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Tudo pela farsa, até a nossa morte

    CRÉDITO: MAYARA FERRÃO_2023

poesia

Tudo pela farsa, até a nossa morte

Lucas Litrento | Edição 201, Junho 2023

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POEMA 2

primeiro o aviso dos cães

depois o vão da morte

em caso de acertarem as juras

 

poupe latidos vãos nessa língua

era o tal conselho de velhos

amordaçado às avessas

 

é inútil quando se tem fome

ouvir no chão só farelos

de navios sem numeração

 

por isso a matilha sem rumo

o desritmo do peito

a esperança nos dentes

 

 

DE UM QUASE RASTRO

avesso à palavra

ele escapa

quando tento aprisioná-lo

 

talvez a mata se rasgando

ou algum outro instante

 

entre o azul quase chuva

e os cães na ânsia dos grilos

ele vem de uma vez

mas também se divide

em compasso sem dono

 

sob a luz amarela do poste

e a sombra da mão que a concebe

a chance como quem não se diz

 

“todo rumor é sussurro aquático”

eu diria tímpanos

tambores

tímpanos

tambores

tímpanos

tambores

 

 

POEMA 1

                                      Giravas entre nós com um zumbido de abelhas

Conceição Lima

 

éramos nós antes da brasa

feito cinza em simetria

embrulhando à nossa volta

sereno e fim na noite prima

 

sem moeda que agourasse

o endereço de ninguém

desdizendo ao alvorado

na língua do sim: escurecido

 

sem levar consentimento

roubamos tudo que somava

facas paisagem riso antigo

restava sempre a incerteza

 

 

NESTA RELVA NÃO CAMINHO (PARTE 10)

danço esse véu na luz do meio-dia

ainda que não recomendem

todas as palavras monte adormecido

e o que mais aqui for concentrado

ardor prometido antes do sal

 

lava anunciada madrepérola aparente

coração ocupando a redoma da boca

devoraria a ponte devoraria o rio

num único lance se esse acorde

aberto fosse tenso com os dedos distantes

 

 

CINEMA ALAGOANO

no papel seria um plano aberto

nuvens imóveis apesar do combinado

a vida em cada sombra da figuração

 

no ensaio a câmera chegou mais

cortando o reflexo dos maquinários

tudo pela farsa, até a nossa morte

 

no set já não tinha mais cidade

nem olhar que salvasse o close-up

tudo sumiu com os engole-mundo

 

na montagem recriamos vida

das ruínas assíncronas à raiz salobra

tudo pela forma, até a nossa morte