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    Um outdoor na cidade de Rio Largo (AL) mostra a proximidade entre Lira e o prefeito Gilberto Gonçalves

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O protegido de Lira e o sumiço do celular

Operação da Polícia Federal apura desvios de pelo menos 12 milhões e afasta prefeito em reduto eleitoral do presidente da Câmara

Breno Pires | 11 ago 2022_13h56
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Na segunda-feira (22/08), onze dias depois da publicação da reportagem abaixo, o prefeito de Rio Largo (AL), Gilberto Gonçalves, foi preso na segunda fase da operação Beco da Pecúnia. A PF entendeu que ele tentou atrapalhar a investigação ao jogar seu celular para o terreno do vizinho, o que foi considerado tentativa de destruir provas. O prefeito foi preso em casa e exerceu o direito de permanecer em silêncio.

Oprefeito Gilberto Gonçalves (PP), de Rio Largo-AL, muito próximo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), estava em casa na manhã desta quinta-feira, 11, quando a Polícia Federal apareceu para cumprir mandado de busca e apreensão. GG, como gosta de se apresentar, já sabia que era alvo de uma investigação por suspeita de desvio de até 12 milhões — o pedido da Polícia Federal vazou antes mesmo de a Justiça decidir se autorizava ou não. Mesmo assim, o prefeito tomou um susto e, no calor do momento, atirou o celular por cima do muro, para o terreno do vizinho. O aparelho acabou sendo recuperado pela polícia. Pelo menos Gonçalves não foi preso, o que já havia ocorrido três vezes no passado. Foi afastado do cargo.

O conteúdo contido no celular moderno, com câmera de três lentes, já não deve ser o mesmo de um mês atrás, quando o caso ainda estava sob sigilo. No entanto, o que tiver restado — ou o que tiver sido produzido nos últimos dias — passará por análise dos agentes federais que buscam aprofundar uma apuração sobre um escancarado esquema de desvio de verbas da prefeitura de Rio Largo. É daqueles casos que parecem mentira, de tão simples que funciona a saída do dinheiro da prefeitura e o retorno. Duas empresas com contratos com a prefeitura recebem pagamentos, sacam no mesmo dia ou nos seguintes e devolvem a funcionários do prefeito. Tudo isso numa ruela que fica entre a agência bancária e a sede do poder municipal de Rio Largo. O “Beco da Pecúnia”, como é denominada a operação da Polícia Federal.

A PF identificou, entre 2019 e 2022, um total de 245 saques “na boca do caixa” de contas de duas empresas investigadas, com o valor individual de 49 mil reais, logo após terem recebido recursos de contas do município de Rio Largo-AL. O valor de 49 mil não é coincidência: visa burlar o sistema de controle do Banco Central e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que prevê a obrigatoriedade das instituições bancárias informarem automaticamente transações com valores iguais ou superiores a 50 mil reais. A prefeitura de Rio Largo já pagou às duas empresas investigadas, Litoral Construções e Serviços Ltda e Reauto Serviços e Comércio de Peças, mais de 18 milhões. A PF suspeita que ao menos 12 milhões teriam sido desviados. Os recursos, segundo a PF, são federais: vêm do Fundo Nacional de Saúde/SUS, do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb) e também do Fundo Nacional de Assistência Social. Não por acaso, junto com o prefeito, foram afastados do cargo quatro secretários municipais, que chefiam essas áreas e a de Finanças.

O beco de Rio Largo já foi tema de reportagem da piauí, que mostrou uma ascendência do presidente da Câmara, Arthur Lira, sobre o prefeito. Nada menos do que 90 milhões de reais já foram empenhados do orçamento da União por meio das emendas do orçamento secreto, aquelas que a cúpula do Congresso direciona sob a fachada do relator-geral do orçamento sem que o real solicitante do repasse seja divulgado. Lira só assumiu, em documentos tornados públicos, ter indicado 16 milhões — e os outros 74 milhões seguem sem padrinho informado. Mas as redes sociais de Gilberto Gonçalves não deixam dúvida de que o prefeito tem apenas um senhor, Arthur Lira.

A “parceria tamanho GG”, palavras do prefeito, não é de hoje. Como a piauí mostrou em 31 de julho, Gilberto Gonçalves e Arthur Lira foram colegas de bancada no Partido da Mobilização Nacional (PMN) na Assembleia Legislativa de Alagoas há pouco mais de quinze anos. Participaram, como tal, de um gigantesco esquema de desvio de dinheiro, de cerca de 300 milhões de reais, alvo da Operação Taturana, deflagrada pela Polícia Federal em 2007. Gonçalves foi preso, e Lira, afastado do cargo. Ambos foram indiciados. Condenado por improbidade administrativa em duas instâncias, Arthur Lira até hoje recorre da sentença no Superior Tribunal de Justiça. 

A Operação Beco da Pecúnia, nesta quinta-feira, cumpriu 36 mandados de busca e apreensão em seis cidades alagoanas e na cidade de São Paulo, com autorização do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. A Polícia Federal havia pedido também prisões do prefeito e de outros investigados, indeferidos. A decisão veio após a defesa conseguir a suspensão temporária da investigação, por ela ter iniciado na primeira instância – prefeitos só podem ser processados criminalmente na segunda instância, graças à prerrogativa do foro privilegiado. Agora o caso continuará na segunda instância. Se, no curso da investigação, aparecer envolvimento de parlamentares federais, o caso terá de ser remetido ao Supremo Tribunal Federal.

Procurados, a Prefeitura de Rio Largo e o advogado Fábio Gomes, que defende o prefeito Gilberto Gonçalves, não responderam à piauí. A assessoria do presidente da Câmara divulgou nota sobre a operação da PF: “O deputado Arthur Lira, assim como todos os deputados e senadores, liberam emendas para todos as prefeituras que justificam as necessidades. Os recursos são autorizados após o cumprimento de critérios técnicos previstos em lei. Isso traz benefícios para o povo, que é o mais importante. Cabe aos órgãos de controle a fiscalização eficiente para o bom uso dos recursos.”

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Reportagem atualizada em 22 de agosto de 2022, às 12h21.

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