Touros, lagostas & sinédoques arbitrárias
| Edição 74, Novembro 2012
BOLA NA CAÇAPA
O artigo de Daniela Pinheiro, “O engenheiro e a irmandade”, (piauí_73, outubro) é revelador. Quando o taco está nas mãos do sr. Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ele faz misérias. Penso que ele se acha o “último biscoito do pacote”. Mas, se observado atentamente, deixa pistas do seu jeito de jogar. Em um momento, ele diz que políticos ou pessoas que ocupam cargos públicos (como ele) não podem “pessoalmente” recolher ou pedir donativos de campanha, caso contrário se tornam reféns dos doadores – faz sentido! E, no entanto, em outra ocasião ele pergunta para a jornalista: “Você acha que eu tenho mais força do que o governador de São Paulo?” – ela havia insinuado que, ainda que o dinheiro doado fosse por seu intermédio ou influência, não passaria necessariamente por suas mãos.
Fiquei confuso com essas colocações aparentemente antagônicas: afinal, os governadores buscam a grana ou mandam os mordomos buscarem?
LUCAS COTRIM_CAMPINAS/SP
Com muita perspicácia e faro jornalístico, a repórter Daniela Pinheiro, na matéria “O engenheiro e a irmandade”, fez uma radiografia perfeita do engenheiro Paulo Vieira de Souza, conseguindo, no excelente relato, transmitir um perfil completo dessa instigante figura, que atuou com competência e destemor na Dersa, empresa de economia mista que tem o governo paulista como maior acionista e é responsável pela construção e administração do complexo viário do estado. Os flashes obtidos durante o passeio de carro pelo Rodoanel, motivo de orgulho do engenheiro, quando o mesmo soltou o verbo e pôs as cartas na mesa com destemor, em protesto por sua demissão da Dersa, apontando sua metralhadora giratória para todo lado, foram geniais. Revelam que poucos teriam a coragem de mexer nesse vespeiro, tanto a oposição como a situação, pois seria bulir com a poderosa irmandade das construtoras, que comandam solene e impunemente a parte principal das arrecadações das campanhas políticas em nosso país.
DIRCEU LUIZ NATAL_RIO DE JANEIRO/RJ
Só quero congratular a Daniela Pinheiro pela muito bem escrita reportagem “O engenheiro e a irmandade”.
MARCIO V. PINHEIRO_BELO HORIZONTE/MG
AUSCHWITZ
Quando li o prólogo de Noemi Jaffe para a matéria do diário de sua mãe, Liwia, nos campos de concentração nazistas em “Nem vivos nem mortos” (piauí_72, setembro), pensei: mais um diário do Holocausto?
Leitora juvenil dos diários de Anne Frank (tantos anos atrás), parti do pressuposto que a história de sofrimento das vítimas do nazismo já havia sido suficientemente narrada e repetida. Foram tantos filmes, livros, depoimentos, pesquisas, museus.
Comecei a ler e fui tão surpreendida que parei ao final da primeira página e voltei ao início, para reler tudo com mais vagar. Que estupidez achar que essas histórias já foram contadas! Ao contrário: o que há de extraordinário em cada uma delas é justamente o modo como, pela particularidade do vivido, remetem ao universal do sofrimento e, principalmente, da redenção. Em tempos de novos genocídios e variantes múltiplas de Holocaustos, é bastante sensato que sejamos sempre lembrados das constantes possibilidades do horror.
NICOLE REIS_BRASÍLIA/DF
CRUELDADES
Li em sequência os textos “Nem vivos nem mortos” e “Pense na lagosta” (piauí_72, setembro). Foi uma experiência vívida e chocante o momento em que percebi a ligação entre os dois. Para quem, como eu, a existência e a prática de todo o horror detalhadamente descrito no primeiro texto sempre foram incompreensíveis, a leitura do segundo foi surpreendente. Foi reveladora sobre aspectos da natureza humana e sua relação com os “interesses ou preferências” de terceiros. Sejam outros homens ou lagostas. É evidente, embora ainda incompreensível. Tudo agora faz (menos) sentido.
ELIZABETH PONTE_SALVADOR/BA
piauí brinca com os nossos sentimentos. Em um mês, uma reportagem incrível mostrando a sensibilidade de um escritor com a dor da lagosta ao ser morta em água fervente (“Pense na lagosta”, piauí_72, setembro). No outro mês, um texto sobre um toureiro desgraçado que, como o jornalista que escreve, pouco se importa em fazer do sofrimento alheio (do touro) um espetáculo (“A volta do Ciclone”, piauí_73, outubro). Aliás, um sofrimento lembrado por burocracia na reportagem (ó saco, colocar o “outro lado” é obrigatório, vou ter que colocar a aspas de um desses malucos fantasiados com chifres que protestam na porta do estádio).
Entendo o intuito de mostrar a pluralidade de ideias, mas será que algumas coisas não deveriam ser mais consensuais no trabalho editorial da revista? Por exemplo, o posicionamento de que não é certo um “touro soltar sangue pela boca, balançar a cabeça, sofrer e resistir” até cair “numa posição fetal” em praça pública.
