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    Dos oito deputados federais eleitos em 2018, restaram três: Marcel Van Hattem (RS), Adriana Ventura (SP) e Gilson Marques (SC) Foto: Talles Kunzler / Novo

anais da política

O partido Novo está se esforçando o suficiente?

Fiasco em 2022, a legenda troca o discurso de meritocracia pela velha política e deixa de ser o próprio patrão: agora, seus filiados podem usar dinheiro público nas eleições

Yuri Eiras | 11 mar 2024_10h33
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Quando os fundadores do Novo bateram à porta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para registrar o partido, dez anos atrás, o 24, o 30, o 66 e o 99 estavam entre os números eleitorais disponíveis. Não foi preciso muita discussão: o 30 caía como uma luva. Remetia à idade de um jovem maduro, público que a legenda pretendia representar, e além de tudo apontava um objetivo de longo prazo: em 2030, o partido elegeria o presidente da República.

Mas o Novo ruiu. Depois de um bom começo, perdeu cadeiras na Câmara dos Deputados, viu o número de filiados minguar (já teve 48 mil, hoje são 43 mil) e implodiu diante do dilema: aderir ou não à extrema direita? João Amoêdo, presidenciável novista, não titubeou e declarou apoio a Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018. Depois hesitou, advogou que o partido fosse independente do governo, mas era tarde demais: quando vieram a pandemia, as lives, a tentativa de golpe, o Novo já repousava confortavelmente nos braços do bolsonarismo.

Os dissidentes debandaram, caso de Amoêdo, ou se calaram. O eleitor, tendo de escolher entre o bolsonarismo e sua cópia, preferiu o original. Assim, Luiz Felipe D’Ávila, presidenciável do Novo em 2022, recebeu apenas 560 mil votos menos de um quarto do que Amoêdo obtivera em 2018. O Sensacionalista fez a piada inevitável: “Partido Novo não se esforçou o suficiente e perde mais uma eleição presidencial”. A bancada de oito deputados federais encolheu para três. No segundo turno, o partido publicou uma nota cifrada: orientou os filiados a votarem seguindo a consciência e os princípios partidários, mas em seguida frisou ser “totalmente contrário ao PT”. 

Agora há uma nova eleição a caminho. Como Bolsonaro perdeu, mas ainda detém o monopólio sobre a direita, o partido que já foi o preferido da Avenida Faria Lima quer recuperar seu market share político e para isso recorreu a um rebranding. Um de natureza prática, mais do que ideológica. No último dia 23, em nota enviada aos filiados, o partido contradisse uma de suas principais bandeiras e anunciou que vai usar dinheiro do Fundo Eleitoral na eleição de outubro. A bolada é estimada em 32 milhões de reais. (O site do partido, contudo, ainda insiste no fim dos fundos eleitoral e partidário. Deste último o Novo não pode usufruir, porque não alcançou a cláusula de barreira na eleição passada).

Uma guinada e tanto. Em 2022, o partido fez estardalhaço ao devolver para o TSE os 89 milhões de reais a que teria direito. “É possível fazer política com dignidade e respeito ao dinheiro do pagador de imposto”, celebrou D’Ávila, numa coletiva de imprensa realizada na época. Não se sabe se o partido perdeu a dignidade ou o respeito pelo dinheiro do pagador de imposto.

O Novo também flexibilizou a regra segundo a qual parlamentares devem rejeitar verbas acessórias, como auxílio combustível e auxílio moradia. “Existe um entendimento interno no partido de que é preciso separar o joio do trigo”, justifica Pedro Duarte (Novo), vereador pelo Rio de Janeiro. “Alguns auxílios são absurdos, despropositados, muitas vezes sem nenhuma comprovação de necessidade e uso real do recurso. Outros podem ser bem usados, desde que com transparência.” Duarte diz nunca ter aceito os auxílios oferecidos pela Câmara do Rio.

 

O plano de eleger um presidente em 2030 começou modesto, mas bem. Em 2016, o Novo emplacou quatro vereadores em cinco capitais. Em 2018, elegeu Romeu Zema para o governo de Minas Gerais. Abocanhou, além disso, oito cadeiras na Câmara. Surfando o antipetismo, Amoêdo conseguiu 2,6 milhões de votos na disputa presidencial, terminando à frente de Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos) e Henrique Meirelles (então no MDB), resultado acima das expectativas do próprio partido. E então veio o segundo turno. Bolsonaro levou.

“Isso foi a nossa ruína”, diz Christian Lohbauer, cientista político que se candidatou como vice de Amoêdo. Hesitante entre aderir ou não ao governo, o partido rachou. Amoêdo, até então sua principal liderança, passou a usar as redes sociais para criticar Bolsonaro, sobretudo durante a pandemia, mas faltou combinar com o resto do partido. “O silêncio seria precioso”, diz Lohbauer, filiado à ala do Novo mais alinhada ao bolsonarismo. “Mas o Amoêdo era hiperativo, e o Twitter o contaminou. As pessoas achavam que o Novo pensava como ele.”

O partido chegou a planejar uma festa para fevereiro de 2020, data em que, segundo projeções, alcançaria a marca de 50 mil filiados. Foi quase: atingiu 48 mil. Em seguida vieram a pandemia e a crise interna. Depois de muito bater cabeça, o partido terminou o ano de 2021 com pouco mais da metade dos filiados que tinha. Lohbauer se desfiliou, irritado com a postura de Amoêdo, mas retornou em 2022 e segue no partido até hoje. Amoêdo, por sua vez, renunciou à presidência do Novo em 2020 e se desfiliou dois anos mais tarde. 

