Monica Benicio ainda estava dormindo na manhã de domingo, 24 de março, quando o celular começou a vibrar na mesa de cabeceira. Eram por volta das seis da manhã. Ainda sonada, ela olhou para a tela e viu que era uma ligação do delegado Jaime Candido da Silva Júnior. Observou, ainda, que já perdera vários telefonemas do delegado e, inclusive, do superintendente da Polícia Federal, Leandro Almada. Seu coração acelerou.
“Bom dia, o que houve, Jaime?”, perguntou Benício, sem rodeios. O delegado respondeu que, assim como fazia em cada novidade da investigação do caso Marielle, estava telefonando para dar a notícia que todos esperavam havia seis anos: os mandantes do assassinato, finalmente, estavam sendo presos.
Assim que ouviu a notícia, Benicio, viúva de Marielle e vereadora pelo Psol, perguntou se poderia saber os nomes dos mandantes ou se teria que esperar o noticiário da manhã. “Sim, posso dizer. Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo”, informou o delegado. Surpresa, a vereadora achou que não tinha escutado bem. “Rivaldo?” Sim, era ele mesmo, Rivaldo Barbosa, o ex-chefe da Polícia Civil, o homem que se dizia especialmente empenhado em resolver o atentado e que se apresentara como amigo de Marielle.
“Naquele momento, minha cabeça girou 360 graus”, lembra Benicio. “Rivaldo foi a primeira autoridade a receber a família. Marcelo Freixo nos apresentou como uma pessoa confiável.” Estava impressionada e saiu logo buscando na memória sinais de que havia, desde o início, algo errado com o delegado. “Me incomodava que Rivaldo tinha aquele constante sorriso no rosto mesmo num momento tão grave”, rememorou.
Logo depois do assassinato, houve uma reunião que não saiu da cabeça de Benicio. “Quando ele disse que era amigo pessoal de Marielle, não aguentei. Pedi a palavra e respondi que os amigos pessoais de Marielle frequentavam a nossa casa e eu não me lembrava dele. Depois, quando ele se referiu a Marielle como uma mulata bonita, lembrei a ele que eu era a viúva e perguntei se ele faria o mesmo comentário se eu fosse homem.”
Horas antes, em pleno sábado, o delegado Guilhermo Catramby, que coordenava a força-tarefa da PF, chamou às pressas sua equipe de nove agentes à sede da corporação, na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Todos entraram tensos na sala de briefing, com a certeza de que algo importante estava por vir. Logo entenderam: foram recebidos com um sonoro “parabéns” pelo superintendente Leandro Almada e outros chefes. O desfecho do assassinato de Marielle e Anderson estava a poucas horas de ser anunciado.
A equipe, então, recebeu uma homenagem pelo bom trabalho: seus parentes haviam gravado vídeos elogiando o resultado da investigação – e dizendo que as longas horas de trabalho longe do convívio familiar tinham valido a pena. Alguns se emocionaram. Só depois disso, foi dada a ordem para que os agentes buscassem no aeroporto os reforços que estavam chegando de Brasília, São Paulo e Minas Gerais. Ninguém dormiu.
Enquanto o delegado Jaime Candido dava a notícia para Benicio, os agentes da Polícia Federal estavam na rua. Por volta das 6 horas, deram voz de prisão a Domingos Brazão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, que estava em casa, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. O deputado federal Chiquinho Brazão e o delegado Rivaldo foram presos em seus apartamentos, também na Barra. Os três foram levados para o prédio da Superintendência da PF e, de lá, voaram para Brasília a bordo de uma aeronave da polícia. Na capital federal, os Brazão desembarcaram do avião algemados. O delegado, por falha dos funcionários do Departamento Penitenciário Nacional, estava com as mãos livres – e só foi algemado dentro do veículo que levou o trio até o presídio da Papuda. Depois de três dias na Papuda, cada um deles foi transferido para uma penitenciária federal diferente.
A edição deste mês da piauí reconstitui os bastidores da investigação do caso Marielle. Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.