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    O ex-ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz: "O país está doente" - Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

anais do golpismo

“Órgãos de inteligência não quiseram perceber a crise”

Ex-ministro de Bolsonaro afirma que país “está doente" e cobra punição para quem participou dos atos golpistas

Consuelo Dieguez | 09 jan 2023_18h51
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O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro, assistiu estarrecido aos atos de terrorismo e vandalismo contra o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal neste domingo, 8 de janeiro. Mas não se disse surpreso com o ataque, pois, em sua opinião, os atos de vandalismo eram previsíveis. “Não tem surpresa nenhuma. O caminho do extremismo político, do fanatismo, é a violência”, afirmou. Santos Cruz, que já comandou missões da ONU no Haiti e no Congo, é um dos mais respeitados militares brasileiros. Deixou o governo Bolsonaro em junho de 2019, após ser vítima de ataques nas redes sociais atribuídos a Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e seus aliados, no que se convencionou  chamar de gabinete do ódio.

Para Santos Cruz, os atos de domingo revelam que “o país está doente”. Em sua avaliação, líderes populistas autoritários e fanáticos, como ele classifica o ex-presidente Jair Bolsonaro, tendem a insuflar a violência. Indagado se o conflito de domingo não seria responsabilidade também dos militares, que permitiram os acampamentos de extremistas antidemocráticos na frente dos quartéis, diz que não. Avalia que os acampamentos se viabilizaram por uma manobra  de Bolsonaro, para transferir a responsabilidade política para as Forças Armadas. “As pessoas acreditaram que as Forças Armadas tinham responsabilidade política, quando a responsabilidade é dos políticos”, afirma. E explica seu ponto de vista. “Tivemos um presidente que depois de uma eleição ficou dois meses de boca fechada. Que saiu do país ainda durante o seu mandato”. Segundo ele, Bolsonaro tinha que ter se dirigido àqueles radicais “porque é obrigação de um presidente se manifestar sobre os problemas nacionais”. Bolsonaro, diz ele, fez exatamente o oposto. 

Ele alivia, porém, a responsabilidade das Forças Armadas sobre os acampamentos, pois diz que tudo o que aconteceu lá não era um problema militar e sim político, a ser resolvido pelo presidente da República e pelo ministro da Defesa.  “Não é o comandante do quartel que tinha que explicar o problema político para aquelas pessoas.  Eram essas duas autoridades, que falharam em suas missões.” O general volta suas baterias também contra os órgãos de inteligência que não perceberam ou “não quiseram perceber” a crise iminente. “Existem órgãos de inteligência policial e de Estado para acompanhar tudo e fazer uma avaliação do que pode acontecer. Nós não vimos nada disso.  Onde estavam os órgãos de inteligência, as atividades de inteligência? É preciso perguntar para eles por que as análises foram mal feitas ou não foram feitas.  A secretaria de Segurança do Distrito Federal disse  para o governador que estava tudo calmo e que não haveria problema nenhum. Tem uma série de erros aí. Mas já são erros operacionais.”

 

Santos Cruz disse que várias medidas precisam ser adotadas com urgência para evitar a continuidade do movimento golpista. A primeira, diz ele,  é a responsabilização. “Nas redes tem um monte de super-heróis que ficam no anonimato estimulando ações violentas. Isso a polícia tem condições de vasculhar.” A polícia, assegura, também condições de vasculhar quem fez o planejamento, de identificar quem financiou determinadas atividades,  e quem executou determinados crimes de vandalismo. Existem imagens de mídia e de celular, mas também as captadas pelas câmeras do STF,  do Congresso e do Palácio do Planalto. “Existem muitas imagens disponíveis para fazer a identificação  dos criminosos e investigá-los. E tem que fazer o devido processo legal. Não pode deixar passar.”

Indagado sobre punições, diz que é preciso ver como cada um se enquadra na lei. “É preciso investigar e comprovar a responsabilidade de cada um, denunciá-los e enquadrá-los nos ditames da lei.” Se a primeira fase é policial, a segunda, diz ele, é política.  “Temos um problema político no país que é a polarização extremada, e o atual governo precisa adotar uma política de redução de conflitos.” Diz que é preciso investir no diálogo, mas sem deixar de responsabilizar quem cometeu crimes. “Não adianta classificar todo mundo de bandido. É preciso uma política de solução de conflito para que haja a volta do respeito na sociedade”. Ele não tem ilusões de que a convivência será sempre fácil, pois haverá  grupos com ideias diferentes. “O problema é que a nossa sociedade perdeu o respeito pelo oponente, pela pessoa que pensa diferente. É preciso um processo de pacificação.” 

Santos Cruz diz que a divisão do país se acentuou no governo Bolsonaro, segundo ele, uma pessoa “com falta de equilíbrio para conduzir e unir um país.” E ataca novamente o comportamento do ex-presidente após as eleições.  “O silêncio dele foi uma omissão. Era obrigação dele se manifestar para evitar esta crise. Tem um volume de informações falsas que não vou atribuir diretamente a ele, porque é preciso comprovação”.  No entanto, considera que houve excessiva tolerância da sociedade brasileira com as falas de Bolsonaro. “Houve tolerância excessiva quando ele falou que as eleições tinham sido fraudadas em 2018. A Justiça tinha que ter exigido as provas. Tem coisas que deixaram passar e agora não dá como reverter. Tudo isso criou um clima de desconfiança e de ódio. Mas a responsabilidade individualizada depende de investigação.”

 Quanto à falha na segurança pública, Santos Cruz, como especialista na área militar, considera que foi evidente. Por essa razão, era claro que haveria intervenção do governo federal na secretaria de Segurança do  Distrito Federal. “Ficou claro que a intervenção ocorreria. Qualquer cidadão assistindo aquilo viu que houve falhas imensas na área de segurança”, disse. 

Sobre o futuro do Brasil a partir da crise, diz acreditar que a tendência é as coisas se acalmarem. “Mas, repito, três coisas precisam ser feitas com bastante intensidade. A primeira é a responsabilização de quem estimulou a violência, praticou, e financiou. Nesse caso é preciso presteza e intensidade. Em  conjunto, é necessária a aplicação de um discurso de redução de conflito para baixar a tensão. Não se pode viver num país assim. Por último, a responsabilização da indústria criminosa de fake news. Tem uma quantidade grande de notícias falsas, criminosas, que acabam deteriorando o ambiente e manipulando a opinião pública. Essas três ações têm que ser tomadas juntas. Só assim podemos ter esperança de que crises como estas não voltarão a ocorrer.”

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