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Nove anos para mudar o mundo

Países vão se reunir na COP26 para tentar fazer o que não conseguiram nas últimas 25 conferências do clima

Bernardo Esteves | 28 out 2021_16h18
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Em meio ao aumento de eventos climáticos extremos em todo o mundo e à pressão da opinião pública, negociadores de quase duzentos países se reúnem em Glasgow, na Escócia, a partir de domingo, dia 31, em busca de soluções políticas para conter o aquecimento global. Ao longo de duas semanas, a 26ª Conferência do Clima das Nações Unidas – ou COP26 – vai tentar definir regras para a implementação do Acordo de Paris. Aprovado em 2015, o acordo estabeleceu como meta manter o aumento da temperatura média do planeta “bem abaixo” de 2ºC em relação ao período pré-industrial, de preferência em até 1,5ºC. O aumento registrado até aqui é de 1,09ºC, conforme o último relatório do IPCC, o painel de cientistas da ONU, maior autoridade científica sobre o assunto. 

Os países combinaram que cada um definiria a sua própria contribuição para diminuir a emissão dos gases que estão esquentando o planeta. É o equivalente a dividir a conta de um extenso banquete com quase duzentos convidados, sendo que nem todos estavam à mesa desde o começo e que cada um comeu e bebeu quantidades bem diferentes. Previsivelmente, a conta não fecha: a soma dos esforços que os países prometeram fazer até 2030 colocou o mundo na rota de um aquecimento de 2,7ºC até o fim deste século, conforme a conclusão de um relatório divulgado esta semana pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Em 2020, as emissões globais de gases estufa tiveram uma redução de 6,4% em relação ao ano anterior, mas a queda não se deve aos esforços dos países para conter a crise climática. O número reflete apenas a retração das economias por causa da pandemia. Na contramão do mundo, o Brasil registrou um aumento de 9,5% de suas emissões no ano passado. Para este ano, a expectativa é que as emissões globais retornem a um patamar próximo ao de 2019. Restam pouco mais de nove anos até o fim de 2030, prazo adotado para a realização dos compromissos assumidos por cada país.

“O que nós faremos nos próximos cinco anos vai determinar o futuro da humanidade no próximo milênio”, disse à piauí o químico britânico sir David King, fundador do Centro de Reparação Climática da Universidade de Cambridge. “É sério assim: esta é nossa última chance”, continuou o cientista, que foi assessor científico do governo britânico por sete anos e, por outros quatro, representante especial do governo para a mudança do clima – King liderou os negociadores britânicos na conferência do clima de Paris. “Se em Glasgow tivermos o entendimento do nível e da iminência da ameaça à humanidade, aí poderemos ter as respostas políticas adequadas.” 

Para o pesquisador, a resposta política adequada envolve renunciar ao carvão, ao petróleo e ao gás natural para a geração de energia – a queima desses combustíveis fósseis é a principal fonte dos gases que agravam o efeito estufa e são responsáveis pelo aquecimento do planeta (no caso do Brasil, no entanto, as principais fontes desses gases são o desmatamento e a agropecuária). É preciso ainda restaurar o gelo na região ártica e remover gases estufa da atmosfera em grande escala e com rapidez, além de aparelhar os diferentes países para se adaptarem aos impactos do aquecimento global já contratado pela humanidade.

“Esse é meu requisito mínimo para um mundo seguro”, afirmou. King reconheceu que seus pleitos são ambiciosos e que parte deles sequer estará em negociação na COP26, antes de apontar o que ele consideraria um resultado satisfatório da conferência: “Acho bastante possível que cheguemos a um bom acordo quanto a deixar os combustíveis fósseis no chão.”

Na agenda dos negociadores em Glasgow, está a discussão de regras para a implementação do Acordo de Paris. Um dos principais nós da negociação envolve a regulamentação do mercado de carbono pelo qual países poderão adquirir créditos de outras nações ou de entidades privadas para ajudar a cumprir suas promessas de redução de emissões, entre outros mecanismos. As delegações precisam decidir como esses créditos serão contabilizados por cada país, dentre outros pontos que vêm causando impasse nas discussões desde a conferência anterior.

