Memória desarmada

Dois objetos foram retirados de uma fotografia que aparece aos seis minutos e sete segundos no documentário Democracia em Vertigem, dirigido e narrado por Petra Costa. É uma fotografia em preto e branco onde há dois homens mortos. A imagem permanece quatro segundos na tela. A cineasta identifica um dos mortos: “o mentor dos meus pais: Pedro Pomar.” Petra explica então que seu nome é uma homenagem feita por seus pais a Pedro. No retrato, o jornalista Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar, 63 anos, está de barriga para cima, óculos de grau no rosto, descalço e com o corpo coberto de sangue. Tombado aos pés dele, de bruços, está Ângelo Arroyo, de 48 anos. Ambos foram destacados dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e atuavam na clandestinidade contra a ditadura militar. Foram executados na manhã do dia 16 de dezembro de 1976 pelas forças militares-policiais, sob o comando do Segundo Exército, numa casa térrea na rua Pio XI, número 767, no bairro da Lapa, em São Paulo. O episódio ficou conhecido como a Chacina da Lapa. 

Democracia em Vertigem reconta os acontecimentos que levaram ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Petra Costa recorre a imagens atuais e de acervos históricos. Na foto da Chacina da Lapa usada no filme, os objetos ausentes são um revólver Taurus, calibre 38, e uma carabina Winchester, calibre 44. As armas constam, porém, em uma fotografia anexada a um dos laudos da morte de Pedro Pomar, datado de 27 de dezembro de 1976 e arquivado no Instituto de Criminalística de São Paulo. É uma fotografia idêntica àquela usada no filme – o mesmo ângulo, o mesmo cenário de sangue, pólvora e corpos tombados. O revólver está do lado direito do corpo de Pomar, e a carabina, embaixo da mão direita de Arroyo. Poderiam ser duas fotografias diferentes? Por que uma tinha armas e a outra não? Procurada pela piauí,  Costa esclareceu o que houve.