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Mikhail Zygar e a Rússia de Vladimir Putin

Mikhail Zygar conversou com João Moreira Salles, editor da piauí, e Raul Juste Lores, da Folha de S.Paulo. Zygar passou os últimos dezesseis anos – desde que Vladimir Putin assumiu o poder na Rússia – entrevistando pessoas ligadas direta e indiretamente ao presidente e ao Kremlin.

08out2016_19h49
FOTO: TUCA VIEIRA
FOTO: TUCA VIEIRA

Mikhail Zygar conversou com João Moreira Salles, editor da piauí, e Raul Juste Lores, da Folha de S.Paulo. Zygar passou os últimos dezesseis anos – desde que Vladimir Putin assumiu o poder na Rússia – entrevistando pessoas ligadas direta e indiretamente ao presidente e ao Kremlin. O resultado desse trabalho está no livro All the Kremlin´s Men, publicado em 2015, que revela os meandros de importantes decisões políticas no país e a falta de transparência delas.

“Putin acha que todos os políticos são corruptos, matam gente e fazem de tudo pelo poder. Quando viu House of Cards, falou ‘É isso! Finalmente, escancararam o que acontece’”, disse Zygar. “Putin no início queria ser respeitado pelo mundo como líder russo. Hoje, ele ainda quer sentar na mesa. Muitas vezes ele disse em público que o conselho de segurança da ONU não funciona. Ele quer criar esse novo sistema”, completou.

Zygar explicou como Putin, mesmo sem ser um comunista, costuma usar o espírito da Guerra Fria a seu favor: “No início da década de 90, o fim do sistema totalitário deveria ser celebrado. Mas por motivos econômicos, muito por causa da queda do preço do barril do petróleo, entramos em crise. O colapso da União Soviética deveria ser o começo de uma nova Rússia. E Putin tem usado essa sensação de que algo se perdeu. Ele sente certa nostalgia de um passado imperial. Mas não é comunista. Ele estava tentando jogar com essa ideia junto aos mais idosos, quando restaurou o hino soviético no começo do governo. Eu acho que Putin preferiria o legado do Império Russo. Ele criou um fenômeno bizarro chamado ‘valores russos tradicionais’. Na Rússia, não temos instituições políticas de verdade. O sistema todo depende de Putin e isso é um grande fator de instabilidade.”

A concentração de poder no presidente também afeta, de forma decisiva, as relações comerciais internas. “Os bilionários russos devem sua riqueza a Putin. Ou Putin deixou eles ficarem ricos ou não confiscou a riqueza. Tudo o que Putin pedir eles estariam dispostos a ajudar”, explicou Zygar.

A queda de braço do jornalista com o poder também está no DNA da Dozdh TV (ou RainTV), considerado o principal veículo de mídia independente russa. Em 2010, tendo Mikhail Zygar como editor-chefe, o canal era exibido na tevê a cabo, mas depois de propor ao telespectador uma enquete que desagradou ao Kremlin teve contratos encerrados e migrou quase que exclusivamente para a internet. Em seu livro, Zygar afirma que muitas enquetes e debates propostos pelos meios de comunicação oficiais servem na verdade para legitimar as decisões do governo russo. Daí a iniciativa da Dozdh TV ter desagradado tanto.

“O canal estava prestes a ser fechado, estava sem dinheiro, sem anunciantes, as tevês a cabo o tiraram de circulação. Nossos espectadores conseguiram levantar 2 milhões de dólares em duas semanas. Essa campanha de crowdfunding funcionou. Isso representou mais que um protesto na Praça Moscou. Hoje temos aproximadamente 70 mil pessoas que contribuem financeiramente”, completou.

Zygar, no entanto, desmistificou o sistema de inteligência russo. “Não há estratégia sobre o que fazer sobre a mídia independente. Muitos jornais dizem que Putin quer acabar com a imprensa independente. Esse plano não existe”, declarou. “O serviço de inteligência russo não é tão sofisticado como os americanos acreditam”.