, de forma que os atores pudessem contracenar com ela.
No primeiro teste, durante o batismo do monstro, a avidez de ver o Golem emergir foi tanta que todos correram para o tombadilho. O peso concentrado de um lado só da embarcação a fez virar com tudo dentro, central de comando inclusive. Os circuitos da Anaconda fundiram e ela entrou em coma eterno. O projeto foi adiado por um ano para que refizessem o Frankenstein. As máquinas de última geração sofrem mais do que os homens quando expostas à natureza extrema.
O período que vai da chegada da Panther, no Xingu, até o afogamento da sucuri mecânica de Anaconda, em Manaus, acompanha a última fase de existência da Embrafilme. Em 1990, o presidente Fernando Collor extinguiu a empresa, deixando no ar toda a geração que cresceu e se desenvolveu à sombra dela. Ao mesmo tempo, Collor abriu o Brasil para o mercado externo. Câmeras, refletores e microfones importados desembarcaram aqui e encontraram a classe cinematográfica falida e desorganizada. Arnaldo Jabor foi escrever, outros viraram professores, arrumaram emprego na tevê, feita em vídeo.
A publicidade era o único nicho, fora o documentário, a ainda lidar com a linguagem clássica do cinema e acolheu grande parte da mão de obra ociosa. Ao contrário do Cinema Novo, a moçada arregimentada pela propaganda foi apresentada à tecnologia antes de saber de literatura, filosofia, arte e política.
A intimidade com a técnica não resolve o desconhecimento de dramaturgia. O jovem aspirante lidava com cenas curtas que tinham como principal objetivo o consumo. Os voos artísticos se reduziam a um videoclipe aqui e um reclame de cigarro ali. A indústria de tabaco, com os bolsos cheios, dava liberdade de criação ao diretor. Era sinônimo de status dirigir uma campanha assim, para se ter noção do fundo do poço em que estávamos metidos.
Na sessão das duas de Shame, em um domingo ensolarado de março, assisti ao belíssimo trailer de Xingu, de Cao Hamburger. Quando dei por mim, estava chorando. As mesmas aldeias de Kuarup, o sol dourado na contraluz dos curumins, o rosto dos atores impressionados à vera com o que estavam vivendo. Tive a estranha impressão de que havia, também eu, participado do filme de Hamburger. Vinte e três anos se passaram e o impacto que aqueles oitenta dias tiveram sobre mim ainda não se apagou.
Os dois filmes se fundiram no meu imaginário. A distância que os afasta mede a história do cinema no Brasil, desde os estertores finais da Embrafilme até os dias de hoje. O pouco que assisti na tela me fez imaginar que Xingu, através dos irmãos Villas-Bôas, tivesse finalmente feito a ponte da ciência e da arte cinematográfica com o que temos de mais puro e primitivo. Na minha vida, o hiato entre Kuarup e Xingu marca o fim do desejo suicida da juventude de passar por experiências marcantes e o início da serenidade de quem foge de uma locação prolongada como o diabo foge da cruz.
Quarup é uma cerimônia fúnebre em memória aos mortos. Esse é o meu Quarup de Kuarup, a propósito de Xingu.
Fernanda Torres, atriz e escritora, é autora do romance Fim, da Companhia das Letras