ILUSTRAÇÃO: Andrés Sandoval_2019
O MBL vai ao cinema
Um filme para chamar de seu
Luiza Miguez | Edição 157, Outubro 2019
A professora carioca Giza Shadz, 33 anos, não costuma ir ao cinema para assistir a filmes brasileiros. “O último que vi foi Tropa de Elite 2. Filme em português pra mim não dá”, disse. Ela também nunca tinha visto um documentário na tela grande até 3 de setembro, quando deixou sua casa em Nova Iguaçu, município na Baixada Fluminense, percorrendo cerca de 45 km até o Américas Shopping, no bairro Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro.
Sentada numa poltrona bem no meio da sala 7 do Américas, a professora aguardava a projeção de Não Vai Ter Golpe! O Nascimento de um Brasil Livre, documentário sobre a história do MBL (Movimento Brasil Livre), grupo de jovens de direita que surgiu em 2014. Shadz é militante do MBL em Nova Iguaçu e, pouco tempo antes, tinha comemorado a pré-estreia em seu perfil no Instagram: “Toda história tem dois lados, então chegou a hora do lado certo contar sua versão dos fatos.”
A projeção na sala alugada pelo MBL estava marcada para as nove da noite. Antes disso, porém, um dos diretores do filme, Alexandre Santos, subiu ao palco do cinema. “Eu queria agradecer muito a todos vocês por terem tirado uma terça-feira à noite, com chuva, pra vir nesse lugar longe prestigiar a nossa história”, discursou. “O que vocês vão ver hoje é uma história diferente da que a imprensa contou e diferente da que a Petra contou.” Ele se referia a Democracia em Vertigem, da diretora Petra Costa, um dos documentários lançados nos últimos anos com a visão da esquerda sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Não Vai Ter Golpe! O Nascimento de um Brasil Livre conta como nasceu o MBL e como se deu a fervorosa campanha do grupo em prol do impeachment. Segundo Santos, é uma produção independente que custou cerca de 300 mil reais, quantia obtida por meio de doações de filiados. “Existem várias teorias sobre a gente, como a de que somos financiados pelos empresários americanos Koch brothers, pelo MDB, pelo PSDB. Mas talvez a nossa história seja apenas a de cinco moleques sem perspectiva procurando seus objetivos. E trouxe o resultado que teve”, afirmou.
Quatro dos moleques-fundadores são paulistas: Kim Kataguiri, hoje com 23 anos e deputado federal (DEM-SP), o ator Gabriel Calamari, 25 anos, o ativista Renan Santos, 35 anos, e seu irmão Alexandre, 31 anos. Fred Rauh, 27 anos, que também dirigiu o filme, é catarinense, de Blumenau.
Alexandre Santos e Fred Rauh se conheceram na faculdade. O primeiro cursava cinema, e o segundo, publicidade, ambos na Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), em São Paulo. O gosto pelo cinema e pela política aproximou os rapazes, e eles decidiram criar uma produtora, a mesma que cuidaria dos conteúdos audiovisuais do MBL.
“O Fred gosta mais dos filmes dos diretores contemporâneos, e eu, dos clássicos. Gosto de Kubrick, Scorsese, Coppola; ele prefere Guy Ritchie, Wes Anderson. É no Christopher Nolan que a gente se encontra”, contou Santos, que nunca concluiu o curso de cinema. “Tinha muita teoria, e eu preferia mais a prática”, justificou. Como Giza Shadz, os dois também não costumam assistir a filmes brasileiros. “Nunca nada me cativou, não tenho referência no Brasil”, disse Rauh. Santos acrescentou: “Os filmes brasileiros não têm dinheiro e acabam ficando toscos.”
Não Vai Ter Golpe! O Nascimento de um Brasil Livre, com duas horas e quinze minutos de duração, é o primeiro longa-metragem da MBL Filmes, braço da produtora de Santos e Rauh. O jornalista Guilherme Fiuza ajudou a escrever o roteiro, e o nome do documentário foi uma escolha coletiva – uma provocação aos movimentos de esquerda, que fizeram da frase “Não vai ter golpe” um slogan contra a campanha pelo impeachment de Dilma.
No filme, os diretores aproveitaram imagens que eles mesmos filmaram nas ruas desde as primeiras mobilizações do MBL. Acrescentaram entrevistas com os criadores do grupo, com simpatizantes e pessoas que tiveram papel significativo na formação da massa crítica dos novos movimentos de direita, entre eles o ensaísta Luiz Felipe Pondé e os jornalistas Carlos Andreazza e Rodrigo Constantino. Os diretores disseram ter procurado personalidades da esquerda, como Dilma, Ciro Gomes e José Eduardo Cardozo, mas que todas elas recusaram ser entrevistadas. O guru Olavo de Carvalho também não foi ouvido – ele e Kataguiri estão rompidos desde maio, depois de trocarem uma penca de ofensas.
O documentário não fará carreira no circuito de salas de cinema, mas já está disponível em serviços de streaming, como iTunes, Now e Google Play. Segundo os diretores, a Netflix se recusou a incluí-lo em seu gigantesco catálogo, diferentemente do que ocorreu com Democracia em Vertigem, que estreou em junho no serviço e já foi escolhido pelo New York Times como um dos melhores filmes de 2019.
A recusa deixou os ativistas do MBL irritados. Santos, o diretor, disse em uma entrevista que a Netflix não quis o documentário do grupo por questões ideológicas. Seu irmão, Renan Santos, também atacou a plataforma: “Não Vai Ter Golpe! serve como sopro de verdade para as narrativas mentirosas da Netflix” (procurada pela piauí, a Netflix não respondeu).
Menos da metade dos 161 lugares da sala 7 no Américas Shopping estava ocupada. Parecia que a exibição no cinema visava a suprir principalmente a demanda de autopromoção do MBL na internet. Na entrada da sala, os diretores e membros do movimento se posicionaram diante de um banner para posar para fotos. Nas horas seguintes, as redes sociais do grupo ficaram recheadas de imagens da estreia.
Passava da meia-noite quando acabou a projeção. Ao sair da sala, Giza Shadz pegou o celular e fez uma live em seu Facebook. “Sen-sa-ci-o-nal. Ainda está cheio aqui ó”, disse ela, filmando as cerca de trinta pessoas que permaneciam no cinema. “MBL, conte sempre com a gente, sempre presente.”
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