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O jovem Portinari

Dos grandes artistas brasileiros do século XX, Cândido Portinari faz parte daqueles cuja obra foi reconhecida mais cedo. Aos 35 anos, era já tido como o maior pintor de sua geração. Em 1939, o Museu Nacional de Belas Artes expôs quase 300 obras suas, numa mostra visitada por Getúlio Vargas, que consagrou definitivamente o artista. Aos 37 anos, em 1941, foi o primeiro brasileiro a ter uma exposição no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.

| 21 maio 2013_17h51
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Dos grandes artistas brasileiros do século XX, Cândido Portinari faz parte daqueles cuja obra foi reconhecida mais cedo. Aos 35 anos, era já tido como o maior pintor de sua geração. Em 1939, o Museu Nacional de Belas Artes expôs quase 300 obras suas, numa mostra visitada por Getúlio Vargas, que consagrou definitivamente o artista. Aos 37 anos, em 1941, foi o primeiro brasileiro a ter uma exposição no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.

Mas o começo de sua carreira não fora fácil. Nascido no interior paulista, saiu ainda jovem para o Rio de Janeiro.  Almejava o prêmio do Salão Nacional de Belas Artes. Mas a primeira obra que apresentou, em 1924, foi recusada. Quatro anos mais tarde, em 1928, após três tentativas malsucedidas, Portinari ganhou o prêmio da Escola Nacional de Belas Artes com o “Retrato do poeta Olegário Mariano” e conquistou como recompensa uma viagem à Europa.

Em Paris, encontrou a jovem uruguaia Maria Martinelli, que se tornou sua mulher e encheu os olhos de arte durante quase dois anos. Visitou todos os museus e exposições e recebeu dos modernistas europeus uma influência decisiva que revolucionou os contornos de sua obra.

Em 1931 voltou ao Rio de Janeiro convencido de que o Brasil deveria ser o principal tema de seu trabalho, e decidido a abandonar a formação acadêmica que lhe valera o prêmio de viagem.

A carta inédita, mostrada nesta página, escrita em Paris em 12 de novembro de 1930, é especialmente significativa, pois mostra o estado de espírito do jovem artista de 27 anos. Portinari a dirige a um de seus principais patronos, Olegário Mariano, escritor rico que ajudava a sustentá-lo na Europa (e cujo retrato fora premiado em 1928). Dirige-se a Olegário como “Olegário meu nêgo” e assina com seu apelido “Candinho”.

Boa parte da carta é dedicada a assuntos financeiros, mas as outras páginas trazem dois parágrafos interessantes:

“Continuo cheio de saudades de todos de nossa casa. Isso aqui é muito bom, muito gostoso, mas quem nasceu aí, não pode viver muito tempo fora

O Brasil é mais bom, muito mais. Depois, a gente se lembra de tudo e de todas as coisas desarranjadas do Brasil, da terra da gente – das igrejas sem estilo, daquela gente boa que não sabe ler… Aqui é tudo arrumadinho, as igrejas dos lugarejos mais bestas são de estilo puro. O pessoal daqui sabe os direitos que tem. Oh! coisa sem sal…

Estou com uma saudade danada de todos de nossa casa”.

A carta data de pouco mais de um mês após a Revolução de 1930, mas Portinari não fala de política. Evoca sua aspiração profunda de volta às raízes, que de fato caracterizou sua obra nos anos seguintes, e dá origem a seu período mais significativo, que dura até o final da guerra.

Então alheio a politica, Portinari resolve também recomendar a Olegário um amigo seu de 35 anos, escritor e politico paulista, que se havia notabilizado quatro anos antes por um romance de aspirações modernista chamado O Estrangeiro. Tratava-se de Plinio Salgado, já deputado, que na época acabava de apoiar a Revolução de Getúlio Vargas, apesar de ter feito campanha para seu adversário, Júlio Prestes.

Portinari o recomenda nos seguintes termos:

“Desejo que você e o Plinio Salgado se conheçam pessoalmente. Ele e eu temos sido companheiros batutas. Falamos sempre em você e em nossa casa. O Plinio, apesar de ser deputado paulistano e amigo do Prestes, é um caboclo dos bons. Já pedi a ele que fosse procurar você. O Plinio é bastante acanhado e deve embarcar no dia 24 deste no [navio] Conte Verde”.

Dois anos mais tarde, Plinio Salgado fundaria o Partido Integralista, versão nacional do fascismo Mussoliniano. Treze anos depois Candido Portinari se filiaria ao Partido Comunista. A amizade com Plinio Salgado naturalmente esfriaria tão logo este fundasse seu movimento.

Os anos 1930 foram um período de criação fecunda no Brasil, durante o qual vários artistas e intelectuais deram guinadas à direita, ou à esquerda, das quais mais tarde se arrependeriam. O integralismo contou com a simpatia surpreendente até mesmo do jovem D. Helder Câmara (mais tarde tido como comunista pela Ditadura Militar) e o comunismo chegou a contar em suas fileiras com um jovem de dezoito anos que tornou-se depois o ultra-direitista Carlos Lacerda.

Portinari não podia naturalmente prever o futuro e expressava apenas sua simpatia pessoal.

Esta carta foi herdada de Olegário Mariano por um destacado intelectual carioca, cujos descendentes a venderam há 15 anos para o seu atual detentor. Permaneceu, assim, desconhecida dos estudiosos da biografia do grande pintor brasileiro.

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