O melhor negócio do século

No final de século XIX, e sobretudo no começo do século XX, observou-se  finalmente a confirmação do sucesso dos pintores impressionistas, até então violentamente rejeitados pela crítica oficial e pelo público. Ao longo do século XX esses artistas passaram a dominar a preferência dos colecionadores, dos museus e de seus visitantes.

A extraordinária celebridade atual de pintores como Claude Monet, Auguste Renoir, Edouard Manet, ou mesmo os chamados pós-impressionistas Paul Gauguin e Vincent Van Gogh, faz às vezes esquecer a tremenda pobreza na qual quase todos os pintores do Movimento Impressionista tiveram que viver no começo de suas carreiras.

A apreciação da arte nos anos 1860 e 1870 na França era uma ciência muito simples. As autoridades organizavam todo ano um salão para expor o que consideravam a melhor pintura, e os artistas mais importantes eram aqueles que ganhavam a medalha de ouro, de prata ou de bronze. Com isso, suas obras podiam ser compradas sem susto pelas famílias endinheiradas. Não ocorria a nenhum comprador sério de arte comprar um quadro de um pintor que não tivesse pelo menos sido aceito para expor suas obras no salão, e a preferência ia naturalmente para os que ganhavam prêmios. Bastava-se, portanto guiar-se pelos resultados dos sucessivos salões para se compor com toda segurança uma coleção com os trabalhos dos artistas que o júri laureava.

Naturalmente, o trabalho de Manet, primeiramente, e em seguida dos impressionistas, era de tal forma novo e criativo que suscitou uma rejeição violenta por parte do júri, que recusou praticamente as obras de Manet e dos impressionistas ao longo de toda a década de 1870. Com isso, esses jovens pintores eram praticamente privados de seu sustento. Ainda assim, mantinham-se no seu caminho e o Impressionismo, fundado informalmente em 1873 com o quadro de Monet chamado “Impressão, sol nascente” ganhava novos adeptos entre pintores dispostos a vender muito pouco ou nenhum quadro.

Alguns artistas vinham de famílias mais ricas, como Edgar Degas ou Gustave Caillebotte, mas eram uma clara minoria e tentavam ajudar seus pares. Caillebotte, de família abastada formou uma coleção tão grande das obras de seus colegas, que constitui até hoje a doação mais importante de pintura impressionista recebida pelos museus franceses.

Claude Monet, o fundador do impressionismo estava entre os mais pobres de seus seguidores. O documento aqui reproduzido é um testemunho pungente da imensa dificuldade que o artista ainda tinha em 1875 para vender seus quadros. Trata-se de um acordo firmado entre Monet e o irmão de seu colega artista Edouard Manet, Gustave, que lhe concede um empréstimo de mil francos, equivalentes talvez em poder aquisitivo a cinco mil reais nos dias de hoje. Em garantia do empréstimo Monet deixa quadros com um leiloeiro para que a venda destes possa ressarcir o empréstimo. O que impressiona é a quantidade dos quadros, nada menos que trinta e cinco!:

Feito em Paris, no ano mil oitocentos e setenta e cinco, a dezoito de Outubro”.

O quadro da mulher japonesa em tamanho natural é hoje um dos orgulhos do Museu de Boston e cada um dos outros trinta e quatro quadros que Monet deixou em garantia, que valiam cada um por volta de duzentos reais na época, valem hoje cada pelo menos dois milhões de dólares.

Este documento foi comprado há trinta anos em Paris por seu atual detentor. Foi vendido apenas como um documento notarial sem maior interesse de Monet, pois o livreiro que o possuía falhou em compreender o enorme alcance simbólico de seu conteúdo.