O ditado brasileiro de Henry Miller
Henry Miller é hoje considerado um dos maiores escritores americanos do século XX e foi, sem dúvida, um dos mais cosmopolitas. Viveu por muito tempo na Europa, especialmente em Paris, e conviveu com quase todos os expoentes da arte e da literatura na primeira metade do século XX.
Nos anos 1950 e 1960 ganhou fama de autor maldito, devido à crueza e realismo de seus romances , Plexus e Sexus, que abordavam com franqueza o sexo, então ainda pouco tratado dessa forma na literatura.
Miller teve uma vida longa e manteve uma abundante correspondência com amigos e conhecidos: há talvez mais cartas dele guardadas hoje em instituições ou circulando pelo mercado do que de qualquer outro escritor americano importante de sua geração.
O escritor cultivava a arte e o prazer das missivas manuscritas, e caprichava nos papéis de carta, às vezes decorados por trabalhos de amigos artistas ou mesmo com seus próprios desenhos, pois sua obra como pintor amador é bastante considerável.
Nas décadas de 1950 e 1960, Miller optou por um papel de carta mais simples, sempre com seu nome e endereço impressos em preto na parte de cima e com vários ditados, em diversas línguas, que se alternavam impressos em vermelho na parte inferior da primeira folha. Havia de fato encomendado à papelaria uma dezena de maços diferentes, nos quais a linha em vermelho podia tanto ser uma citação literária em inglês quanto um ditado popular em língua exótica.
No caso da carta reproduzida nesta página, o ditado em vermelho está em português, (apesar da palavra “quando” ser grafada à maneira espanhola “cuando”):
“Cuando merda tiver valor, pobre nasce sem cu”.
Miller deve ter ouvido esse ditado algo chulo (que não costuma constar nos livros clássicos de citações), repetido por algum amigo brasileiro. Gostou e resolveu incorporá-lo aos ditados de seus papéis de carta. Assim fazendo, disseminou a frase no mundo inteiro, ainda que tenha sido entendida por muito poucos, pois a grande maioria de seus correspondentes certamente mal prestou atenção, ou não conseguiu decifrar, a frase em vermelho que constava abaixo de seu texto manuscrito.
A carta em si, dirigida a um conhecido, é bastante banal e reclama da falta de tempo para escrever um prefácio. O que a torna um documento notável, sobretudo, para nós, é naturalmente o ditado brasileiro escolhido por Henry Miller.
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