O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva confirmou que irá à COP27, a Conferência do Clima das Nações Unidas, que acontece a partir de domingo, 6 de novembro, na cidade de Sharm el-Sheikh, no Egito. O gesto indica a centralidade que o debate sobre a crise climática terá em seu governo, em contraste com o papel secundário que o tema vem recebendo durante o governo de Jair Bolsonaro.
“O meio ambiente e a agenda climática viraram temas centrais para o futuro governo Lula, especialmente depois da adesão de Marina Silva e Simone Tebet”, disse à piauí Natalie Unterstell, especialista em política ambiental e presidente do Instituto Talanoa. “O anúncio da ida à COP é uma sinalização excelente. A primeira visita dele a outro país será justamente para tratar da agenda climática, em uma nação em desenvolvimento no continente africano.”
Lula vai à conferência a convite tanto do presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, quanto do Consórcio de Governadores da Amazônia Legal. Ainda sem ter assumido o mandato que conquistou nas urnas, o presidente eleito vai se juntar aos cerca de noventa líderes internacionais que confirmaram presença na COP27, uma lista que inclui o norte-americano Joe Biden, o francês Emmanuel Macron e o britânico Rishi Sunak.
Já o presidente Bolsonaro, que se alinha com negacionistas da crise climática, nunca foi a uma conferência do clima da ONU. O Brasil deveria ter sediado a COP de 2019, mas o Itamaraty alegou que o país não poderia receber o evento depois que Bolsonaro foi eleito em 2018. Durante aquela campanha, ele cogitou a saída do Brasil do Acordo de Paris, em que quase duzentos países se comprometeram a agir para frear o aquecimento global.
Espera-se que Lula anuncie durante a conferência o nome que assumirá o Ministério do Meio Ambiente, pasta que tem papel central no combate ao desmatamento e à crise climática. Muitos políticos e ambientalistas apostam que Marina Silva, que ocupou o cargo na primeira passagem do petista pelo Palácio do Planalto, pode voltar à Esplanada dos Ministérios. Eleita deputada federal pela Rede-SP, Silva esteve à frente da implementação de um plano de combate ao desmatamento na Amazônia que reduziu a taxa em 80% entre 2004 e 2012.
Outros nomes que aparecem cotados para a pasta são o da bióloga e ambientalista Izabella Teixeira, que ocupou o cargo durante seis anos nos governos de Lula e Dilma Rousseff, e o do senador Randolfe Rodrigues, da Rede-AP, que foi um dos coordenadores da campanha de Lula.
No entorno de Lula, cogita-se também a criação de uma secretaria para o enfrentamento da emergência climática, que responderia diretamente à Presidência e coordenaria políticas públicas envolvendo vários ministérios. “A gente precisa de fato de uma autoridade climática que olhe para a agenda do clima de forma transversal, para além do combate ao desmatamento, e que lide com questões como o preço do carbono”, avalia Natalie Unterstell.
A questão ambiental foi um tema central do discurso que Lula leu após ter sua vitória no segundo turno declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta amazônica”, disse o presidente eleito. Lula comprometeu-se ainda a lutar contra o garimpo e outras atividades ilegais, proteger os povos indígenas, retomar o monitoramento da Amazônia e lutar pelo desmatamento zero do bioma.
“Nesse discurso Lula deu os termos de referência para a agenda de meio ambiente, Amazônia e mudanças climáticas nesses próximos quatro anos”, disse à piauí o engenheiro florestal Tasso Azevedo. “Se o que foi colocado ali for mesmo aplicado, certamente conseguiremos bater com tranquilidade a meta do Brasil no Acordo de Paris.” O compromisso que o país assumiu prevê a redução de 50% das emissões de gases do efeito estufa em relação aos níveis de 2005, entre outras ações.
No entanto, durante o governo Bolsonaro o Brasil se distanciou do cumprimento dessa meta, conforme mostraram dados apresentados esta semana pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (SEEG), coordenado por Azevedo. Os números indicam que as emissões brasileiras de 2021 cresceram 12% em relação ao ano anterior, o maior aumento em dezenove anos. “Desde 1990 não tínhamos o aumento das emissões ao longo de quatro anos seguidos”, disse Azevedo.
O principal fator por trás do aumento das emissões brasileiras é o aumento do desmatamento na Amazônia, que passou de 13 mil km2 no ano passado, o maior valor em quinze anos. O desmatamento em todos os biomas responde por 49% dos gases do efeito estufa que o Brasil lançou na atmosfera em 2021. Em seguida vêm a agropecuária, responsável por 25% das emissões, e o setor de energia, com 18% do total. Os números colocam o Brasil como o quinto maior emissor mundial de gases do efeito estufa, atrás de China, Estados Unidos, Índia e Rússia.
Mas a alta do desmatamento não é a única razão por trás do aumento. “Surpreendeu que houvesse um aumento expressivo em praticamente todos os setores”, disse Azevedo. No setor de energia, por exemplo, o crescimento das emissões foi motivado por fatores como a crise hídrica que levou ao acionamento de usinas termelétricas que usam combustíveis fósseis para a geração de eletricidade.
De acordo com os números do SEEG, o Brasil teve emissões brutas de 2 423 milhões de toneladas de CO2 equivalente (essa unidade é usada para equiparar o efeito dos diferentes gases do efeito estufa). Se forem contadas apenas as emissões líquidas – que levam em conta o gás carbônico capturado da atmosfera pelas florestas –, o número chega a 1 756 milhões de toneladas de CO2e. Esse número é 37% maior do que a meta que o Brasil assumiu para 2030, que é de emitir 1 281 milhões de toneladas de CO2e.
E a expectativa é de que as emissões de 2022 sejam ainda maiores que as do ano passado, já que o desmatamento segue em tendência de alta. “Temos um governo que se revelou uma verdadeira bomba climática, uma máquina de gerar aquecimento global e de jogar carbono para a atmosfera no planeta”, disse o ambientalista Márcio Astrini no evento de lançamento dos dados do SEEG. “O governo abandonou a agenda de clima e fez tudo o que podia para destruir a governança ambiental do país, especialmente na Amazônia, que é o nosso maior foco de emissões”, continuou Astrini, que é secretário executivo do Observatório do Clima.
Os principais desafios do Brasil para o enfrentamento da crise climática foram o tema da segunda temporada do podcast A Terra é redonda (mesmo). Os oito episódios estão disponíveis no site da piauí e nos principais tocadores de podcast.