O Cine Roma foi restaurado recentemente, na tentativa (fracassada) de tornar Asmara herança cultural da humanidade.
Roma africana
Um passeio pela arquitetura italiana preservada em Asmará, na Eritréia
J. R. Duran | Edição 33, Junho 2009
Da janela do apartamento número 2008 do Albergo Italia, se vê, do outro lado da rua, a Farmacia Centrale. A cor das paredes, a proporção das janelas e o tamanho da calçada dão ao viajante a sensação de ter acordado na Itália. Mas a ausência de carros e o vaivém das pessoas na rua indicam que algo está errado. A Farmacia Centrale na verdade fica na África. Ela está em Asmara, a capital da Eritréia, pequeno país à beira do Mar Vermelho espremido entre a Etiópia, o Sudão e Djibuti.
A algumas centenas de metros, há um posto de gasolina. Na parte mais alta está escrito Tagliero Fiat. Desenhado, em 1938, pelo arquiteto Giuseppe Pettazzi, o posto tem uma torre central arredondada que parece a cabine de comando de um avião. Reforçando a impressão, dois planos de concreto, suspensos como asas de 15 metros de extensão, se estendem dos lados da torre.
Diz a história, repetida em qualquer café de Asmara, que, no dia da inauguração do posto, operários se recusaram a retirar as últimas escoras das asas de concreto. Pettazzi era um homem decidido. Sacou o revólver do coldre, encostou o cano na cabeça do mestre de obras e prometeu que estouraria os miolos do homem se ele não obedecesse a suas ordens. O gesto foi convincente. Os trabalhadores retiraram os postes e, mais de setenta anos depois, as asas continuam lá, firmes.
A Eritréia tornou-se colônia italiana em 1890. Mas foi no século passado, quando Benito Mussolini decidiu que Asmara deveria ser a piccola Roma, a capital da África Oriental Italiana, que a presença italiana se tornou confronto, morticínio e ocupação, inclusive com o lançamento de gás de mostarda sobre os nativos.
Mais de 60 mil italianos embarcaram rumo à Eritréia para tornar palpáveis os sonhos do Duce. Mesmo em outros impérios europeus, a empreitada foi saudada. O romancista inglês Evelyn Waugh escreveu que “a ocupação italiana é a expansão de uma raça. A melhor comparação que se pode fazer, na história recente, é com a grande marcha dos povos americanos para o Oeste”. O resultado imediato foi que metade das terras dos nativos foi transferida para o nome dos colonizadores. No fim dos anos 30, a colônia teve 50 mil automóveis, todos na mão de italianos.
Arquitetos ansiosos para mostrar o que tinham aprendido nas escolas de Milão e Roma se sentiram livres para difundir na África os conceitos da vanguarda futurista. Mais de 500 projetos foram desenhados e construídos entre 1936 e 1941. Ergueram-se fábricas, casas de apartamentos, prédios oficiais e até bordéis (o melhor deles ficava na antiga via Lungiana e também servia como cassino; hoje abriga o Ministério do Solo, Água e Meio Ambiente).
Com a derrota da Itália na Segunda Guerra Mundial, em 1941, a Eritréia virou colônia inglesa. Cinquenta anos depois, o país ficou independente. Mas até hoje, no fim da tarde na Harnet avenue, que um dia já foi a viale Mussolini, os asmarinos se dedicam a andar lentamente de uma ponta a outra da avenida. Praticam o que os italianos chamam de passeggiata, o exercício de vaidade de ver e ser visto.
Escritório do Banco Mundial em uma vila modernista
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