O partido sofreu outras deserções importantes, como a de Paulo Brant, ex-secretário estadual de cultura de Minas Gerais que, em 2018, foi eleito vice-governador na chapa de Romeu Zema. “Eu assumi a coordenação política do governo e me deparei com vários problemas, como a inexperiência total do pessoal do partido. Havia uma grande dificuldade de entender a realidade do setor público. Muita gente do Novo argumentava assim: ‘ganhamos a eleição com nossa bandeira ultraliberal, antiestatizante, e a Assembleia Legislativa vai ter de aprovar isso’”, relata Brant. “Essa incapacidade de lidar com a política era muito difícil. Havia uma confusão de achar que a gestão privada é igual a gestão pública. Absolutamente não é.”

Brant assinou sua carta de desfiliação em março de 2020. A gota d’água, ele conta, foi a negociação pela recomposição salarial dos agentes de segurança pública de Minas. Tratava-se de um assunto relevante no estado, já que o atraso dos pagamentos ao funcionalismo público havia sido uma marca do governo anterior, de Fernando Pimentel (PT), e fora explorado na campanha eleitoral. Era a chance de o Novo mostrar a que veio e resolver de vez o pepino.

Um acordo entre Zema e as polícias havia sido firmado, no começo daquele ano, estabelecendo um aumento salarial escalonado de 41% até 2022. O projeto de lei do governo foi enviado à Assembleia Legislativa e aprovado, mas, ao voltar para as mãos de Zema, foi sancionado apenas em parte. Em vez dos 41%, o governador autorizou um aumento de apenas 13%, sob o argumento de que o Regime de Recuperação Fiscal seria inviabilizado caso a mudança, costurada por seu próprio vice, fosse autorizada. “Considerei aquilo um ultraje”, diz Brant.

Em 2022, Zema foi reeleito no primeiro turno, apertando ainda mais forte as mãos de Bolsonaro. Hoje, Paulo Brant é pré-candidato à prefeitura de Belo Horizonte pelo PSB.

 

Como parte do rebranding, o Novo encomendou estudos sobre uma possível mudança de nome, mas o plano foi descartado por ora (o partido não quis informar quais nomes foram cotados). A ortodoxia liberal foi largada pelo caminho. Não há, porém, sinais de que o Novo esteja se afastando do bolsonarismo. Pelo contrário. Eduardo Ribeiro, empresário catarinense de 35 anos que preside o partido desde que Amoêdo renunciou ao cargo, em 2020, estava havia poucos dias exaltando a manifestação convocada por Bolsonaro na Avenida Paulista, que reuniu uma multidão para protestar contra Lula e o Supremo Tribunal Federal.

Marcel Van Hattem (Novo-RS), 38 anos, deputado federal e líder da facção bolsonarista no partido, compareceu. “A manifestação foi muito além de uma defesa do Bolsonaro: foi uma defesa do estado de direito, da liberdade, e uma rejeição às medidas autoritárias e abusivas do Supremo, bem como para demonstrar rejeição ao desgoverno de Lula”, justificou à piauí.

Em uma foto publicada nas redes sociais, Van Hattem aparece no ato ao lado de Zema e do ex-procurador Deltan Dallagnol, que hoje ocupa o cargo de “embaixador” do Novo. Eleito deputado federal em 2022, ele foi cassado pelo TSE no ano passado. Os ministros entenderam que ele havia pedido exoneração do Ministério Público Federal para escapar de uma provável punição em processos que investigavam sua conduta na operação Lava Jato.

Dallagnol filiou-se ao Novo em setembro de 2023. É uma aposta do partido, que dispõe de poucas figuras nacionalmente conhecidas e tem baixa presença municipal (o Novo só tem trinta vereadores atualmente, sendo 28 deles no Sul e no Sudeste; prefeitos são quatro dois em Minas, dois em Santa Catarina). E é um bom ganha-pão para o ex-procurador, que está recebendo 41 mil reais, pouco mais do que embolsava quando ainda era deputado. Seu job description consiste em engajar eleitores nas redes, atrair filiados e orientar candidatos. Ele é, além disso, o provável candidato do partido à prefeitura de Curitiba, cidade onde mora.

O plano do Novo na eleição de outubro é cativar o eleitor simpático a Bolsonaro, que o apoia nas pautas de costumes mas tem interesse em economia. Christian Lohbauer dá uma explicação pragmática. Diz ele: “Ou o partido vai ser irrelevante para sempre, ou vai ter que participar de coisas como a que aconteceu na Avenida Paulista. No Brasil atual se desenha um rearranjo do Centrão-direita, que é onde o Novo tem que se abrigar. Do outro lado está a esquerda. Então o Novo tinha de estar na Paulista, sim. Ou a gente se junta a forças mais ou menos parecidas conosco, pagando o preço por isso, ou a gente vai desaparecer.”

Amoêdo, seu ex-companheiro de chapa, acha a última hipótese provável. “O Novo não tem quadros, não tem capilaridade e a estratégia de ser um partido bolsonarista não faz sentido, pois o PL já ocupa esse espaço. O dinheiro vai acabar. Acho que o partido caminha para terminar com uma fusão ou um desaparecimento lento.” Um diagnóstico doloroso de se fazer, considerando que Amoêdo investiu aproximadamente 4,5 milhões de reais para alavancar o Novo entre 2011 e 2014, segundo estimativa própria. A essa altura, no entanto, o empresário, que voltou a se dedicar ao mercado financeiro, parece já ter se desapegado do partido que ajudou a criar. “Não vejo futuro no Novo porque não vejo futuro no bolsonarismo.”

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