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O mapa astral dos surrealistas

O escritor francês André Breton é considerado hoje o pai do Surrealismo, pois foi de fato o líder principal e mais dogmático do movimento surgido na França nos anos 1920, que influenciou profundamente a literatura e as artes plásticas por várias décadas em todo o mundo.

Breton exercia uma espécie de fascínio sobre um extenso grupo de escritores e artistas mas não admitia sequer discussão sobre certos pontos que considerava princípios intocáveis do Surrealismo, o que logo começou a incomodar muitos de seus seguidores ? que romperam com Breton mas continuaram a se considerar surrealistas.

| 02 nov 2011_12h54
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O escritor francês André Breton é considerado hoje o pai do Surrealismo. Foi de fato o líder principal e mais dogmático do movimento surgido na França nos anos 1920 que influenciou profundamente a literatura e as artes plásticas por várias décadas em todo o mundo.

Breton exercia uma espécie de fascínio sobre um extenso grupo de escritores e artistas. Mas não admitia sequer discussão sobre certos pontos que considerava princípios intocáveis do Surrealismo, o que logo começou a incomodar muitos de seus seguidores ? que romperam com Breton mas continuaram a se considerar surrealistas.

O próprio Breton não se furtava a excomungar ex-adeptos com os quais nem chegara a se desentender, mas que considerava que tomavam caminhos que desaprovava. Foi o caso, por exemplo, daquele que é hoje talvez o mais famoso artista do Surrealismo, Salvador Dali, rejeitado brutalmente por Breton quando sua carreira nos Estados Unidos começou a trazer-lhe muito dinheiro: o escritor francês apelidou-o maldosamente “Avida Dollars”, anagrama de Salvador Dali, e rompeu publicamente com ele.

O grupo inicial ? que ainda hoje é visto como núcleo histórico do Surrealismo na literatura ? era formado por André Breton, poeta e romancista, pelo grande poeta Paul Éluard, companheiro de sanatório de Manuel Bandeira na Suíça nos anos 1910, e pelo também poeta e romancista Louis Aragon, todos figuras marcantes da literatura francesa da primeira metade do século XX.

De peso literário um pouco inferior, fez também sempre parte desse grupo fundador o escritor Philippe Soupault, integrante de primeira hora do movimento, mas hoje lembrado com menos frequência devido a sua obra de menor repercussão.

Soupault era filho de uma família rica e frequentava as estações balneárias então na moda. Numa delas tornou-se amigo de Marcel Proust, 25 anos mais velho, e foi o único dos surrealistas a ter tido um contato maior com a maior figura literária do século XX francês.

Ao morrer, em 1966, Breton só liderava alguns fanáticos de menor expressão e conseguira romper – e ás vezes reconciliar-se – com a maior parte de seus amigos de juventude e adeptos históricos do Surrealismo. Não foi o caso de Soupault que manteve relações cordiais com Breton por toda a vida e respeitou sua memória nos quase 25 anos em que sobreviveu ao companheiro.

Entre os muitos interesses de Breton na meia-idade figurava a astrologia, ainda praticada nos anos 1940 de forma quase artesanal. Para realizar então um mapa astral ? que hoje sai em segundos em programas de computador, ? eram necessários cálculos manuais bastante trabalhosos e o astrólogo amador (ou profissional) passava quase tanto tempo na elaboração física dos mapas que na sua interpretação. Outro grande escritor apaixonado por astrologia foi Fernando Pessoa, do qual se conhecem mapas astrais manuscritos não somente de amigos e conhecidos, como de seus próprios heterônimos! Enquanto os mapas de Pessoa eram inteiramente manuscritos, Breton usa aqui um formulário mimeografado para completá-lo com o mapa astral de Philippe Soupault, reproduzido nesta página.

Os planetas e sua posição são cuidadosamente desenhados e observa-se uma curiosa concentração absoluta dos planetas de Soupault no lado direito do mapa, nas casas 4 a 11, o que raramente ocorre e deve ter dado oportunidade a longas interpretações de Breton para Soupault.

Poucos trabalhos astrológicos de Breton chegaram até nós, pois a grande maioria foi perdida ou destruída pelas pessoas estudadas. Que tenha sobrevivido justamente o de Philippe Soupault traz um novo aspecto à relação extremamente rica e constante que mantiveram por várias décadas os dois fundadores do Surrealismo.

Este documento foi dado por Soupault a um amigo e adquirido no ano passado de seus descendentes por seu atual detentor.

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