LUISA PESSOA_SÃO PAULO/SP
MENSALÃO MINEIRO
Mineiro de nascimento, não poderia deixar de cumprimentar esta revista, bem como Daniela Pinheiro, pelo excelente trabalho na divulgação da verdade sobre o mensalão mineiro (“O laboratório”, piauí_71, agosto). Como podemos entender uma figura como o ex-governador Eduardo Azeredo ainda se achar acima do bem? Como poderemos entender tanto desvio de dinheiro utilizando-se de empresas e orçamento público? Como entender a Justiça não ter se manifestado até hoje sobre as questões?
E se nos aprofundarmos no período ainda questionaremos a privatização dos 33% da Cemig e a venda nebulosa do Credireal, que recebeu vulto de milhões para saneamento, foi vendido pelo mesmo valor ao BCN e revendido por muito mais ao Bradesco. Quem ganhou com tudo isso?
JOSÉ ANCHIETA_SÃO PAULO/SP
MISSIVAS
Prezados senhores. Em primeiro lugar gostaria de comentar sobre a carta enviada à revista por Fleurymar de Souza, de Goiás (“Cartas”, piauí_72, setembro). Ele faz uma crítica às propagandas do governo e está indignado com a reportagem sobre o mensalão de Minas. Acho que ele deveria passar a assinar a Veja, que me parece ser mais adequada para pessoas que querem que o Brasil volte a ser um reduto de direita, reacionários e sem visão. Toda a imprensa brasileira, comandada pela Rede Globo, hoje está comemorando a atitude do STF pela condenação da “cúpula do PT”. Infelizmente, esse pessoal não tem capacidade de enxergar mais uma maracutaia para fazer o povo mudar o voto e mais uma vez, não deu certo, apesar da imprensa. Teve jornalista que disse ao vivo que o tucano Aécio Neves foi o vencedor do primeiro turno na eleição. Que é isso, companheiro? A única coisa que ele pode comemorar é a vitória do PSB em BH. Será que ele mudou de partido? Vê quantas cidades grandes deste país elegeram políticos do seu partido!
MARIA BEATRIZ TEIXEIRA_BELO HORIZONTE/MG
SELVAGENS MALEMOLENTES
Apesar de terem sido requentadas diversas vezes por diferentes intelectuais, é surpreendente como as ideias sobre o caráter intrínseco do brasileiro não apodrecem. Quase um século depois de Gilberto Freyre, é Chico de Oliveira que agora pleiteia um assento no glorioso panteão dos intérpretes da genética nacional (“Jeitinho e jeitão”, piauí_73, outubro).
Num texto pleno de sinédoques arbitrárias, Oliveira reedita numa linguagem materialista alguns dos tradicionais preconceitos que habitam nosso senso comum. Suas impressões dos arredores do Palácio do Catete, rodeado de “mulheres – e homens – que andam com sandálias surradas e se vestem pobremente”, me fizeram lembrar dos assombros escritos num texto em que Danuza Leão relata seu espanto com a pobreza das pessoas que circulam pelo Centro do Rio, “a maioria com uma sandália havaiana já bem usada”.
As semelhanças entre os relatos desses dois eminentes intelectuais me colocaram duas questões. Em primeiro lugar, por que Chico e Danuza têm tanto horror às sandálias de dedo? Segundo, não seria justamente o oposto da tese de Chico o que se passa no Brasil? Ou seja, em vez de ser um reflexo nos dominados da ideologia dominante, acredito que a tradicional caracterização dos brasileiros como selvagens malemolentes e cordiais tem servido historicamente como instrumento de dominação. Afinal, é a suposta missão civilizatória das nossas elites – dentre as quais se incluem as elites intelectuais – que tem justificado a manutenção das iniquidades no país por décadas.
LUIZ AUGUSTO CAMPOS_RIO DE JANEIRO/RJ
PEPE MUJICA
A matéria “El Viejo tupamaro” (piauí_73, outubro) me despertou o desejo de conhecer o país vizinho. E fumar um verdinho por lá – é claro!
CID CÉSAR AUGUSTO_RIO DE JANEIRO/RJ
ALMA SATISFEITA
Encontrei numa pesquisa pela rede a refrescante leitura das edições digitais da vossa revista e, confesso, fiquei fã do trabalho apresentado; por isso, não podia deixar de parabenizar a dedicação, o estilo, as matérias feitas num formato muito criativo; a riqueza de fazer jornalismo cultural e não só. Quem merece reconhecimento pelo desempenho é igualmente merecedor de um agradecimento de quem sente a alma satisfeita pelo bem que a troca e reciclagem de informação provocam neste mundo.
Nunca desistam.
