ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL
Parceria, não
Um guia para evitar roubadas no universo da produção cultural
Raquel Freire Zangrandi | Edição 62, Novembro 2011
Luis Marcelo Mendes tem aversão à palavra “parceria”. Distante de seu sentido original, o termo virou um eufemismo para “cilada” no mundo da produção cultural. “Sempre que alguém quer te colocar numa roubada, apela para ‘a nossa parceria’”, ironiza ele. No universo corporativo, isso significa quebrar um galho – geralmente de graça – em nome da camaradagem com o cliente. Quando Mendes ouve a palavra, acende-se em sua mente uma luz amarela: talvez seja prudente abandonar aquele projeto, se houver tempo.
Reconhecer canoas furadas no ambiente profissional virou uma especialidade desse jornalista com ampla experiência na gestão de projetos culturais. Nos dez anos que passou à frente da Tecnopop, uma empresa de criação e desenvolvimento de marcas e ações promocionais, acumulou uma vasta coleção de exemplos de projetos bem e malsucedidos e apurou o faro para identificar uma roubada antes que seja tarde demais.
A capacidade de prever erros que podem acontecer durante a execução de um trabalho passou a ser chamada por ele de “Fator VDM”, de “Vai Dar Merda”. Mendes prega que é possível identificar esses indícios e decidiu sistematizar seu conhecimento empírico num livro que aponta de antemão onde e como evitar erros elementares comuns na preparação de textos, projetos gráficos e campanhas publicitárias.
Como indica seu subtítulo, O Fator VDM é “um guia antidesastres em projetos criativos”. Mendes escreveu o livro na esperança de reeducar as relações de trabalho nas duas pontas do negócio, os profissionais e clientes. Por isso ele é dividido em dois volumes, um para os contratantes, outro para os contratados.
Um sinal típico de que um projeto não vai longe é a formulação vaga de um briefing, termo que os publicitários usam para se referir ao conjunto de orientações para um trabalho a ser feito. Um briefing mal elaborado desde a largada e aprovado em várias instâncias tende a se materializar num produto ou serviço que o cliente não reconhece e, portanto, não aprova. Muitos clientes não sabem o que querem, mas pagam para ser surpreendidos. Nem o gênio da lâmpada faria milagre se Aladim não fizesse um bom briefing.
As encomendas para o desenvolvimento de sites também são um filão rico em histórias instrutivas para o profissional que quer evitar encrencas. Mendes não tem saudade dos pedidos inviáveis ou totalmente vagos de alguns clientes que teve. Um deles pediu que seu site tivesse “um sistema de busca assim tipo Google”. Já outro deu uma única instrução para o desenvolvimento de sua página: “Quero um site superbacana, tem que bombar!”
A ideia para o título do livro foi tomada de um palpite gaiato de Chico Buarque. Diante de sucessivas gafes do Planalto no início do governo Lula – como o dia em que o presidente usou um boné do MST numa época em que o movimento promovia invasões a terras produtivas –, o compositor sugeriu que o governo instituísse o Ministério do Vai Dar Merda. O titular da pasta seria consultado antes de qualquer ato público do governo com a incumbência de antever e evitar problemas. O livro de Mendes se propõe justamente a cumprir o papel desse ministro fictício.
O Fator VDM serve como um alerta para quem trabalha na zona nebulosa da informalidade, não sabe quanto vale seu serviço, não impõe limites às demandas infinitas do cliente e nunca se arma de precauções legais. Luis Marcelo Mendes tem alergia aos projetos que correm frouxos e são tocados “com tudo entendido e nada combinado”. No meio artístico, tudo o que cheira a compromisso parece ser incompatível com o trabalho criativo. Mas é preciso atenuar essa aversão à burocracia, ensina o jornalista.
“É como no jogo do bicho: vale o escrito. Nesse caso, não se iluda: um bom advogado é o seu melhor amigo”, disse Mendes para uma plateia de alunos de produção cultural da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro, reunidos para vê-lo falar sobre seu livro. Da audiência, um advogado espetou o dedo no ar para agradecer: “Aqui é o único lugar em que ouvi alguém falar bem da gente. Valeu!”
Para ilustrar a necessidade de educar todas as partes envolvidas na contratação de um projeto, Mendes projetou no telão uma série de situações do site Clients from Hell [Clientes Infernais]. Conquistou a plateia com o caso do contratante que, ao receber a primeira prova de um layout, reclamou que a borda estava muito grossa e pediu que tirassem meio pixel – sem saber que o pixel é uma unidade indivisível.
A filosofia de O Fator VDM se posiciona no contraponto do cenário venturoso pintado nos livros de autoajuda, no qual o universo conspira a seu favor e tudo dá certo no final. O autor refuta esse otimismo barato: “Temos o hábito de ir tocando os projetos criativos com um otimismo inabalável, e isso é um veneno. Evitamos observar o fator VDM porque o estado de dúvida não é um ambiente confortável. A certeza é sedentária, a dúvida é um exercício.”
Mendes parece se alinhar mais com o pessimismo niilista das leis de Murphy. Nunca se agarrar à crença de que tudo vai dar certo é uma das máximas centrais de seu livro. Sem medo de dizer o óbvio, ele acredita no valor da precaução e lembra que de nada adianta um trabalho lindo e digno de prêmio se um convite for enviado a 5 mil pessoas com a data errada. “Nesse momento você sai do posto de gênio para o de besta quadrada em menos de quinze segundos.”