Outro tema que deve mobilizar os negociadores em Glasgow envolve o financiamento que os países ricos prometeram aos países em desenvolvimento para ajudá-los a diminuir suas emissões e a se adaptar aos efeitos da crise climática. O combinado era que seriam 100 bilhões de dólares por ano a partir de 2020, e o Acordo de Paris só foi possível depois desse compromisso. No entanto, até agora o volume levantado está em torno de 80 bilhões de dólares por ano. As negociações vão começar sob clima de desconfiança se não houver uma sinalização clara de novos recursos. “A capacidade de os países em desenvolvimento voltarem a acreditar nos países desenvolvidos no jogo climático depende do compromisso do financiamento”, disse à piauí a bióloga Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente.

À desconfiança motivada pela falta de ajuda financeira se somam outras assimetrias entre os países no contexto da conferência do clima. Em plena pandemia de Covid-19, participantes da COP26 vindos dos países classificados na “lista vermelha” do Reino Unido serão obrigados a fazer quarentena. A lista incluía 54 países – inclusive o Brasil – até o início de outubro, quando foi reduzida a sete, todos nas Américas do Sul e Central.

A medida aliviou em parte as críticas ao governo britânico, mas não dissipou o sentimento de que nem todas as delegações chegarão em igualdade de condições a Glasgow, onde os custos de hospedagem durante a conferência subiram a patamares inacessíveis. Para a advogada Stela Herschmann, especialista em direito ambiental, a pandemia acentua a desigualdade entre os países num espaço que deveria ser equânime. “Já havia um desequilíbrio em outras COPs por conta de questões financeiras, do acesso a viagens sempre muito caras, e até pela capacidade dos países de preparar e enviar delegações”, afirmou.

A conferência de Glasgow será o primeiro encontro presencial das delegações desde a COP25, realizada em dezembro de 2019 em Madri. Estava prevista para o ano passado, mas foi adiada em função da pandemia, e as rodadas preliminares de negociação que aconteceram durante o ano foram realizadas de forma remota. Mas a diplomacia costuma funcionar melhor no modo presencial, e os compromissos feitos olho no olho tendem a ser mais sólidos e ambiciosos. “A dinâmica do Zoom favorece o mínimo denominador comum, mas para a mudança do clima isso não é o suficiente”, disse à piauí um integrante do Itamaraty que preferiu se manter no anonimato para não se indispor com seus superiores.

Ehá, por fim, o fantasma da Covid-19 rondando a conferência, que deve atrair até 30 mil participantes vindos de cada país do mundo, de acordo com estimativas publicadas pela imprensa britânica. A Europa é a única região do mundo em que o número de casos de Covid-19 estava subindo na semana passada, apesar das altas taxas de vacinação. A Escócia registrou no início de setembro o maior número de novos casos de Covid-19 desde o início da pandemia, embora o número de mortes e de internações tenha caído com o avanço da vacinação – 71,5% da população escocesa está totalmente vacinada. 

Os protocolos de segurança da COP26 são rígidos. Os participantes terão que apresentar o resultado de um teste rápido feito no próprio dia para acessar o espaço da conferência. Mas um caso que não for identificado pelos testes pode contaminar pessoas vindas de países com realidades bem diferentes de acesso à vacina. Um eventual surto poderia tirar de circulação negociadores importantes de vários países, especialmente daqueles que enviarem delegações menores.

“Temo que este seja um evento superespalhador”, disse sir David King na entrevista à piauí. “Como esta pode ser uma COP bem-sucedida se nações chave não forem representadas por pessoas chave?”, questionou. Aos 82 anos, o químico britânico já tomou três doses de vacina e vai participar da conferência, mas preferiria que boa parte dela fosse realizada de forma remota. 

Perguntei a King que contribuição o Brasil poderia dar para ajudar a levar o mundo rumo a um futuro de 1,5ºC. O britânico disse que, no passado, o país contribuiu como poucas outras nações para fazer frente à crise climática, por conta da proteção às florestas. “Lamento que o Brasil tenha recuado dessa posição e que tenha voltado a perder grandes áreas de floresta a cada ano”, afirmou. “O que eu gostaria de ver do Brasil é um compromisso claro de que não vai mais haver desmatamento nos próximos anos, e que haverá estímulo ao reflorestamento de áreas que já foram destruídas.”

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