Protesto cristalino contra retórica acadêmica
| Edição 63, Dezembro 2011
QUESTÕES HISTÓRICO-POLÍTICAS
A leitora Inês Sacchetti (Lisboa, Portugal), em piauí_62,de novembro, critica com veemência minha resenha analítica do livro de Felipe Ribeiro de Menezes sobre Salazar, publicada na edição anterior da revista. A crítica emocional tem um ponto que vale a pena ser discutido, a respeito da natureza do regime salazarista.
Diz a missivista que pareço “empenhado em levar o leitor a concluir que não, Salazar não era fascista”. Leitura desatenta. Afirmei, com todas as letras, que a ditadura salazarista não era fascista, por não se apoiar na mobilização das massas, por não se ancorar em um forte partido único, por nunca ter conseguido implantar o corporativismo, por Salazar não ter sido um condottiere das massas, e sim um ditador destituído de carisma – um personagem insosso.
A distinção entre regimes ditatoriais fascistas e autoritários, entre autoritarismo e totalitarismo, não é uma questão de rótulo. Ao contrário, ela é crucial, se não quisermos optar por maniqueísmos fáceis e ilusórios, em vez de ampliar nosso conhecimento histórico.
A qualificação do salazarismo como uma ditadura que não era fascista – seria preciso dizer? – não elimina o caráter sinistro do regime, marcado pela morte de opositores, pelas prisões, pela tortura, pela supressão da liberdade de expressão etc.
Por outro lado, não trato com “superficialidade” a guerra colonial, a morte do general Delgado, ou a posição de Salazar, no curso da Segunda Guerra Mundial. Apontei o primeiro desses fatos como um dos elementos que mais contribuiu para a desagregação do regime; lembrei que a morte do general Delgado levou ao desprestígio internacional da ditadura; observei que a posição de Salazar durante o conflito mundial foi ambígua, apesar de sua aproximação com a Alemanha, dados os laços históricos existentes entre Inglaterra e Portugal. Que mais queria a leitora?
BORIS FAUSTO_SÃO PAULO/SP
CONTRADIÇÕES RELIGIOSAS
O artigo “Ódio revisitado” (piauí_62, novembro) convida à reflexão sobre a tragédia racial e a hipocrisia religiosa. Hazel Bryan, a garota racista, teria tido o comportamento agressivo e iracundo que teve em função da “formação que recebera em casa – família de origem rural, ideário fundamentalista cristão, atitude racial aprendida com o pai”, segundo a revista. Irmanados na cumplicidade de suas inclinações, pai e filha destilam seu ódio racial, pois eram cristãos fundamentalistas. Fico cá matutando com os meus botões, o que seria o fundamentalismo cristão? Moral rígida e interpretação literal da Bíblia? Ora, não me consta que a mesma pregue o ódio ou o racismo (embora se possa argumentar que trata os fariseus em geral com epítetos nada abonadores).
Tal fato me remete ao livro recém-lançado de Michael Moore, Here Comes Trouble. O ano, 1968. O dia, uma quinta-feira que antecedia o Domingo de Ramos. No templo do Senhor, a atmosfera era de recolhimento e fé. Todos imbuídos daquela bem-aventurança que nos concede a suposta consciência em paz. Ao terminar a missa, o jovem coroinha Michael Moore deixou a igreja a fim de apagar as cinzas do incenso. Foi quando um paroquiano, que havia saído antes para buscar algo em seu carro, ligara o rádio e ouvira a notícia. Excitado, com indisfarçável sentimento de alívio e alegria, quis comunicar a notícia ao primeiro que aparecesse: “King está morto. Atiraram em Martin Luther King.”
Moore confessa: “Esse foi o momento mais deprimente que já experimentei em minha vida.” A notícia se espalhou pela congregação. Muitos ficaram consternados, outros choravam, mas alguns não conseguiram conter seu sentimento de euforia e alívio.
Vivas ouviam-se em toda parte, e frases como “Esse negro arruaceiro e terrorista não vai mais nos incomodar, aleluia!” saíam da boca de muitos que tinham acabado de receber o conforto religioso e de reafirmar sua adesão a uma doutrina que prega o amor.
