O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, estava de cabeça quente quando parou para falar com a imprensa na entrada de seu gabinete na tarde da quarta-feira, 31. Avisou da “insatisfação generalizada dos deputados” com o governo Lula e deixou claro que a Medida Provisória da reorganização dos ministérios estava prestes a cair, o que equivaleria a uma declaração de guerra: “Não é por culpa do Congresso se hoje o resultado não for de aprovação ou de votação da medida provisória, e a Câmara não será a responsável pela falta de organização política do governo”. Lira havia conversado por telefone com o presidente Lula pela manhã e, depois da ameaça à tarde, fechou acordos que resultaram, à noite, na aprovação da MP – mas o recado estava dado. A síntese, nas palavras de um líder do Centrão, é a seguinte: “Daqui para a frente, nada mais vai andar na Câmara se o governo não se organizar e identificar quem é que fala pelo governo e quem é que resolve as pendências pelo governo”.
O que Arthur Lira possivelmente não sabia é que, naquele mesmo momento, 110 policiais federais e 13 servidores da Controladoria-Geral da União (CGU) se preparavam para cumprir 27 mandados de busca e apreensão e dois mandados de prisão temporária em Maceió, Brasília, Gravatá-PE, São Carlos-SP e Goiânia-GO. A investigação é sobre um esquema de desvio de 8 milhões de reais por meio do superfaturamento de kits de robótica que o Ministério da Educação distribuiu preferencialmente para Alagoas, com recursos do orçamento secreto. A Operação Hefesto, deflagrada na manhã de quinta, 1º, dia seguinte às ameaças bélicas vindas da Câmara, apreendeu cerca de 4 milhões de reais e atingiu um dos principais auxiliares de Lira, Luciano Ferreira Cavalcante.
A imagem de um cofre abarrotado de notas de 100 reais mostra o tamanho do problema que está no entorno de Lira. Luciano Cavalcante trabalhou no escritório de apoio do senador Benedito de Lira, pai de Arthur Lira, entre 2011 e 2016. Em 2017, foi levado por Arthur Lira para trabalhar na liderança do PP na Câmara em Brasília, quando o deputado ocupava esse posto. Segue até hoje na liderança do PP, atualmente ocupada pelo deputado maranhense André Fufuca, mas é ligado mesmo a Lira. O irmão de Luciano, Carlos Jorge Cavalcante, é superintendente regional da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) em Alagoas, também apadrinhado por Lira, desde 2018.
Do lado empresarial, um dos sócios da empresa contratada para fornecimento de kits de robótica superfaturados é Edmundo Catunda, pai de João Catunda, um vereador de Maceió que é do mesmo partido de Lira, o Progressistas. No ano passado, João Catunda se candidatou a deputado federal, sem sucesso. A outra sócia da empresa é Roberta Lins Costa Melo. A suspeita dos investigadores é que as contratações feitas pelo FNDE para entrega de kits de robótica a 43 municípios alagoanos, entre 2019 e 2022, foram ilegalmente direcionadas para a Megalic A PF detectou movimentações da Megalic para o ex-auxiliar de Lira, Luciano Cavalcante. A mulher de Luciano Cavalcante, Glaucia, também é investigada. O que os investigadores querem saber é se o dinheiro supostamente desviado pela Megalic foi parar na conta dos auxiliares de Lira. A apuração tramita na primeira instância e, se houver alguma menção direta a Lira, deverá ser enviada ao Supremo Tribunal Federal.
Segundo a piauí apurou, outro nome sob investigação é o de Alexsander Moreira, atual diretor na Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação. Ele foi nomeado para o Ministério da Educação em novembro de 2016, pelo então ministro Mendonça Filho (atual deputado pelo União Brasil-PE), com o cargo de coordenador, foi mantido no governo Jair Bolsonaro e agora é diretor na mesma secretaria, já no governo Lula.
A PF conseguiu autorização judicial para bloquear bens que somam 8,1 milhões de reais dos investigados. As contas dos investigadores apontam que o prejuízo total do esquema pode chegar até 19,8 milhões de reais.
O esquema criminoso faz parte de uma farra com recursos da educação durante o governo Jair Bolsonaro, que entregou a administração do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (o banco do MEC) ao Progressistas, de Arthur Lira. O caso específico dos kits de robótica foi revelado pelo repórter Paulo Saldaña, na Folha de S.Paulo em abril de 2022. Houve também esquema de corrupção envolvendo pastores evangélicos que montaram um gabinete paralelo no MEC, em outro caso que levou à prisão até do ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro. E houve um escandaloso esquema de contratação de obras para construção de escolas, creches e quadras esportivas sem recurso para isso, no caso das escolas fake que estão na mira do Tribunal de Contas da União. Todos esses casos envolvem verbas do FNDE. A área técnica do TCU quer responsabilizar por esses esquemas o ex-presidente do FNDE, Marcelo Ponte, apadrinhado do partido de Arthur Lira e ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira, presidente nacional do Progressistas.
Embora o presidente da Câmara não seja alvo da operação da Polícia Federal, ele é o principal atingido politicamente. E não apenas pela operação da PF. No Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli tirou da gaveta, depois de dois anos e meio, uma acusação de corrupção que pesa contra o presidente da Câmara desde 2012. Naquele ano, um assessor parlamentar de Lira, Jaymerson José Gomes, foi detido pela Polícia Federal ao tentar embarcar do Aeroporto de Congonhas para o Aeroporto de Brasília com 106 mil reais em espécie escondidos pelo corpo, debaixo da roupa, nos bolsos e nas meias.
Lira foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de ter recebido os 106 mil reais em propina paga por Francisco Carlos Caballero Colombo, que era o presidente da Presidência da CBTU e buscava apoio para manter o cargo. Na época, a PGR escreveu o seguinte sobre Lira: “Está imerso em práticas delitivas há anos, utilizando-se do cargo parlamentar exercido para compor uma intrincada teia criminosa, que, dentre outros delitos, trocava favores pessoais, indicações e apoio político por dinheiro, sendo grande responsável por inúmeros atos criminosos que lesaram gravemente os cofres públicos”. A denúncia da PGR foi apresentada cinco anos atrás, em 18 de junho de 2018, e foi recebida pela primeira turma do STF um ano depois. Em julgamento, o STF acolheu parte da acusação e decidiu transformar o deputado em réu por corrupção passiva. Lira recorreu e não se tornou réu ainda graças à gaveta de Dias Toffoli. Agora o caso vai andar e pode resultar na abertura de uma ação penal contra Lira.
“Ninguém gosta de saber de uma notícia como essa de hoje”, disse Lira, em rápida entrevista à Globonews, na qual se eximiu de qualquer responsabilidade em relação à operação da PF: “Não tenho nada a ver com o que está acontecendo, não me sinto atingido nem acho que isso seja provocativo”. Apesar de ser responsável pelos repasses de emendas parlamentares cujos valores estão sob investigação, repetiu uma frase que vem se tornando um mantra: “Cada um é responsável pelo seu CPF”, disse. Além disso, também garantiu que será declarado inocente no inquérito do Supremo.