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    Segredo culinário à mesa: a ficção não é um passatempo ocioso; ela nos exige compromissos morais talvez incompreensíveis para os acadêmicos que se especializam em ética CRÉDITO: RICK AND MORTY_WARNER BROS. DISCOVERY

questões ensaísticas

O dilema do espaguete suicida

A inusitada convergência entre a animação Rick and Morty e a literatura de J.M. Coetzee

Jerônimo Teixeira | Edição 208, Janeiro 2024

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Ao que parece, a escritora australiana e o cientista americano não teriam o que conversar. Ela conhece a fundo a literatura ocidental e mantém-se atualizada na filosofia contemporânea, mas sua relação intuitiva com o mundo não casa bem com a objetividade científica. Ele alcançou uma compreensão revolucionária da física que rege o tempo e o espaço, mas seus interesses culturais são pedestres – passa o tempo livre assistindo aos mais vulgares programas de auditório que a televisão de todo o universo é capaz de oferecer. Há ainda uma barreira talvez intransponível entre eles: suas posições éticas sobre o direito dos animais. A escritora angustia-se com o sofrimento imposto pela indústria da carne a galinhas e vacas, enquanto o cientista não atribui muita importância sequer à vida humana. Até os traços de personalidade que os dois compartilham contribuem para afastá-los: ambos cultivam uma intransigência ranzinza na defesa de crenças obstinadas e hábitos arraigados, característica que a idade avançada vem acentuando.

Outro ponto em comum: os dois são pessoas fictícias, seres de faz de conta. Elizabeth Costello, a escritora, saiu da soturna imaginação literária de J.M. Coetzee, de 83 anos. Delegada ficcional do autor sul-africano – que tem as mesmas objeções éticas ao consumo de animais –, essa personagem surge em A vida dos animais (1999), protagoniza uma coleção de narrativas que leva seu nome, Elizabeth Costello (2003), figura ainda no romance Homem lento (2005) e em cinco dos sete textos de Contos morais (2017), obras publicadas no Brasil pela Companhia das Letras. Rick Sanchez, o cientista, é o anti-herói alcoólatra e ególatra da série de animação Rick and Morty, ensandecida paródia de ficção científica criada por Dan Harmon e Justin Roiland e exibida desde 2013 pelo canal americano Adult Swim (no Brasil, está disponível também na plataforma HBO Max). Roiland fazia a voz dos personagens Rick e Morty até a sétima e mais recente temporada, quando foi afastado do Adult Swim por causa de uma série de acusações de assédio e abuso sexual.

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