Caminhando com os mortos se passa numa pequena cidade no interior do Brasil, onde uma mulher é queimada viva pela própria família em um ritual religioso sob a justificativa de purificação da alma por não seguir os preceitos divinos. Qualquer semelhança com a Santa Inquisição e o discurso de ódio a partir da doutrinação religiosa não é coincidência. A obra é da escritora e historiadora pernambucana Micheliny Verunschk, também autora de O som do rugido da onça, vencedor do prêmio Jabuti no ano passado.
Caminhando com os mortos retrata sucessivos episódios de violência que ocorrem no povoado desde que evangélicos se instauraram no local. Eles passaram a cooptar a comunidade, que tem passado indígena e negro, para a crença neopentecostal. O discurso radical do pastor foi capaz de mudar a rotina e arruinar a vida de todo um território. Os assassinatos que ocorrem não são causados apenas pelo fanatismo religioso, mas também pela intolerância com o corpo – em especial de mulheres e de minorias.
Com um tom catártico e um ritmo agitado, o livro perpassa fragmentos do passado e do presente que ajudam a explicar como a realidade daquela cidade mudou tanto depois da chegada do líder religioso. O romance aborda a dor do luto e a importância de manter viva a memória de quem já partiu. É uma história sobre intolerância, lavagem cerebral e feminicídio, além de ser uma denúncia do conservadorismo e da manipulação religiosa no Brasil. A partir de uma narrativa difícil de digerir, Verunschk dá certa esperança quando parafraseia um dito popular na epígrafe: “Se Deus é grande, o mato é maior.”
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