Visitante das redes de relacionamento na internet, e ouvinte atento do que vai na alma mais profunda das pessoas, não me escapou a semelhança com a reação de certas pessoas quando confrontadas com o anúncio da doença do ex-presidente Lula. Quantas “pessoas de bem e cristãs fervorosas” intimamente ou abertamente se regozijaram com a doença dele. É, a alma cristã é às vezes implacável na devassa com a desdita alheia. Quanta hipocrisia!
SÉRGIO SEBA JABUR_SANTOS/SP
PIAUITOS
Pus-me a marcar os lugares-comuns da edição 61, de piauí. Fiquei uma caneta marca-texto novinha mais pobre.
RENATO FURST ALVARENGA_ITABIRA/MG
Não sou uma pessoa letrada, mas gosto muito de ler (e até hoje não aprendi a colocar as vírgulas nos devidos lugares). Nos últimos meses, tenho me aventurado a ler jornalismo literário. Comecei por David Remnick, passei por Truman Capote e agora tenho um livro do Gay Talese me esperando. Mas saibam todos que, entre uma página e outra, eu degusto, isso mesmo, degusto com o maior prazer as edições de vocês. Teve um mês que minha ansiedade era tanta, à espera da nova edição, que não me contive e fui a um sebo caçar edições antigas que me poderiam ser interessantes. Tudo isso por incentivo da minha namorada, que é leitora por natureza. Vocês traçam ótimos perfis, têm ótimas sacadas e fogem do senso comum. piauí é um presente que vocês desembrulham a todos os leitores que têm por aí.
LUCIO BARBEIRO_CURITIBA/PR
MEMÓRIAS POUCO DIPLOMÁTICAS
Primoroso o artigo “A morte sem os mortos” (piauí_61, outubro), do veterano diplomata Marcos de Azambuja. Histórias interessantíssimas narradas com estilo e muito senso de humor. Um texto saborosíssimo, de lamber os beiços. O Luis Fernando Verissimo que se cuide.
AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT_SÃO PAULO/SP
EM DEFESA DOS FORTES
Lamentável e vergonhosa a reportagem de capa “O protetor dos poderosos” (piauí_62, novembro), pelo péssimo exemplo para os advogados chegando agora na carreira. Definitivamente, para nós advogados, é o que de pior pode ser mostrado aos leitores. Ah, que saudades de Heleno Fragoso, Raymundo Faoro e tantos outros! Eles souberam mostrar à então ditadura instalada em nosso país: saber, independência e altivez. Jamais se renderam aos detentores do Poder Arbitrário.
É de arrepiar como um advogado sem qualquer expressão jurídica, profissional medíocre, valendo-se apenas de seus conhecimentos e influência na magistratura brasiliense, enriqueceu amparado e seguro nas fraldas sujas do poder. Eis um exemplo de profissional da advocacia a não ser seguido (e ainda faz palestra para futuros bacharéis?).
Jactar-se de defender o que há de pior na política nacional, afirmando cobrar cifras astronômicas e ter sucesso garantido, é de causar graves suspeitas nessa perigosa simbiose advocacia/magistratura. Não bastasse isso, a personagem abordada na matéria ainda é portadora de três graves defeitos não condizentes com a estatura do advogado: em todo correr de sua fala demonstra ser pessoa narcisista, exibicionista e um novo-rico. Como acreditar em tanta fanfarra, eis a questão.
ROBERTO REIS_RIO DE JANEIRO/RJ
Com meu testemunho, pretendo dar peso maior à rápida menção de que Kakay também defende réus não tão abonados ou poderosos. Tive o privilégio de ser cliente desse profissional competente em uma ação na qual a parte adversária era poderosa política e financeiramente, não só no Brasil como no exterior. Quando atacada por meus adversários, e recebida a convocação do tribunal, não o consultei imediatamente, pois achava que não tinha condições de honrar os honorários “do melhor advogado criminal do Brasil”, como já era reconhecido em 1999. Lembro-me de que dispunha de apenas dois dias para responder à ação conjunta impetrada contra minha empresa e pessoa física. Foi em situação desesperada e emergencial que fui bater às portas da Almeida Castro Advogados.
