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    Bolsonaro: habituado a dizer qualquer coisa em público, incluindo mentiras patentes, presidente agora se cala - FOTO: PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS

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O silêncio de Bolsonaro diz tudo

A pergunta é simples: ao ser informado sobre a corrupção na compra da Covaxin, o presidente acionou ou não a Polícia Federal?

André Petry | 30 jun 2021_16h39
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O presidente Jair Bolsonaro continua o mesmo, mas a carcaça mudou. Desde que as denúncias de corrupção no Ministério da Saúde vieram à tona, seu comportamento passou a oscilar entre o destempero habitual, quando se descontrola diante das perguntas de jornalistas mulheres, e uma novidade: a desculpa, que se manifesta quando diz que não tem como controlar tudo o que acontece nos ministérios. A desculpa faria sentido se, até ontem, Bolsonaro não enchesse a boca para garantir que não havia corrupção no seu governo, nem necessidade de manter a Lava Jato. “A corrupção acabou”, disse, em outubro passado, com a sólida certeza de quem controla tudo o que acontece nos ministérios.

Seu comportamento atual é um contraste agudo com o passado recente. Bolsonaro vinha num crescendo de segurança. Apesar do derretimento nas pesquisas de opinião, que o motivou a retomar a astúcia golpista do voto impresso, ele ainda estava sobre os dois pés, exalando uma certa autoconfiança. Debochava dos adversários, bancava o motoqueiro militante, ria do infortúnio alheio e mantinha seu governo no cabresto, incluindo o Exército, que humilhou ao exigir a absolvição sumária da indisciplina do ex-ministro Eduardo Pazuello. Agora, desde que o propinoduto do Ministério da Saúde apareceu, Bolsonaro anda piando fino.

Da revelação da denúncia dos irmãos Miranda até o dia de hoje, Bolsonaro não conseguiu responder a uma pergunta singela: ao ser informado sobre a corrupção em conversa com os irmãos Miranda no Palácio da Alvorada, o presidente prometeu acionar a Polícia Federal e cumpriu o prometido? Sim ou não? Se o fez, problema resolvido, e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) pode continuar acreditando que o presidente não rouba nem deixa roubar. Se não o fez, prevaricou. Mas Bolsonaro não responde. Não se defende, uma reação estranha para um político sempre tão disponível para as exibições espaventosas. Em vez disso, em vez de responder a única dúvida que realmente interessa, Bolsonaro fez divulgar três versões diferentes.

Na primeira, escalou o ministro Onyx Lorenzoni para fazer papel de bobo ao denunciar que um documento central na cronologia da denúncia era falso. Não era. Estava nos arquivos oficiais do próprio Ministério da Saúde. Na segunda, mandou dizer que acionara o ministro Pazuello para investigar o caso. Não colou. O ministro fora demitido no dia seguinte à suposta ordem de Bolsonaro e, por óbvio, não teve tempo para investigar coisa alguma. Na terceira, fez seu líder no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), dizer em público que, na verdade, o ministro Pazuello recebeu a ordem presidencial e acionou o secretário-executivo do ministério, Elcio Franco, que deixou o cargo quatro dias depois, mas, mesmo assim, teve tempo para investigar tudo e não encontrou nada de suspeito. Também não colou. Nenhuma dessas “ordens presidenciais” vem apoiada por um documento, um ofício, um e-mail, uma modesta prova qualquer. Parecem fabulações para salvar o presidente do crime de prevaricação.

O silêncio de Bolsonaro diz tudo. Só não entende quem não quer. A razão principal do mutismo presidencial é o jogo dos irmãos Miranda, que insinuam – apenas insinuam – ter gravado o presidente durante a conversa no Palácio da Alvorada. Usam uma tática bolsonarista para encurralar o bolsonarismo. Deixam no ar a ameaça de que guardam um registro sonoro provando que o presidente ouviu a denúncia, mostrou-se “surpreso”, disse que era “coisa do Ricardo Barros”, seu líder na Câmara, e prometeu levar o caso ao diretor da Polícia Federal – e, no entanto, não fez nada. Habituado a dizer qualquer coisa em público, incluindo mentiras patentes, Bolsonaro agora se cala, acuado pela ameaça de uma gravação. Seu receio de ser desmentido é inédito. Já o foi dezenas, centenas de vezes. Mas, desta vez, a diferença é crucial: o desmentido agora é igual a impeachment.

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