O Ginásio do Ibirapuera e o Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães vêm ocupando o noticiário desde o último dia 30 de novembro, quando o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico) negou a abertura do processo para tombamento dos dois prédios. Que esse conjunto é um patrimônio histórico, arquitetônico, esportivo e cultural da cidade de São Paulo é inquestionável, como atestam os pareceres técnicos da UPPH (Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico), órgão que subsidia o próprio Condephaat; o representante do IAB, arquiteto e professor Renato Anelli, que pediu vista do processo; os professores e pesquisadores da área de preservação, os esportistas e a sociedade paulistana. O abaixo-assinado em defesa do velho ginásio ultrapassa 50 mil nomes.
Desconheço um especialista (entenda-se como tal aquele que é uma referência na área da preservação, isto é, que tenha ao menos um texto sobre algum tema relativo à preservação de bens culturais) que não reconheça o Ginásio como um bem cultural, portanto devendo ser tombado. É importante esclarecer que os únicos conselheiros da atual composição do Condephaat com reconhecida especialização nessa área são os oito que votaram favoravelmente ao tombamento. A composição do conselho foi alterada por um decreto de 2019 do governador João Doria, que reduziu drasticamente a representação da universidade, conforme gráfico abaixo. Esse mesmo governo que agora propõe a concessão do Ginásio e do Complexo Esportivo à iniciativa privada por 35 anos.
O projeto prevê transformar o espaço de mais de 90 mil metros quadrados numa arena multiuso para esportes e shows. O ginásio viraria um shopping, mais um a se juntar aos 53 que já existem hoje na cidade de São Paulo.
Esses fatos já foram noticiados pela imprensa ao longo desta semana. O que quero ressaltar, porque acabou anuviado nas discussões, é o caráter deste complexo – uma escola pública de formação de atletas, um lugar onde se educam crianças e jovens em várias modalidades esportivas, não apenas para a formação de alto rendimento, mas a de base.
Não se trata apenas de uma arena para apresentação de concorridos campeonatos nacionais e internacionais. Mas de um espaço público para o ensino persistente e continuado de modalidades olímpicas, constituindo um celeiro de atletas. Entre eles, campeões brasileiros, sul-americanos e olímpicos, que defendem o seu tombamento, como do Atletismo – Maurren Maggi, campeã olímpica em Pequim 2008 e tricampeã nos Jogos Pan-Americanos; Rogério Bispo, tricampeão sulamericano; de Esgrima – Fernando Scavasin, atleta olímpico no Rio de Janeiro, 2016; Heitor Shimbo, medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos em Guadalajara, 2011 e medalha de prata em Lima, 2019; Maju Herklotz, atleta olímpica em Atenas, 2004; da Natação – Poliana Okimoto, medalha de bronze nos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, 2016; do Judô – Rafael Baby, medalha de bronze nos Jogos Olímpicos em Londres 2012 e no Rio de Janeiro, 2016; Leandro Guilheiro, medalha de bronze nos Jogos Olímpicos Atenas 2004 e Pequim 2008; do Vôlei – Ana Moser, medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atlanta, 1996; Isabel Salgado, medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos em San Juan, 1979; Vera Mossa, campeã sul-americana.
A importância dessa estrutura no contexto do esporte brasileiro se comprova ainda pela opção de alguns atletas que, embora aí não tenham treinado, reconhecem o potencial desse lugar para o ensino esportivo, tornando-se técnicos, como Ricardo Prado, medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, 1984, que aí treinou muitos nadadores, e o próprio técnico da seleção brasileira de Atletismo, Nélio Moura.
Mas a relevância desse equipamento esportivo não se mede apenas pelos campeões que aí se formaram. Mede-se sobretudo pelos milhares de outros que por aí passaram e puderam incorporar a prática do esporte nas suas rotinas de vida. O esporte é matéria fundamental de todos os currículos escolares, pois, para além do desenvolvimento físico, estimula a capacidade de atenção, concentração, disciplina, perseverança e superação, contribuindo não só para a formação mais equilibrada das pessoas. Precisa ser entendido também como uma questão de saúde pública. Não por acaso a atividade física vem sendo cada vez mais estimulada pela medicina, e vemos brotar academias a cada esquina.
Achar que uma arena multiuso em meio a um empreendimento hoteleiro e comercial cumprirá o papel desse conjunto público é desconhecer o papel do esporte no desenvolvimento social e a complexidade do ensino das várias modalidades olímpicas, que não se encaixa na dinâmica dos clubes sociais ou das academias. O espetáculo das finais de campeonato é apenas a última etapa de um longo e persistente processo, que precisa não só de um palco, mas de políticas públicas eficientes para o ensino da prática esportiva.
O lugar adequado para a implementação de tais políticas já existe e necessita tão somente de atualização e expansão de suas instalações. Esse bem cultural amplamente reconhecido pela sociedade paulistana deveria ter seu uso potencializado. Era o que propunha o projeto vencedor do concurso nacional de 2003, promovido pelo próprio governo do Estado, e que nunca saiu do papel.