questões da arte
No palácio de Moebius
João Gilberto, Lygia Clark, Graciliano Ramos, Mira Schendel e a modernidade brasileira girando na vitrola sem parar
Nuno Ramos
1. MOEBIUS
Em 2001, ao escrever sobre Hélio Oiticica, deparei com o que me pareceu um paradoxo – o impulso para fora, a vontade de colocar a obra diretamente no mundo, no exterior de qualquer moldura física ou institucional, acabava criando dobras, cavidades, fendas, ninhos; a atividade alardeada, contraposta ao que seria passividade nos trabalhos tradicionais, transformava-se em repouso, sono, preguiça, conforto.[1] Creio que o momento exato em que essa ambivalência nasce está na passagem dos Bilaterais (1959) para os Relevos Espaciais (1960) – ali, à dimensão quase bidimensional (a soma da espessura de duas superfícies de madeira de compensado), é sobreposta uma fenda, uma dobra, um interior. Destas pequenas frestas, que os Relevos Espaciais instauram, sai toda a obra de Hélio Oiticica (e boa parte da arte contemporânea brasileira), num impulso de interiorização constante que somente as Praças, ou Magic Squares, quase dez anos depois, vão em alguma medida interromper.

Nuno Ramos
É artista plástico e escritor. Publicou, entre outros, os livros Ó (Iluminuras) e Verifique se o Mesmo (Todavia)