Uma voz dissidente em defesa dos poetas
| Edição 62, Novembro 2011
QUESTÕES HISTÓRICO-POLÍTICAS
Apesar de o autor de “Um ditador fascista?” (piauí_61, outubro) não responder assertivamente ao título do artigo, parece empenhado em levar o leitor a concluir que não, Salazar não era fascista. Era apenas “um homem insosso”. Numa terra de mansos, acrescento eu (ironicamente).
Não irei discutir os pormenores históricos, facilmente questionáveis para quem é familiarizado com o contexto, até porque não sou historiadora, e sim apenas filha de Abril, com muito gosto. Mas incomoda-me que se questione tão importante tese através de uma única obra. Tamanha pergunta não pode ser tratada levianamente. Isso é um insulto para com todos aqueles que experienciaram as políticas bafientas e repressivas do Estado Novo. Mais: basear essa crônica apenas no livro de Meneses é redundante e extremamente limitado. Ainda mais quando essa mesma obra é alvo de polêmica e de críticas por parte de muitos historiadores e pensadores portugueses. Se há escassez de biografias mediáticas sobre António Salazar, não faltam, pelo contrário, teses e livros sobre o Estado Novo. É de estranhar, por exemplo, a ausência de referências à vasta obra de Fernando Rosas – um dos maiores historiadores contemporâneos de Portugal, e que não tem qualquer prurido em apelidar de fascismo o período do Estado Novo. É igualmente estranha a superficialidade com que aborda o assassinato de Humberto Delgado, a guerra colonial, a suposta neutralidade de Salazar na Segunda Guerra Mundial, a oposição a ele, o aparelho repressivo e silenciador e altamente eficaz da Pide etc.
Tentar classificar Salazar como um ditador de segunda, apenas porque não era fascista – é isso que sou obrigada a concluir depois de ler a crônica –, é tão grave como dizer que havia colonialismos piores que outros, como, infelizmente, se lê em muita literatura acadêmica.
INÊS SACCHETTI_LISBOA/PORTUGAL
MEMÓRIAS POUCO DIPLOMÁTICAS
Em “A morte sem os mortos” (piauí_61, outubro), Marcos de Azambuja matou a Ponte da Amizade. Essa ponte não só unia Uruguaiana a Passos de Los Libres, como ainda segue unindo. Perene como o peronismo que, felizmente, não a atravessou para o lado de cá.
JUAREZ VERBA_PORTO ALEGRE/RS
ANAIS DA RELIGIÃO
Lendo a reportagem sobre Silas Malafaia (“Vitória em Cristo”, piauí_60, setembro), tem-se a impressão de que ele é somente um empresário inofensivo, que enriqueceu dentro das leis de um país capitalista e tem uma maneira “teatraloide” de defender suas crenças. Mas não posso esquecer que, tão logo o adolescente Alexandre Ivo Rajão foi torturado e morto por homofóbicos aqui em São Gonçalo – um crime noticiado em todo o país –, Malafaia cuspiu na memória do jovem, e no rosto de todos os LGBTs, espalhando um outdoor que dizia: “Em favor da família e da preservação da espécie humana – Deus fez macho e fêmea.” Para quem não é analfabeto funcional isso quer dizer que ele qualifica os LGBTs como uma ameaça à espécie humana, embora não se registre em toda a história o caso de uma única aldeia que tenha desaparecido porque o número de homossexuais aumentou. A resposta de um pequeno grupo em São Gonçalo foi manchar com tinha vermelho-sangue esses manifestos da intolerância, atitude imitada em várias cidades. Acho mesmo que ele tirou o bigode para não correr o risco de ser comparado a Hitler, que também se dizia um enviado de Deus e considerava os LGBTs uma ameaça à Alemanha.