VELADIMIR ROMANO_LISBOA/PORTUGAL
Desde que comecei a assinar revistas não parei mais. Inicialmente, de conteúdo leve e descontraído, mas resolvi apostar em algo diferente: piauí, e hoje, não me arrependo! A revista virou um sucesso a quem empresto e me impressiona sempre com suas matérias de linguagem (um pouco técnica…), mas de nível extremamente elevado. Vivo com o dicionário ao lado, mas tenho muito a aprender (só tenho 14 anos), mas que seja lendo muito… e dentro desse material de leitura, esteja a piauí.
THALES ARAÚJO DA SILVA_SETUMBINHA/MG
JAGUARIBARA & MICROSOFT
Sou um de seus assinantes mais vorazes. Leio a revista antes mesmo de ela chegar a minha residência, aqui nesta longínqua Belém. Mas a edição deste mês foi diferente. Eu li, reli e estou praticamente resenhando seus textos. Nos últimos meses tenho, aliás, utilizado os mesmos para subsidiar minhas aulas de sociologia. Recordo até hoje das discussões entre meus alunos acerca da construção do açude do Castanhão e o consequente alagamento da cidade de Jaguaribara, tão docemente/tragicamente descrito por Paula Scarpin (“Flor de plástico”, piauí_64, janeiro). Na edição deste mês aproveitei a oportunidade para deliciar-me com a análise de Kurt Eichenwald sobre a crise empresarial da Microsoft na última década (“A década perdida”, piauí_73, outubro). O fato é que, associado à leitura desse artigo, estou terminando de ler um manual de gestão de negócios e pessoas que faz lugar-comum da afirmação de que “mais importante que alcançar o sucesso é mantê-lo”. Talvez a oportunidade que a Microsoft está dando ao mundo empresarial seja a de avaliar o custo que o sucesso pode produzir, cabendo ao mercado produzir um novo tipo de manager: o de gestor do sucesso.
BRENO RODRIGO DE OLIVEIRA ALENCAR_BELÉM/PA
CUBA
Parabéns pela publicação de “O comandante ianque” (piauí_72, setembro). David Grann é um dos melhores jornalistas de grandes reportagens. Ao traçar o perfil de um personagem importante e esquecido de um momento marcante da história, ele também consegue esmiuçar um retrato contundente da Revolução Cubana. Um cenário de injustiças, violência, abuso de poder, utopias, desilusões e relações afetivas é construído com uma narrativa fascinante.
MAICON ANTONIO PAIM_BAGÉ/RS
QUERO BIS
Gostaria de sugerir que, passados seis anos da publicação da primeira edição da revista piauí, fossem publicados novamente alguns artigos muito bem escritos e de uma pontualidade na análise poucas vezes vista. Se for aprovada a ideia, gostaria de sugerir a republicação do artigo “O Louco de Palestra” (piauí_49, outubro de 2010). Assim, aqueles que não leram poderão usufruir de uma ótima e bem humorada abordagem sobre esse fenômeno redimensionado em tempos de redes sociais, nas quais às pessoas pouco importa o que os outros estão dizendo, mas mostrar-se e ser visto, lido e ouvido o tempo todo. Nós que já lemos, poderemos lançar um novo olhar sobre o que já tínhamos lido há dois anos!
MÁRCIA LOPES REIS_São Paulo/SP
NOTA DA REDAÇÃO: Márcia, pelo jeito você faz parte de uma turma muito suspeita: a dos loucos por piauí. No site da revista você poderá encontrar o “louco de palestra” e uma legião variada de insanos que nos acompanha.
O JEITO BRASILEIRO
Onde foi que o autor de “Jeitinho e jeitão” (piauí_73, outubro) descobriu que Thomas “Jefferson deu o seu nome à sua descendência negra”? Nem a Thomas Jefferson Foundation, que publicou em 2000 os resultados de uma investigação sobre o assunto, sabe disso. Seu relatório afirma que os estudos de DNA por ela encomendados mostram alta probabilidade de que Jefferson tenha sido o pai das crianças. Ora, se elas tivessem sido reconhecidas pelo pai não haveria necessidade nem de testes nem de investigações. O máximo que Jefferson fez foi, no fim da vida, libertar as crianças, mas o “paladino da liberdade” esqueceu-se de libertar a mãe e seus outros escravos. Sinto dizer, mas o autor teve uma crise do “complexo de vira-lata”, por ele mencionado.
JOÃO J. M. DALTRO_FLORIANÓPOLIS/SC
RESPOSTA DE FRANCISCO DE OLIVEIRA: Não investiguei a vida de Jefferson. Apenas quis comparar a atitude dele com a de potentados brasileiros, citando o caso dos Lundgren, que tiveram uma vasta descendência com operárias de seu complexo têxtil, em Pernambuco, mas nesta descendência não se encontra nenhum sobrenome Lundgren. A diferença entre eles é evidente. Reconhecer a superioridade do comportamento de um norte-americano não é nenhum “complexo de vira-lata”, pois se assim fosse, não haveria possibilidade da formação de juízos morais que tenham validade universal. O resto é anti-americanismo bobo.