O economista Paulo Guedes, com quem Jair Bolsonaro consumou um casamento de conveniência para chegar ao Planalto, gosta de dizer que já flertou com diversos governos antes de aderir à candidatura do ex-capitão do Exército pelo PSL. Segundo ele, foram desde sondagens para ser diretor do Banco Central no governo de João Figueiredo e de Tancredo Neves até uma conversa com Dilma Rousseff às vésperas da demissão de Joaquim Levy, em 2015 – passando por um flerte rápido com Zélia Cardoso de Mello, ministra da Fazenda de Fernando Collor de Mello, no início da década de 90. Pouco antes de se engajar na campanha de Bolsonaro, Guedes foi o primeiro a incentivar Luciano Huck a se candidatar a presidente. São tantas e tão variadas suas histórias como personagem acidental dos bastidores do poder que ele poderia ser comparado a um Forrest Gump da economia brasileira. Num desses momentos, porém, Guedes estava do outro lado do balcão. Ao invés de ser ele o assediado, era ele quem tentava atrair um membro do governo. Durante mais de um ano, o atual conselheiro de Bolsonaro tentou transformar em sócio Henrique Meirelles, que estava terminando sua gestão no Banco Central de Luiz Inácio Lula da Silva – e, hoje, é candidato a presidente pelo MDB. Não deu certo. Depois de mais de um ano esperando pelo possível sócio, foi ele quem tomou um bolo.
Corria o ano de 2010 e Guedes era sócio majoritário da BR Investimentos, uma gestora de recursos criada para investir em empresas que pudessem abrir o capital na bolsa, lucrando com a valorização. O primeiro setor em que a BR aplicou o dinheiro foi o educacional, comprando a Abril Educação, de material didático, a Anima, de faculdades, e a HSM, especializada em conteúdo para executivos. Nessa época, os investidores de Guedes eram basicamente fundos de pensão de estatais federais – como a Petros e a Previ –, trazidos por ele e dois diretores: Manoel Cordeiro, ex-diretor de investimentos do fundo de pensão da Vale, e Ricardo Pinto de Oliveira, diretor da BR que era amigo de Meirelles. Ricardinho, como era conhecido no mercado, era dono de corretoras, mas estava proibido pelo Banco Central de exercer cargos em instituições financeiras até 2024, como punição por sua participação no esquema dos precatórios, em 2004. Havia sido também acusado por uma comissão de inquérito da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, de participar de um esquema de fraudes em vendas de ações para a Centrus, o fundo de pensão do Banco Central. Na CVM, que regula as gestoras, ele foi absolvido em 2010.
Amigo de Meirelles e sócio de Guedes, Ricardinho apresentou um ao outro. E, segundo Guedes, deu liga. “Passamos dois anos jantando, um sábado sim, dois não. Volta e meia a gente estava jantando e conversando sobre a crise de 2008. Meirelles soube da crise antes do Ben Bernanke [então presidente do Banco Central dos Estados Unidos]. Pergunte a ele.” Guedes tinha tanta certeza de que a crise viria que chegou a apostar na queda dos índices de ações americanos, tanto na pessoa física como na jurídica, da gestora Fidúcia, da qual ele foi sócio de 2005 a 2007. O tempo mostrou que ele estava certo, mas, nessa jogada de mercado, ele perdeu dinheiro. As bolsas americanas demoraram mais a cair do que Guedes tinha de cacife para apostar. Mesmo com prejuízo, teve de abandonar suas apostas antes de a crise dos bancos derrubar as bolsas do mundo todo, em 2008. Timing é tudo.
As conversas e jantares sem fins lucrativos de Guedes e Meirelles se converteram em papo mais sério a partir do segundo semestre de 2010, quando o então presidente do Banco Central começou a avaliar suas alternativas profissionais para quando saísse do governo. Ricardinho entrou em ação novamente, e começou a trabalhar para que Meirelles fosse para a BR Investimentos. Para Guedes, a chegada de Meirelles ampliaria significativamente o rol de contatos e o prestígio de sua gestora, uma vez que o ex-presidente do BC tinha, então, acesso às maiores e mais importantes instituições financeiras do mundo.
A negociação caminhou bem, a ponto de Guedes e Ricardinho alugarem uma sala extra no andar em que mantinham seu escritório, na torre do Shopping Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro, para esperar pelo ministro. Meirelles, porém, disse que antes teria de cumprir uma quarentena no Conselho Olímpico do governo Dilma, que ocupou de 2011 a 2015. A sala ficou vazia por alguns meses. Vez por outra, Ricardinho procurava Meirelles para saber se ele ainda tinha interesse em participar da gestora, e acabava decidindo esperar um pouco mais. Em 2012, o ex-presidente do Banco Central se tornou conselheiro da gestora americana KKR, uma das maiores do mundo, e presidente do conselho do banco Lazard, outro gigante. No mesmo ano, ele foi contratado por Joesley Batista, dono do grupo J&F, para montar o banco Original. A sala alugada por Guedes e Ricardinho foi devolvida. Meirelles, por sua vez, tocou a vida e preferiu esquecer o episódio.
Da primeira vez em que procurei o candidato do MDB para saber de sua ligação com Guedes, ele foi lacônico. Mandou responder por sua assessoria de imprensa. “Ele diz que se encontrou com um número enorme de economistas naquela época, o que pode incluir o Paulo Guedes.” Dias depois, quando eu soube, por um ex-sócio de Guedes, da tentativa de sociedade com Meirelles, procurei novamente o ex-ministro, que, desta vez, de novo por meio da assessoria, contou só um pouco mais: “Henrique Meirelles avaliou esse e outros convites depois que deixou a presidência do Banco Central e concluiu que essa opção não era conveniente.”
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Para saber mais sobre quem é o economista Paulo Guedes, o guru de Jair Bolsonaro, leia o perfil publicado na edição de setembro da revista piauí, nas bancas e disponível aqui para assinantes.