É estranho que Silas Malafaia diga que o povo evangélico merece respeito, que critique os que tratam esse segmento como “tapado, idiota, a ralé da classe social”, enquanto ele mesmo diz que seus seguidores não leem livros com mais de 72 páginas. Quer dizer que o público de sua igreja é contra a teoria da evolução sem nunca ter lido A Origem das Espécies. Acha que pode se declarar psicólogo e não merece ter o registro cassado. (Aliás, gostaria de saber o que seus ex-professores da Gama Filho têm a dizer sobre as declarações desse teleprofeta a respeito da sexualidade e da afetividade humanas. Será que alguém assume ter sido professor do Malafaia sem alça?) Supõe-se que seu rebanho não conhece as leis porque a Constituição, o Código Civil, o Código Comercial, o Código Penal etc. têm mais de 72 páginas. E também não lê piauí. Deus me livre de um líder que me respeitasse e defendesse assim!
EDSON AMARO DE SOUZA_SÃO GONÇALO/RJ
Ser dono de uma igreja neopentecostal hoje em dia é um negócio e tanto. Você, pastor comunicativo, começa levando uma palavra de conforto na medida certa àqueles que sofrem. Aí ocupa o horário nobre da televisão e atrai centenas de pessoas para seus cultos em templos cada vez mais suntuosos, e enriquece com a venda de produtos “evangélicos”. Mas você não quer parar por aí. E passa a querer interferir na política nacional, elegendo com facilidade representantes para ocupar câmaras, assembleias legislativas e congressos. Aqueles que colocam em xeque os privilégios e benesses que lhe proporcionam ao ocupar esses espaços, que denunciam o abuso, a invasão e a falta de respeito promovidas por suas cruzadas, estão blasfemando. Afinal de contas, você não faz isso para você, não é? Você faz tudo isso em nome de Deus!
ALEXANDRE GEISLER_SALVADOR/BA
O pastor das multidões (e dos milhões) Silas Malafaia é um polemista, um megalômano catalisador de assuntos espinhosos. Desfere a seus sectários a mesma logorreia de sempre, com discursos inflamados que agradam os que partilham da mesma opinião. Concomitantemente, é um pedinte sistêmico de bufunfa alheia. Gaba-se ao afirmar a Daniela Pinheiro que presta contas de cada real. Então tá…
GILBERTO BAZARELLO_OSASCO/SP
NAS MÃOS DA MILÍCIA
Fiquei triste e revoltado ao ler a reportagem sobre o fotógrafo, a repórter e o motorista que foram sequestrados por milicianos numa favela do Rio de Janeiro (“Minha dor não sai no jornal”, piauí_59, agosto). Todos nós sabemos que o crime organizado no Brasil está deixando de ser constituído de bandidos organizados. Tornou-se uma máfia bem maior, organizada, armada e perigosa, que está infiltrada em diversos setores da sociedade, inclusive com a presença de figuras políticas como vereadores e deputados. Lamento pelo fotógrafo não ter informado o nome dos políticos envolvidos nessa atrocidade. Mas entendo o terror, o medo e a insegurança que tomaram conta dele. Muito me admira que tenha sido traído por colegas de trabalho. Hoje, ele se encontra em um “limbo”, por conta do que sofreu (e ainda sofre) nas mãos desses bandidos, travestidos de políticos, policiais, repórteres, militares. O que o fotógrafo, a repórter e o motorista fizeram não foi em vão. De certa forma, desarticularam parte dessa milícia, mas o preço que pagaram foi e está sendo alto, talvez alto até demais.
LUIZ CARLOS_NITERÓI/RJ
OUVIDOS DO PLANALTO
Muito interessante a reportagem sobre Gilberto Carvalho, demonstrando sua posição articuladora num governo esquizofrênico (“Os ouvidos do Planalto”, piauí_60, setembro). O que quero relatar aqui é o fato de Dilma Rousseff não amolecer o coração para qualquer um (como o fez para os eletricistas citados na matéria). Isso porque os Institutos Federais do Brasil, com praticamente 70% da rede de ensino em greve há mais de sessenta dias, tiveram como única resposta que “a política de governo é a de não conversar com movimentos em greve”. Para um governo do Partido dos Trabalhadores, nascido dos movimentos grevistas de São Paulo, não receber trabalhadores em greve? Seria cômico se não fosse trágico.
