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Pisando no solo

Nunca fui uma entusiasta de Los Hermanos – simplesmente porque nunca parei mesmo pra ouvir – mas achava sempre admirável aquela legião enorme de fãs tão dedicados, inclusive a se mimetizar com a banda. Meu interesse começou ao contrário, a partir primeiro do Little Joy, banda internacional que Rodrigo Amarante formou quando os hermanos deram um tempo. 

Zelia Duncan | 13 abr 2011_15h30
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Nunca fui uma entusiasta de Los Hermanos – simplesmente porque nunca parei mesmo pra ouvir – mas achava sempre admirável aquela legião enorme de fãs tão dedicados, inclusive a se mimetizar com a banda. Meu interesse começou ao contrário, a partir primeiro do Little Joy, banda internacional que Rodrigo Amarante formou quando os hermanos deram um tempo.

Fui ao show do Circo Voador e me diverti com os músicos-personagens. Um deles, Noan, fiel escudeiro de Devendra Banhart (artista alternativo americano, figuraça, badalado, que subiu no palco com os Mutantes naquela ocasião do Barbican em Londres) foi quem convidou Rodrigo para uma gravação em Los Angeles certa feita. É uma grata surpresa o som deles. A voz supercharmosa de Rodrigo, vez em quando revezada com a voz preguiçosa, mas ainda assim divertida de Binki Shapiro, dão super conta das ótimas canções. “Take advantage of the season, to take off your over coat”. Afinal, ficou um clima brasuca-retrô-californiano, com direito a eventuais letras em Português e umas harmonias familiares aos nossos ouvidos, como em “Evaporar”.

O show teve um clima Los Hermanos total, plateia hipnotizada, cantando cada notinha junto com a banda – que se limitou a cantar estritamente o repertório do álbum. Se não me engano, o show talvez nem tenha durado 60 minutos, mas saíram consagrados da Lapa. E querem saber? Foi mesmo uma delícia de show e a vibe era linda.

Depois veio o solo de Marcelo Camelo, Sou. Comprei também. (Ainda sofro desse automatismo, adquirir discos!)

Definitivamente, Camelo “É”. O álbum tem um monte de letras e sons interessantes, parecia que ele estava precisando dizer milhares de coisas ao mesmo tempo. Mas os artistas têm direito absoluto de seguirem suas necessidades íntimas, muito mais consistentes e genuínas do que qualquer outra necessidade que possa ser mercadológica, por exemplo – o que dificilmente seria o caso.

Toque Dela não é nome de música, é o nome do segundo álbum. Um nome meio misterioso pra mim, mas definitivamente, seja qual for o toque que ela (não importa quem) deu, foi muito bem dado.

Tudo soa maduro, consciente e muito feliz nas escolhas sonoras. Até a maneira como o ouvido vai se adaptando às inflexões do autor-cantor, à percepção da mixagem, ao jeito meio vintage do resultado, tudo isso reforça o conceito como um todo, desafia e convida a ouvir a próxima.

Houve um tempo em que os compositores mandavam as canções para os intérpretes, e o maior desafio dos autores era emplacar com um grande intérprete, e de um intérprete, ter a sorte de gravar a melhor do melhor autor. Claro que esses conceitos de melhor e mais importante variam de acordo com o rumo que cada um deseja para sua carreira. Mas então os autores decidiram não mais esperar e fazer justiça com a própria garganta. E o que, por um lado, deixou de ter um certo brilho, ganhou muitas vezes em charme e conceito – pois as canções, não raro, quando gravadas por seus criadores, chegam até nós com a cara que eles queriam que elas realmente tivessem.

Falo isso porque Camelo, como cantor, descobriu um jeito interessante pra se expressar dentro de seu universo. O lado autoral é muito forte e acaba se complementando na voz que, embora pequena, soa muito emocionada, integrada à sonoridade das palavras e dos instrumentos. E eu, que sou radicalmente contra malabarismos vocais, que se jogam no vazio, dou imenso valor a quem prefere as palavras à própria voz. Aos que, na falta (ou não) de extensões impressionantes, optam por dizer a melodia. Cantar pra mim é isso. Quem vai ter coragem de dizer que Chico Buarque não canta, se algumas de suas canções só ficam bem naquela voz? E Tom Jobim, com sua rouquidão afinada cheia de notas surpreendentes? Cabe a nós e aos nossos ouvidos conseguirmos discernir essa característica de quem canta mal mesmo – o que, convenhamos, também existe! Assim como o gosto de cada um.

Mas voltemos ao Toque Dela, de Marcelo Camelo. Tem ainda o fato de ser brasileiro, o que permeia também as canções. Sambas insinuados, ritmos e harmonias que nos oferecem uma familiaridade em meio a tantos outros caminhos que podem soar estranhos. Pausas lindas nos arranjos, compassos compostos, instrumentos improváveis e algumas letras que são achados de pura poesia e simplicidade. Palavras que, quando juntas, sofisticam qualquer ambiente.

Então, entre metalofones e suas famílias, Camelo toca ukelele, clarone, belos caminhos de violão, guitarras. Cercado de músicos interessantes, um som de flugel passeia por algumas faixas e aperta o coração. E vai assim pensando a vida com sua música, que transborda personalidade e consistência.

“Meu amor é teu
Mas dou-te mais uma vez”

Obs.: Um beijo pro parceiro Marcelo Jeneci, que sempre bebeu nas águas de Camelo e divide com ele agora seu acordeon e piano em “Meu Amor É Teu”.

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