CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
O mistério dos fungos
Biólogo caça cogumelos na Serra Gaúcha
Bruno Cirillo | Edição 196, Janeiro 2023
Sentado numa mesa à sombra da tenda erguida no Largo de Santa Rita, em Paraty, no litoral do Rio de Janeiro, Jeferson Timm aguarda sua vez de palestrar em um festival gastronômico, no início de outubro. Magro, de rosto fino e nariz saliente, com olhos azuis elétricos e um longo rabo de cavalo, o biólogo de 41 anos foi convidado para falar de sua paixão: a busca – ou a caça, como preferem os especialistas – de cogumelos em matas e florestas.
Há cinco anos, Timm conduz excursões turísticas pela Serra Gaúcha ensinando turmas de até vinte pessoas a identificar fungos comestíveis. O achado mais extraordinário desses passeios se deu em junho de 2022, numa floresta da cidade de São Francisco de Paula, onde se capturou um Porcini de quase 2 kg e 30 cm de diâmetro. O grupo picou e preparou o cogumelo para consumi-lo em bruschettas. “A galera ficou superimpressionada”, lembra o pesquisador.
Timm é natural de Estância Velha, município a cerca de 50 km de Porto Alegre, e ingressou na faculdade de biologia em 2005. Três anos depois, havia descoberto cerca de cinquenta novas espécies de fungos. Em 2017, tornou-se um empreendedor dos cogumelos. Começou com um crowdfunding para imprimir o Primavera Fungi: Guia de Fungos do Sul do Brasil, que lista mais de 180 espécies e já vendeu 3 mil exemplares. No mesmo ano, lançou o Primavera Fungi, projeto que hoje promove em média 10 caçadas, 15 cursos e 20 palestras por ano.
Apesar do nome, as caçadas se dão no outono, entre abril e junho, na Serra Gaúcha, região que oferece a umidade ideal para os fungos. O Primavera Fungi já formou cerca de mil caçadores de cogumelos.
O tema da quarta edição do Festival GastroCriativo de Paraty foi “O fantástico reino dos fungos”. É o mundo em que Timm vive. No evento, o biólogo lançou o guia Cogumelos Comestíveis no Brasil, que apresenta 54 espécies. “Gosto de começar pela mística, o tabu, o mistério dos cogumelos”, disse ele, na palestra. “Quando eu era criança, minha vó dizia que cogumelos eram chapéus de bruxa – coisas perigosas.” E há mistérios reais a desvendar: de um potencial estimado de 2,5 milhões de fungos no mundo, segundo ele, apenas 150 mil foram identificados e classificados pela ciência.
Timm calcula que 200 dos 1,6 mil cogumelos conhecidos no Brasil sejam comestíveis. “Temos um grande potencial de extrativismo sustentável. Já que produzimos madeira, podemos colher os fungos em consórcio.” O champignon-de-paris (Agaricus bisporus), o shimeji (gêneros Pleurotus) e o shitake (Lentinula edodes) são as espécies mais comuns na culinária. A produção comercial no país está em torno de 12 mil toneladas por ano, segundo a Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos. A China é considerada o maior produtor mundial de cogumelos em geral, com oferta anual superior a 5 milhões de toneladas. Mas os números do setor não são precisos.
Os fungos de maior valor na gastronomia são as trufas, que crescem embaixo da terra e só podem ser encontradas com a ajuda de cães farejadores – tem-se notícia de apenas um desses, no Sul. Um quilo da iguaria chega a custar 8 mil reais no Brasil. Especialistas como Marcelo Sulzbacher – que dividiu o palco com Timm em Paraty – já produzem o que antes só era encontrado em estado selvagem no habitat natural, o sopé de algumas árvores, como o carvalho. Há alguns anos, isso não se imaginava sequer possível por aqui. “Esse mercado ainda vai crescer muito”, prevê Sulzbacher, que leciona na Universidade Federal de Santa Maria, seu município natal. Em 2021, ele produziu 13 kg da trufa Sapucay (Tuber floridanum), uma variedade norte-americana que se aclimatou no Brasil. “Eu me atrevo a dizer que os principais restaurantes do Brasil já trabalharam com nossa trufa”, afirma. O chef Alex Atala é um dos compradores.
Alguns cogumelos têm uso medicinal. A empresária paulista Audrey Michelle Costa da Silva, outra palestrante em Paraty, dedica-se ao cultivo do Agaricus blazei murill, que o empresário Mário Kimura, morto em 2019, popularizou em comerciais televisivos sob a marca Cogumelo do Sol. É comprovado que esse cogumelo estimula o sistema imunológico. No litoral fluminense, cujo clima úmido também é propício aos fungos, a empresária cultiva 3 toneladas do Agaricus blazei por ano, que resultam em um extrato vendido em cápsulas. No Brasil, esse mercado é tocado por cerca de dez empresas, as quais geraram 12 milhões de dólares em exportações em 2021, segundo ela. “Ainda tem muito espaço para crescer no país”, diz.
A caça promovida por Timm na Serra Gaúcha atrai interessados em gastronomia, aventuras na mata e outras viagens. “Sempre aparece gente atrás dos cogumelos mágicos”, ele reconhece. O biólogo se refere a duas espécies alucinógenas: o Psilocybe cubensis, que brota do estrume bovino, e o Amanita muscaria, cujo suntuoso chapéu vermelho é encontrado em pinheirais do Sul.
Não se recomenda que pessoas sem treinamento saiam pelas matas em busca de fungos. “É perigoso ingerir cogumelos sem conhecer bem a espécie”, adverte Timm. Entre as espécies letais, destaca-se o Amanita phalloides, que todo ano causa óbitos na Argentina e Uruguai e foi recentemente encontrado no Brasil. A pessoa que o ingere só tem um jeito de escapar do veneno mortal: transplantando o fígado, em questão de horas.
Embora só no outono se encontrem condições ideais de temperatura e umidade para que proliferem na natureza, Timm também sai em busca dos cogumelos no resto do ano. Alguns tipos não dependem tanto da estação para emergir, inclusive na Mata Atlântica, onde brotam sempre que faz calor e tempo úmido. Além disso, a micetologia ou micologia – o estudo dos fungos – dedica-se a pesquisar o que não é visível. Muitos desses organismos, como as leveduras, são microscópicos: mesmo o cogumelo é apenas uma parte de estruturas subterrâneas. “Aqui, debaixo dos nossos pés, tem fungos no solo”, explica o biólogo.
Os cogumelos emergem para espalhar esporos, que são para os fungos o equivalente às sementes para as plantas (e a maioria dos fungos nem chega a formar chapéu, como o mofo em alimentos envelhecidos ou o musgo nas paredes da igreja em Paraty). Ou seja, só tomamos conhecimento de certos fungos quando eles estão reproduzindo. “Diferente das plantas, eles têm o hábito de vida críptico: vivem entranhados no solo, dentro da madeira”, afirma Timm. Na comparação do biólogo, o universo dos fungos é “uma mata da qual só conseguimos ver os frutos”.