THIAGO ALVES_GOIÂNIA/GO
CONDENADOS À TRADIÇÃO
Eucanaã
Não encontrará
Sua Canaã
No midiático oficialismo
Na institucionalização progressiva
No highbrow calculismo
A poesia que Eucanaã
Escreve
Reverencia a tradição
& se apropria dela
Carlito e Eucanaã
Temperam suas Canaãs geracionais
Com seus próprios paradigmas
Ao molho retradicionalizador
De uma tal
Maria Simon
Maria diz sem pietá:
Carlito Azedo é
Doce rigor construtivo
Vertigem sintática &
Escancarado esteticismo;
Carlito Carlitos
Usa um dispositivo
Para a dissolução referencial
Das luzes da ribalta.
Maria, Maria, é um dom
Ela diz com certa magia
Contundente cabralismo;
Carlito se alimenta do espetáculo
Do texto indeterminado
Movido pelo desejo
De ornamento e beleza.
Já Eucanaã é Ferrabrás:
Emoção e beleza
Curam as cicatrizes da construção
Cabralismo com afeto
Delicadeza e diálogo:
Autores portugueses.
O ritmo do desejo corrige e humaniza
(Sentimentaliza?)
A racionalidade construtiva
(“Condenados à tradição”, piauí_61, outubro)
LÚCIO EMÍLIO DO ESPÍRITO SANTO JÚNIOR_BOM DESPACHO/MG
MULHER BRONTOSSAURO
Apesar de me considerar quase um nômade, por ter morado em tantos lugares, nasci, cresci e estudei até o último ano do colegial em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Apesar disso consigo desenvolver bem meu raciocínio filosófico e ler piauí mensalmente. Conheço por coincidência um Wladimir que também mora em Belford Roxo. Wladimir é engenheiro petroquímico e está muito bem – se não me engano – devido a algo inovador que fez no campo da petroquímica na estatal Petrobras.
Apesar dos movimentos pendulares que temos que fazer desde pequenos, da Baixada para as capitais e das capitais para a Baixada, eu, Wlad e todos os amigos daqui que leem piauí gostamos muito de ver, mesmo que em uma piada, foram os nomes Belford Roxo e São João de Meriti juntos (“A supersuperlativa”,piauí_60,setembro). Já é um ótimo começo!
GABRIEL OLIVIERI_SÃO JOÃO DE MERITI/RJ
TARJA PRETA
É lamentável que a reportagem “A epidemia de doença mental” (piauí_59, agosto) não apresente o lado contrário, entrevistando psiquiatras e neurocientistas que façam análises baseadas em estudos e pesquisas. E que mostrem as causas do crescimento dos distúrbios, que sempre existiram, em grande monta, tendo em conta as condições sociopolíticas e comportamentais, principalmente para as mulheres.
Em quais laboratórios e universidades a autora pesquisou? Por que não processam a FDA? Esse assunto é preocupante, necessita de ações preventivas. Olhem no seu entorno e verifiquem a porcentagem de pessoas com distúrbios.
RUY LEAL_SALVADOR/BA
O texto é muito bom. Lógico, bem organizado e articulado. Assim como um delírio, parece às vezes verdadeiro, mas segue uma premissa falsa.
Será que a impotência sexual masculina aumentou em 114 vezes nos últimos 37 anos somente porque o aumento nas vendas de Viagra disparou desde o seu lançamento? Ou será que o Viagra “funciona”?
Ora, não se podem enganar muitas pessoas por muito tempo. Ou somos todos tão bobos como jamais imaginamos, ou a matéria trata de mais uma teoria da conspiração. Ah, por último: vocês sabiam que alguns psicanalistas dormem nas consultas?
