No segundo turno, quando não há sonho a ser vendido, se não há esperança, prevalece o antivoto: o eleitor favorita um inimigo e vota no outro. A campanha, nessas ocasiões, resume-se a demonizar o adversário mais do que o adversário demoniza você. O melhor jeito de fazer isso é disseminar o medo entre os carentes, e o ódio entre os potentes. Quem pode odeia; quem não pode teme. Medo por medo, ódio por ódio, Bolsonaro ganha.
Desde 2015, o ódio ao vermelho veste amarelo – salvo nas cortes, onde adota-se o preto. O amarelo-ódio é dominante em manifestações públicas, como foi no dia do primeiro turno. É vistoso e chamativo, mas não decide a eleição. Como quem não pode é muito mais numeroso do que quem pode, sempre que não há esperança, o medo – não o ódio – é decisivo para ganhar a Presidência. Foi em 1998 para o antiPT e em 2014 para o PT.
Medo de quê?
Os 16 pontos de vantagem de Bolsonaro no Datafolha indicam que o medo não é de Haddad, mas do PT. A grande maioria dos eleitores não conhece Haddad o suficiente para odiá-lo nem para temê-lo. Não nessa intensidade e quantidade. Se não é da pessoa física, só pode ser da jurídica. É manifestação do antipetismo, e isso diferencia a eleição de 2018 das outras em que o medo venceu.
Em 1998 e 2014, era o medo de perder, devidamente manipulado pelas campanhas dos incumbentes. Primeiro, o medo de perder o real e a estabilidade econômica conquistada havia só quatro anos após décadas de caos inflacionário. Dezesseis anos depois, foi o medo de perder o Bolsa Família, o acesso a crédito e ao consumo.
Em 2018, diferentemente de 1998 e 2014, não há incumbente para chantagear o eleitor. O governo Temer não é notícia, não é assunto, não é mais nada. Ainda antes de acabar, virou daqueles interregnos entre mandatários eleitos aos quais os livros dedicam meio parágrafo só para constar. Café pequeno. Colaboradores e co-conspiradores de Temer que enfrentaram as urnas foram banidos pelo eleitor, como ele será pela história.
Como o poder não admite vácuo, os partidários de Bolsonaro conseguiram assumir a manipulação do medo na eleição, com muito mais competência do que os petistas. Trocaram a tela da tevê pelo celular, o Facebook pelo WhatsApp e aterrorizaram. Espalharam o medo de o Brasil virar uma Venezuela, de o PT criar uma ditadura de esquerda e até da ressurreição do comunismo. Experimentaram com sucesso durante o locaute/greve dos caminhoneiros e, a partir dali, se tornaram os reis do Zap.
O WhatsApp é um território sem lei, sem informação e estranho a qualquer tentativa de controle. Ao contrário das outras mídias sociais, ali não se sabem o volume de dados ou de mensagens, como elas circulam, nem de onde vêm ou para onde vão. Presente em todas as revoltas e movimentos que derrubaram governos desde os protestos de Londres e da chamada Primavera Árabe, esse tipo de plataforma de mensagens instantâneas parecia uma arma contra regimes totalitários mas se tornou o cemitério da democracia.
Os grupos de WhatsApp são o veículo principal da desinformação, dos boatos, da injúria e da calúnia. Não são usados por um lado só, obviamente. Mas a tentativa do PT de posicionar-se nessa batalha associando a eleição de Bolsonaro ao medo da volta da ditadura militar no Brasil, da censura, da tortura e de outros terrores não teve nem metade do efeito que seus adversários conseguiram. É uma campanha sem rumo, uma guerra quase perdida.
Nem todo eleitor de Bolsonaro acredita que o Brasil vai virar uma edição aportuguesada do caos venezuelano, porém. Para a maioria, o medo é outro, mais difuso e difícil de combater. Seu temor é o de que a eleição de Haddad seja mais do mesmo. Que reeleger o PT implique manter o status quo, signifique alimentar os vícios do presidencialismo de coalizão à brasileira. Enfim, confirmar o toma lá dá cá partidário e a corrupção generalizada.
Para esse eleitor, não adianta argumentar que o PT não inventou os esquemas corruptos das empreiteiras nem foi o único partido que roubou. Basta ver o que esse eleitorado fez com o PSDB e com o MDB no primeiro turno. Impôs a esses partidos as maiores derrotas eleitorais de suas histórias. Se não colocou em risco sua existência, dizimou a influência política de seus caciques.
Para a maioria do eleitorado, como se depreende pelos 58% a 42% do Datafolha, o PT não oferece sonho, uma perspectiva de melhora que seja e nem sequer é um mal menor. Os 58% preferem arriscar-se no desconhecido, no novo, mesmo que o novo tenha cara de velho, gosto de passado e cheiro de bolor. Para essa maioria, se Bolsonaro representa a dúvida, o PT é a certeza do continuísmo.
O desejo de mudança que não conseguiu ser liberado na eleição presidencial de 2014 – menos pelos méritos do PT do que pela incompetência de Aécio Neves e dos tucanos – acumulou ainda mais pressão ao longo dos quatro últimos anos de crise sem fim e economia andando para trás. Está entrando em erupção agora. Interromper seu fluxo é tão fácil quanto tapar um vulcão.
O mais provável é que os problemas de Bolsonaro apareçam só depois do segundo turno. A decadência da popularidade do PSDB e do PT veio na sequência de suas vitórias baseadas na manipulação do terror eleitoral. Se as eleições de 1998 e 2014 ensinam alguma coisa é que o medo elege mas não governa.
Só com ditadura.