ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2007
O cardeal, as mulatas e o suíço
Por 1 dólar, você pode ligar para a Estônia e votar no Cristo
Roberto Kaz | Edição 6, Março 2007
O figurino não costuma variar: sapato de couro preto, calça social da mesma cor, camisa azul de botão e boné branco. É o seu uniforme. Assim ele foi visto no Japão, meditando num templo sagrado. Assim foi fotografado na Índia, enquanto acariciava a tromba de um elefante. Na Inglaterra, foi com a mesma roupa que visitou o solo sagrado dos druidas. Na acrópole de Atenas, repetiu o traje para encontrar o presidente grego. Talvez você o tenha visto no alto da Torre Eiffel. Ou, quem sabe, caminhando pelas Muralhas da China. O homem em questão prometeu visitar a Estátua da Liberdade, no dia 7 de março, de sapato de couro preto, calça social preta, camisa azul de botão e boné branco.
Não, não é Wally. Bernard Weber é um canadense nascido na Suíça, magro e alto, de 54 anos, que nos últimos meses tem visitado os quatro cantos da Terra para promover um concurso que pretende mudar a História: a escolha das sete novas maravilhas do mundo.
A idéia lhe ocorreu em 1999, assim de um golpe. Ao conversar com uma professora primária, Weber soube como era difícil ensinar aos alunos o que vinham a ser as sete maravilhas originais: salvo as pirâmides do Egito, todas haviam desaparecido. Embalado por um furor pedagógico, Weber listou 177 monumentos ainda de pé, candidatos a ocupar o posto. Com o conselho de uma equipe de arquitetos – dentre eles, alguns ganhadores do Pritzker, o Nobel da categoria -, reduziu-os a 77. Ainda era muito. Criou uma fundação – a New 7 Wonders – e um sítio, no qual, por voto popular, chegou aos 21 finalistas. Conseguiu algumas doações, mas, na falta de um grande patrocinador, inventou sete marcas fictícias: Utilor, Omni Stark, Prodaari, Concorla, SeeGoFeel, Ypsolute e Kwebi. Para onde vai, carrega consigo um painel com as respectivas logomarcas, na esperança de divulgá-las e vendê-las mais tarde. Quando pode, tira foto na frente do painel.
Quem visitar o portal da New 7 Wonders se depara com a momentosa frase: “Esta é a sua chance de participar da construção da História”. Para tanto, pode-se proceder de várias maneiras. A mais simples é se cadastrar no sítio e escolher as suas sete maravilhas prediletas. Assim, você concorre a livros, brinquedos, roupas, filmes e moedas com a marca da fundação. O problema com esse procedimento é que ele impede que você vote numa só maravilha, a do seu coração. Para contornar o dilema, ao custo de 2 dólares, é possível comprar um certificado da maravilha favorita. Equivale a um voto. Weber recomenda que o eleitor imprima o certificado a cores e o cole na traseira do carro, pois “assim todo mundo saberá que você votou nas sete maravilhas e qual o seu candidato predileto”. Finalmente, como ensina o sítio da Riotur, responsável pela campanha no Brasil, pode-se também votar ligando para um número na Estônia, ao custo de 1 dólar o minuto. Parte do dinheiro arrecadado será dirigido à conservação das maravilhas vencedoras. Segundo Weber, já foram contados 25 milhões de votos. Até 6 de julho, data de encerramento da votação, ele espera contabilizar no mínimo 100 milhões de eleitores.
O resultado será divulgado em Lisboa, no dia 7 de julho de 2007, ou, como ele prefere, 07/07/07: “Isso foi pensado desde o começo. Não só por serem sete as maravilhas do mundo, mas porque, como mostrou uma pesquisa sobre o cérebro, sete é o número de coisas que uma pessoa pode decorar com facilidade. Cinco é pouco. Dez é demais. Sete é o ideal. Assim, pela primeira vez, vamos criar uma memória global”.
Projetos de ambição planetária costumam enfrentar contratempos. A pedra no caminho de Weber se chama Zahi Hawass. Chefe do Conselho Supremo de Antigüidades do Egito, Hawass reclama que as pirâmides, por constarem da lista original, deveriam ser hors concours. Weber contra-argumenta com ponderações democráticas: o grupo original de sete maravilhas foi escolhido por um só homem, o filósofo grego Fílon de Bizâncio, em 200 a.C. Weber raciocina, também, que naquela época o mundo conhecido avançava pouco além do território mediterrâneo. Portanto, nada mais razoável do que submeter a lista a uma revisão. Por ora, as pirâmides estão entre as maravilhas mais cotadas, junto com as Muralhas da China, o Taj Mahal, Machu Picchu, as estátuas da Ilha de Páscoa, o Coliseu e o Vale de Petra, na Jordânia. Na 13ª colocação figura a estátua do Cristo Redentor. Por isso, em fevereiro, Weber desembarcou no Rio para cumprir sua agenda de cabo eleitoral e se pôr momentaneamente a serviço do nosso monumento.
Às 10 da manhã inicia-se a solenidade, com a Banda da Polícia Militar tocando o Hino do Brasil. Weber divide um palco improvisado com figuras variadas: Sávio Neves e Paulo Senise, coordenadores da campanha “Vote no Cristo – Ele é uma maravilha”, o jogador de futebol Jairzinho, famoso camisa 7 da Seleção de 70, nomeado embaixador do evento, e dom Eusébio Scheid, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro. Neves começa: “É preciso lembrar a grandeza do momento, esse concurso nunca mais vai acontecer no mundo”. É sucedido por Senise: “Não vou citar nomes, mas temos concorrentes sem grande expressão entre os sete. Precisamos de 10 milhões de votos”. Ao misturar medicina e religião, Jairzinho é bombástico: “Fui o primeiro jogador do mundo a fazer um enxerto ósseo, antes da Copa 70. Ao ganhar o tricampeonato, mostrei que Jesus existe”. O cardeal é mais pão-pão, queijo-queijo:”Votar no Cristo não é nada mais do que o nosso dever”.
Em seguida, todos se agrupam aos pés do Redentor, para a foto oficial. É o momento em que Weber entrega o certificado de participação na disputa. Estende-se uma faixa onde se lê “Vote for me“, trazida pela comitiva estrangeira. Ao fundo, um padre canta “Senhor, tende piedade de nós”, acompanhado de um coroinha no teclado. A melodia logo submerge no trovão da bateria da Grande Rio, contratada pela prefeitura para animar o evento. Para desespero dos organizadores, que não querem vincular a cidade ao turismo sexual, Weber é abraçado por sete passistas esculturais – entre elas, Rose Claudia, 1 metro e 72 de altura, 12 centímetros de salto, 90 de coxa e 102 de quadril, e Gilcimara Viana, altura 1,87, salto 12, coxa 93, quadril 105. Os flashes disparam, ele vibra: “É a primeiravez que vejo samba, hino nacional, futebol e religião misturados!”.
A cerimônia termina. Weber dá uma passada na loja de suvenir, rotina obrigatória em todo país que visita. Escolhe quatro miniaturas do Cristo, ao custo de 122 reais. Diz que só paga 100. A gerente da loja aceita vender por 115. Ele repete que 100 é o máximo e justifica: “Elas são de gesso”. A gerente retruca que menos de 115, impossível.
– Cem.
– Cento e quinze.
– Cem.
– Cento e quinze.
Irritado, ele descola uma das peças da base, para demonstrar a fajutice do material. Agora é que a gerente não vende mesmo: 115 ou nada feito. Nada feito. Weber deu as costas e foi embora.