PAULO ROGÉRIO AGUIAR_PORTO ALEGRE/RS
ADENTRANDO OS ERROS
O revisor cochilou na edição 59, de agosto. Encontrei em três diferentes textos, de três autores diferentes, o mesmo erro gramatical ligado ao verbo ADENTRAR, que significa ENTRAR EM e cuja regência como verbo transitivo direto, como vocês sabem, pede O ou A e não NO ou NA.
O primeiro vacilo está na Esquina “Tikai, Atliek Raudāt”: “ADENTROU RESOLUTA NO PRÉDIO SOTURNO.” O correto seria: Adentrou resoluta O prédio soturno.
O segundo erro está em “O neoerudito alegórico”: “ADENTRAR NO FABULOSO CAMPO DAS ENGENHOCAS.” O correto, óbvio, é O campo das engenhocas.
E o terceiro erro está no excelente artigo de Roberto Pompeu de Toledo sobre Elizabeth Bishop: “ADENTROU NA INTIMIDADE DESTA CASA.” O correto é adentrou A intimidade…
Sabemos que adentrar também pode ser, em alguns casos, pronominal, admitindo o NO ou NA no lugar do O ou A, mas esses casos são menos frequentes e nenhum dos três exemplos acima se enquadra nesse caso.
No mais, parabéns pela revista, como sempre ótima, adentrando mensalmente a minha residência, que para ela tem as portas escancaradas.
LUIZ CARLOS BITTENCOURT GOULART_SALVADOR/BA
NOTA DA REDAÇÃO: Se o leitor adentrar as (ou nas) páginas do Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Luft, verá que o verbo tanto pode ser transitivo direto, intransitivo ou transitivo indireto, na acepção de penetrar, entrar, internar-se; embrenhar-se: Os caçadores adentraram a (ou na) floresta.
QUESTÕES CINEMATOGRÁFICAS
Ainda não consegui digerir a carta/artigo de Eduardo Escorel na última piauí (Questões cinematográficas, piauí_61, outubro). No texto (eu diria, infeliz), ele pede desculpas a Jean-Claude Bernardet. Mas qual Bernardet? O que ele guardava em segredo, ou o que a reportagem (“Autoficções de uma pessoa-laboratório”,piauí_60, setembro) revelou de forma magistral? Não acredito que a pergunta seja desnecessária.
Em entrevista ao sessões decinema.blogspot.com, perguntado sobre a utilidade do crítico, Escorel responde: “A função do crítico é dizer o que pensa. Sendo lido, pode servir de estímulo para refletir. Não acredito que se deva pensar em termos de ‘utilidade’.” O site termina a entrevista com as seguintes palavras: “O Sessões agradece a participação e queremos com essa pequena entrevista homenagear um dos nomes mais geniais do cinema nacional. Já trabalhou com muitos gênios da nossa cinematografia, agora é a vez de reconhecermos este, Eduardo Escorel.”
Nada contra. Mas me lembro de outro crítico, um certo François Truffaut, que desenvolveu sua famosa la politique des auteurs. Nesse conceito, o filme é considerado uma produção individual, como uma canção ou um livro. Truffaut defendia que a responsabilidade sobre um filme dependia quase que exclusivamente de uma única pessoa, em geral o diretor. Essa foi a base para o surgimento de um movimento que revolucionaria o cinema francês, a Nouvelle Vague. Essa visada crítica repercutiu no Brasil e no mundo. Traduziram aqui Nouvelle Vague por Cinema Novo.
Isso me leva a uma tautologia infinita: há críticos e críticos, gênios e gênios, autores e autores, política editorial e política editorial. Acredito que a carta de Escorel não precisa de resposta. Os leitores já sabem o que é uma “pessoa-laboratório”, e acredito que estão do lado da reportagem.
FRANCISCO MACIEL_SÃO GONÇALO/RJ