ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO
Na pandemia, rivais de Bolsonaro ganham mais atenção que ministros
Ataques bolsonaristas fazem Rodrigo Maia e Doria explodir em menções no Twitter e superar ministros
Desde que a pandemia chegou ao Brasil, a estratégia de Jair Bolsonaro para lidar com a crise tem sido uma: eleger inimigos. Assim o presidente tira o foco da crise epidemiológica e ainda mobiliza sua militância nas redes. O método tem funcionado, ao menos na internet. Em março e abril, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), foram catapultados em número de menções no Twitter: Maia foi citado 7,1 milhões de vezes, no acumulado dos dois meses, enquanto Doria teve 6,2 milhões de menções. Os dois são hoje os principais alvos de ataques bolsonaristas nas redes. Mesmo num cenário de pandemia, tiveram mais atenção do que o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que apareceu em coletivas diárias desde o começo de março e deixou a pasta em 16 de abril, sob pressão do presidente. O ex-ministro, que depois também virou alvo de ataques, foi citado 6,1 milhões de vezes.
A ofensiva contra Rodrigo Maia ganhou força sobretudo em abril, quando ocorreram carreatas e manifestações de apoio a Bolsonaro pedindo o fechamento do Congresso. Há tempos o presidente da Câmara tem sido alvo preferencial do bolsonarismo. Sua imagem foi transformada em símbolo da “velha política” que o presidente diz combater. Em março, Maia foi mencionado 2 milhões de vezes no Twitter. Esse número mais que dobrou no mês seguinte, chegando a 5,1 milhões de citações, a maior parte delas negativas. As hashtags #ForaMaia e #MaiaInimigoDoBrasil ficaram horas nos trending topics. Foi o maior patamar de menções a Rodrigo Maia em um só mês desde o começo do governo Bolsonaro, quando, a pedido da piauí, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP-FGV) passou a monitorar as citações a políticos ligados ao governo.
João Doria, por sua vez, explodiu em número de menções desde que decretou quarentena no estado de São Paulo, em 22 de março. Naquela mesma semana, o tucano discutiu com Bolsonaro numa reunião por teleconferência com todos os governadores do Sudeste. A briga foi filmada e repercutiu. Ao final do mês, o nome do governador alcançou 2,6 milhões de menções no Twitter. Foi mais citado do que todos os ministros de Bolsonaro. Em abril, saltou para 3,6 milhões, atrás apenas de Mandetta e de Sergio Moro.
Doria encarnou, de bom grado, o papel de adversário político de Bolsonaro na pandemia. Junto com o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), tornou-se alvo de carreatas exigindo o fim do isolamento social. Nas redes, foram comparados a ditadores e comunistas pelos apoiadores de Bolsonaro. Witzel recebeu menos atenção. Foi citado 808 mil vezes em março e 988 mil em abril. No acumulado dos dois meses, teve menos que um terço das citações ao governador paulista.
Nem Maia, nem Doria, nem Witzel conseguem engajar muita gente por conta própria no Twitter. O crescimento das menções a eles, nessa escala, só acontece a partir de campanhas organizadas. A conclusão disso é que, ao menos numa análise crua dos números, a militância bolsonarista conseguiu, até aqui, direcionar o debate na internet e criar um discurso unificado de apoio ao governo. Os inimigos de Bolsonaro tiveram mais visibilidade do que os equívocos cometidos por ele no combate à pandemia.
Apesar do destaque que teve na imprensa ao longo de março, por motivos óbvios, o ex-ministro Mandetta teve menos menções no Twitter do que Maia e Doria naquele mês. Em abril, ele saltou para 4,2 milhões de citações, consequência da sua fritura e demissão por Bolsonaro. A oposição alavancou a hashtag #FicaMandetta, e os apoiadores do governo recorreram ao #ForaMandetta, dando início a uma campanha de desconstrução do ministro nas redes sociais.
O sucessor de Mandetta, o ministro Nelson Teich, teve desempenho discreto nas duas primeiras semanas de sua gestão. Foi citado 365 mil vezes no Twitter em abril – metade do destaque que teve, por exemplo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub.
O único político mais citado que Rodrigo Maia, em abril, foi Sergio Moro. O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública anunciou sua demissão no final do mês e acarretou a maior crise política do governo Bolsonaro até agora. Embora já tenha um patamar alto de menções no Twitter, Moro sextuplicou de tamanho: saltou de 1,1 milhão de menções, em março, para 6,9 milhões. É mais do que tiveram, somados, os três filhos de Bolsonaro. Foi o maior número de menções ao ex-ministro desde julho do ano passado, quando ainda estavam sendo divulgadas as conversas vazadas da Operação Lava Jato, obtidas pelo site The Intercept. Na época, Moro chegou a ser citado 9 milhões de vezes.
Os desdobramentos da demissão do ministro catapultaram outras figuras no Twitter. A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), de quem Moro é padrinho de casamento, passou de 731 mil menções, em março, para 1,3 milhão em abril. Ela aparece em uma das conversas de WhatsApp vazadas pelo ex-ministro com o objetivo de mostrar que Bolsonaro tentou interferir no comando da Polícia Federal. Na versão de Moro, coube a Zambelli fazer pressão para que ele demitisse o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Em troca, o presidente garantiria a Moro uma vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal (STF).
Zambelli, hoje a principal porta-voz do governo no Câmara, tomou o lado de Bolsonaro. A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-bolsonarista e hoje desafeta do governo, tomou o lado de Moro. No dia em que o ministro anunciou a saída do governo, Hasselmann chamou Bolsonaro de “canalha” e Zambelli de “hipócrita” em postagens no Twitter. A reação veio com nova onda de ataques promovidos por perfis bolsonaristas, dentre eles o de Zambelli e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Os dois impulsionaram a hashtag #GabineteDaPeppa – referindo-se a Hasselmann como Peppa Pig, a porquinha que dá nome ao desenho animado infantil – e divulgaram um áudio em que a deputada supostamente teria pedido a seus assessores que criassem perfis fakes. Ela nega a acusação, alegando que apenas pediu que criassem perfis nas redes, e não robôs.
Joice Hasselmann, que em março teve pouco mais de 250 mil menções no Twitter, saltou para 1,2 milhões em abril. Ficou à frente de figuras centrais do bolsonarismo, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Curiosamente, no final de abril, a imagem da deputada passou a ser usada para tentar queimar a reputação de Moro, após o ministro ter desembarcado do governo. Uma fotografia em que aparecem Joice, Moro e Rodrigo Maia tomando café da manhã, em 2019, voltou a circular nas redes bolsonaristas como se fosse recente. Parecia uma tentativa de resumir, numa só imagem, quem são os inimigos do governo – e por que Moro deixou de ser confiável.
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