De reação em reação se faz uma eleição. Na reta final da mais subterrânea das campanhas eleitorais, quem reage por último reage melhor. A depender de quem der a última reagida na urna eletrônica não haverá segundo turno na eleição presidencial. Os doze pontos que separam Bolsonaro da vitória definitiva são apenas seis se vierem de seus rivais. Converter esses eleitores é o que busca quem o chama de capitão. Não nas ruas, nas telas; não nas tevês, nos celulares; não nos palanques, no WhatsApp.
O vídeo improvisado, como toda a campanha bolsonarista, mostra rabiscos no papel. A voz faz contas sobre quantos votos faltam para o candidato do PSL se eleger já em 7 de outubro. Conclui dizendo que com “meio Alckmin (…) liquida essa merda no primeiro turno”. A conta está errada, mas não importa. Seu apelo é convincente. O vídeo joga com a saturação do eleitor. Aposta na impaciência, manipula a desesperança, insiste na pressa.
Feito com o celular, sem qualquer produção, o vídeo não apareceu na tevê, mas em tela muito mais próxima e íntima do eleitor. Não tem cara de propaganda eleitoral. Ao contrário, leva jeito de desabafo. Desabafo de alguém tão insatisfeito quanto quem o assiste. É tosco, mas a precariedade sugere autenticidade. O improviso remete a urgência. Espontâneo, aproxima o autor de seu público. Não mostra o rosto de quem fez, logo poderia ter sido feito por qualquer um. A estética caseira contrasta com as produções caprichadas – logo, suspeitas – dos outros políticos.
Nesta quinta-feira termina a veiculação das belas produções na tevê. Foram os 35 dias da esperança vã de Alckmin sair do nanismo eleitoral. O tucano entrou com 9% e saiu com 7% das intenções de voto, a despeito de ter quase metade do tempo disponível para todos os candidatos. Bolsonaro, com menos de dez segundos por dia, cresceu dez pontos no mesmo período. Mais que ele, só Haddad, que acumulou o dobro de pontos que o principal rival, mas ainda está nove pontos atrás do candidato do PSL. Ciro ficou onde estava. Marina foi da ilusão à irrelevância.
Ao final das contas, quem consolidou a liderança e o único com chance de ganhar no primeiro turno é o candidato mais falado em todas as telas, grandes ou pequenas, que teve mais mídia espontânea – em parte, mas apenas em parte, graças à facada e à novela hospitalar que se seguiu – e que desprezou a mídia oficial. Nisso Bolsonaro 2018 se equipara a Trump 2016.
Só nisso. Trump perdeu no voto popular. Concentrou sua campanha apenas nos poucos estados que decidem o colégio eleitoral dos Estados Unidos. Mirou uma parcela pequena do eleitorado, acertou e ganhou. Teve uma campanha rica e estruturada. Bolsonaro falou de improviso e continua a improvisar para a maioria dos 147 milhões de eleitores brasileiros. E se, nas próximas 48 horas, conseguir converter três em cada sete eleitores de Alckmin, 10% dos de Ciro, metade dos de Amoêdo e de Alvaro Dias, têm grande chance de “liquidar essa (…) no primeiro turno”.
É uma questão aritmética. Bolsonaro tem 38% dos votos válidos e precisa chegar a 50% para ser eleito. A distância é de doze pontos, mas basta converter seis pontos dos rivais. Como assim? Ao sair do lado dos adversários e passar para o seu, os votos desses eleitores contam em dobro: menos um tucano, mais um bolsonarista. E o resto? Deve vir da conversão de eleitores indecisos e que declaram hoje que anulariam ou votariam em branco. É um segundo turno antecipado, aqui e agora. Tudo depende de quem conseguir surfar a última onda da campanha.
Na semana passada, o melhor surfista foi Haddad, mais pelos tombos do adversário do que por mérito próprio. Entre outras escorregadas, Bolsonaro teve que desmentir seu vice e dizer que não é contra o 13º salário nem contra o adicional de férias. A semana terminou com manifestações históricas de mulheres de todos os estados brasileiros pelo #EleNão. Parecia que Haddad ia surfar até a praia. Ia, até trombar com um cisne negro.
A reação ao #EleNão não foi o #EleSim, mas a versão pornô dos protestos de sábado que circulou pelos grupos de WhatsApp, apelando a imagens escatológicas. Quem não foi às manifestações nem viu as raras e curtas reportagens televisivas sobre elas pode ter ficado com a impressão de que era um protesto contra a religião e contra a moral que rege a maioria de eleitores. Nas pesquisas, virou freio para Haddad e impulso para Bolsonaro.
Os petistas se assustaram com a reação do rival na semana decisiva da eleição e saíram do guarda-sol para o mar ou, pelo menos, para uma contraofensiva virtual. A julgar pelo Ibope de quarta-feira à noite, funcionou. Haddad voltou à prancha e pegou outra onda. Mas está muito mais longe da praia do que Bolsonaro.
A reação à reação petista também entrou na água. Ela consiste em atacar não apenas Haddad como todos os outros candidatos, especialmente aqueles cujos eleitores têm perfil ideológico mais parecido com os de Bolsonaro. Assim, multiplicam-se mensagens nas redes chamando Amoêdo de “Amoeba” e ligando o candidato do Novo a ganhos extraordinários no mercado financeiro. Na busca pelo “meio Alckmin” que falta, vale-tudo: vitimização, teoria conspiratória, ataque à imprensa, pisão no pé e dedo no olho.
A campanha de Bolsonaro tenta emular o efeito que elegeu Doria prefeito de São Paulo no primeiro turno de 2016. Trata-se de convencer o eleitor insatisfeito, cujo candidato já se afogou pelo caminho, que não vale a pena esperar até o segundo turno para votar contra o PT, contra Lula, contra a roubalheira, contra “tudo o que está aí”. A mensagem subliminar é: tampe o nariz, vote 17 e acabe logo com seu sofrimento. A última onda do primeiro turno de 2018 tem pinta de eutanásia democrática.
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Este texto foi atualizado às 16h33, para detalhar a conta dos votos que faltariam para Bolsonaro se eleger no primeiro turno.