A Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em junho de 1976, tinha um convidado especial: Henry Kissinger, o secretário de Estado americano. O Chile, país anfitrião, estava numa saia justa. Desde o golpe de Augusto Pinochet, três anos antes, o regime chileno mergulhara em um isolamento internacional profundo. Além disso, havia entrado na pauta da assembleia um relatório esmiuçando abusos diversos contra os direitos humanos. O tema não afetava apenas o Chile, mas também Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia, todos debaixo de ditaduras militares anticomunistas.
Fazia sete anos e meio que Kissinger, um judeu nascido na Bavária, era a pessoa mais poderosa nas relações dos Estados Unidos com o mundo, atrás apenas do presidente. Ele servira a Nixon como conselheiro de Segurança Nacional, acumulando o cargo de secretário de Estado a partir de 1973, e depois a Gerald Ford, que assumira a Presidência em 1974, depois da renúncia de Nixon.
Em 1976, investigações no Congresso americano sobre as ações clandestinas da CIA no mundo, acumulavam provas sobre a intervenção do governo Nixon no Chile. Em cinco meses, Ford tentaria a reeleição contra Jimmy Carter, que prometera colocar os direitos humanos no centro da política externa americana. Naquelas condições em Washington, Kissinger foi incumbido de criticar publicamente na assembleia da OEA a prática de tortura e demais arbítrios.
Na OEA, citou o Chile para recriminar “a tortura oficialmente tolerada, prisões em massa ou assassinatos”. Na prática, a crítica atingia todas as ditaduras do Cone Sul. Antes, porém, Kissinger atuou para explicar, privadamente, a Pinochet e outros representantes dos regimes da região que sua fala era motivada por questões domésticas dos Estados Unidos, e não deveria ser levada a sério. “Nos Estados Unidos, como o senhor sabe, somos simpáticos ao que o senhor está tentando fazer aqui”, disse ao ditador chileno, antes do discurso na OEA.
Kissinger morreu em 29 de novembro passado, aos 100 anos. Nos obituários, alguns exaltaram seus ousados lances diplomáticos, que transformaram o século XX, como a aproximação entre Washington e a China de Mao Tsé-tung e a política de distensão com Moscou. À esquerda, porém, sua morte foi lembrada com uma lista de apoio a golpes, guerras e massacres, entre eles o bombardeio ao Camboja e a decisão de protelar o fim dos combates no Vietnã a um custo astronômico de vidas. Hoje também estão disponíveis milhares de documentos antes secretos que detalham como Kissinger ajudou a semear o Cone Sul de ditaduras anticomunistas.
Mas a história de Kissinger com o Brasil expõe duas arestas que não permitem encaixá-lo na mitologia criada sobre ele, analisa Roberto Simon na edição deste mês da piauí. A primeira tem a ver com o superdimensionamento do poder de Washington sobre a ditadura brasileira e outros atores sul-americanos. A segunda, contraria parte da historiografia que entende que Washington trabalhou continuamente para restringir a projeção regional e internacional do Brasil.
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