
Jiayuguan, China, maio de 2018. Minha mãe vem me chamar em meu quarto: pela primeira vez em mais de uma semana, meu pai tem apetite para comer algo além de sorvete e bebidas geladas. Surpresos com a boa notícia, decidimos sair em busca de uma refeição que lhe agrade e, com sorte, não desencadeie um novo ciclo de náusea e inapetência, ao despertar alguma memória adormecida da quimioterapia.
Deixamos o hotel e caminhamos pelas avenidas desproporcionalmente largas da cidade, um fim de mundo no meio do deserto cujo marco arquitetônico é um golfinho gigante iluminado por luzes coloridas. Lembrando de ter passado pelos mesmos quarteirões no dia anterior, eu os conduzo até um restaurante que me pareceu acolhedor para os padrões chineses, onde a comida é servida em grandes bandejas para ser cozida nos fogareiros de cada mesa.

Olavo Amaral
Olavo Amaral é médico, professor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e autor de Dicionário de Línguas Imaginárias, da Alfaguara