Antônio Carlos (não consigo chamá-lo de Kakay – aliás, me esforço para não chamá-lo de “doutor”) reuniu todo o escritório, me ouviu atentamente e estabeleceu a estratégia com rapidez, segurança, discernimento e lucidez. Durante o tempo que durou o processo, em que estava em jogo a sobrevivência da minha empresa e de minha família, pude apreciar a atuação de um profissional impávido, sereno, continente, generoso no seu tempo e dedicação.
Quanto aos honorários, sobre os quais eu continuamente perguntava, preocupada e envergonhada com a possibilidade de não ter condições de honrar, Kakay dizia que “veríamos depois”. Ele sabia da situação precária financeira da minha empresa, e o “veríamos depois” nunca aconteceu.
LISANE BUFQUIN_BRASÍLIA/DF
Simplesmente não existe a figura de “padre marista”, como citado em “O protetor dos poderosos”. O religioso marista nunca é ordenado padre e, quando o quer, deve deixar a congregação. Pelo jeito, o douto criminalista burlou outras aulas além das de química.
JOSÉ F. F. QUEIROZ_BRASÍLIA/DF
piauí manda bem na seção “Vultos da República”, retratando com fina ironia os perfis de figurinhas, figurões, caciques, fantasmas, excelências, cardeais, pavões, raposas e outras espécies do universo político da capital. Sobre o perfil da última edição, “O protetor dos poderosos”, referência a um advogado famoso por estas bandas, bem que vocês poderiam fazer uma mençãozinha ao meu livro, O Bê-Á-Bá de Brasília, um dicionário de coisas e palavras referentes à capital da República. É que, no livro, o tal vulto é um verbete, e está assim descrito: “Kakai: apelido muito conhecido em Brasília; aliás, é mais que um apelido, já virou grife de advogado, que é caro, mas (dizem) livra a cara de qualquer um. Em Brasília, quando a casa cai, o negócio é chamar o Kakai. E chamam-no de Resolvedor Geral da República. Seu nome completo é Antônio Carlos de Almeida Castro, cujas iniciais, de trás para frente, formariam o termo ‘Caca’; no entanto, como ‘caca’ não cai bem em ninguém, logo adicionou-se um “i” no final e trocou-se o “c” pelo “k”, ficando simplesmente Kakai.”
MARCELO TORRES_BRASÍLIA/DF
QUESTÕES DE VERSO E VANGUARDA
Espero ansiosamente que “Condenados à tradição” (piauí_61, outubro) tenha sido um momentâneo lapso de julgamento da redação. Para as pessoas que acreditam que o objetivo da linguagem é comunicação, a cantilena untuosa de clichês acadêmicos da professora é um exemplo perfeito do que George Orwell cunhou de texto anestético: não conseguimos lê-lo sem perder alguns graus de consciência. Tenho certeza de que poucos leitores se deram ao trabalho de chapinhar pelo atoleiro intelectual; os que o fizeram não entenderam nada. Nem poderiam, já que o texto não tem pé nem cabeça (caso discorde, tente explicar para a rafameia o significado de “esteticismo intertextual” ou “paradigma retradicionalizador”…). Mudando de pato para ganso: comentário infeliz da redação em relação aos protestos perfeitamente justificáveis dos leitores quanto ao tratamento cruel de um animal (Cartas, “Nota da redação”, piauí_61, outubro). Soou como risadinha cretina. Tirando isso… parabéns! Gasto uma nota para receber a revista aqui na Escócia, mas vale cada um dos muitos reais cobrados pelos nossos Correios.
ATHAYDE TONHASCA JR._ BIRMAN/ESCÓCIA
THE LOBÃO CHRONICLES
O humor (sátira política?) do “The Café-Soçaite Herald” (piauí_61, outubro) destoa da qualidade e bom gosto da linha editorial da revista. O personagem destacado – se não for para uma crítica séria e contundente – deve ser esquecido. O senhor Edison Lobão é que deve estar contente com a propaganda gratuita – “Falem mal ou falem bem, mas falem de mim.”
AFONSO CELSO AGRELLO_PELOTAS/RS