O escândalo da Odebrecht pode fazer mais uma vítima nesta quinta-feira, desta vez fora do Brasil. O Congresso Nacional do Peru vai deliberar sobre o pedido de impeachment contra o presidente da República, Pedro Pablo Kuczynski. PPK, como é conhecido, é acusado de ter mentido sobre a natureza de suas relações com a empreiteira brasileira, ao ser questionado pelo Congresso e pela imprensa sobre consultorias prestadas pela firma da qual é acionista. Com uma base política frágil no Congresso, dominado pelos fujimoristas, PPK está por um fio, e a maior parte dos analistas peruanos acha que só um milagre, ou uma jogada de mestre, pode salvá-lo.
A política peruana é bem mais beligerante do que a brasileira e o caso guarda suas particularidades, mas é impossível não sentir um déjà-vu ao procurar entender o que acontece no país vizinho. Desde que vieram à tona as revelações da Odebrecht sobre a máquina de propina que azeitou seus contratos com os governos do continente, a opinião pública peruana tem sido a que mais demonstrou indignação e mobilização a respeito. Foi ali, também, que as investigações mais avançaram fora do Brasil. Três ex-presidentes do país – Alejandro Toledo, Alan García e Ollanta Humala – foram acusados de receber 29 milhões de dólares em subornos. Toledo está foragido nos Estados Unidos, Humala está preso por lavagem de dinheiro e García está sendo investigado pelo Ministério Público, assim como os donos das grandes empreiteiras peruanas que se associaram à Odebrecht nas maiores e mais caras obras que o Peru já viu. A própria Odebrecht teve suas contas bloqueadas no país e perdeu o maior contrato que tinha naquele momento, o do Gasoduto Sul Peruano, obra que obra que custaria 7,3 bilhões de dólares e seria feita em regime de concessão, com financiamento de um pool de bancos.
Curiosamente, neste caso, ninguém está acusando PPK – que ficou rico trabalhando como financista em bancos internacionais – de ter recebido propina. Ao que consta, a firma de um ex-sócio, Gerardo Sepúlveda, prestou consultoria financeira a um projeto de irrigação da Odebrecht contratado pelo governo federal em 2004. PPK era, então, ministro da Fazenda, e se desligara da empresa para assumir o cargo. Teria havido, segundo Marcelo Odebrecht, um outro contrato, desta vez em 2006. O conflito de interesses é evidente, mas, em seu benefício, diga-se que a primeira pergunta que ele recebeu do Congresso sobre a Odebrecht foi se teria recebido dinheiro para a campanha presidencial, em 2016. PPK disse que não, e até agora não apareceu evidência em contrário.
A campanha do presidente foi feita quando a empreiteira já negociava a chamada “delação do fim do mundo” e suspendera os pagamentos do departamento de operações estruturadas (o departamento de propinas da empresa). Depois, quando lhe perguntaram sobre as declarações de Marcelo Odebrecht, PPK respondeu novamente que não tinha nada a ver com as consultorias. Conforme o caso avançou, porém, ele admitiu ter recebido dividendos da tal firma, parte deles derivada do trabalho feito para a Odebrecht. “Recebi algum dinheiro”, concedeu, ao final.
A razão principal pela qual PPK pode cair não é o tamanho do crime que ele cometeu, e sim a falta de apoio político no Congresso (no Peru há apenas uma Casa legislativa, não existe divisão entre Câmara e Senado). Desde que foi eleito, com o apoio de apenas dezoito parlamentares em 130, ele e seus ministros enfrentam questionamentos frequentes da Oposição, que tem no fujimorismo sua maior força. No Peru, o Congresso pode decretar o impeachment de ministros de Estado. E a capacidade de PPK de vencer nessa arena é precária – seu ministro da Educação, Jaime Saavedra, foi impichado, e sua sucessora, Marilú Martens, também foi ameaçada de impeachment. Para derrubar o presidente, são necessários 87 votos. Só o partido fujimorista, pró-impeachment, tem 71.
Os que defendem a permanência do presidente peruano dizem que a filha do ex-presidente Alberto Fujimori, Keiko, presidente do partido oposicionista Fuerza Popular, não se conforma com a derrota para PPK em 2016, e quer tomar o poder para enterrar as investigações da Lava Jato. Keiko é ela própria acusada de ter recebido dinheiro de caixa dois da Odebrecht em campanhas eleitorais. Enquanto isso, a principal força política de esquerda, o Movimiento Tierra y Libertad, com dez membros no Congresso, aposta que a instabilidade política derivada da saída de PPK poderia acabar antecipando as eleições gerais. Nesse caso, os peruanos, desiludidos com a corrupção, tenderiam a votar em seus candidatos – algo que outra força importante do Congresso, os cinco membros do APRA, do ex-presidente Alan García, também almeja. Nos últimos dias, PPK tem dito que não pretende renunciar e procurado reunir apoios para sustentar-se no poder. Mas talvez não possa conter a fúria que acomete os políticos de um país quando a Lava Jato lhes chega ao pescoço.
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Atualização: A sessão de impeachment contra PPK, no Congresso peruano, terminou na noite de 21 de dezembro. Ao fim, a oposição não conseguiu os 87 votos necessários para derrubar o presidente. Foram 79 parlamentares a favor da destituição, 19 contra e 21 abstenções. PPK escreveu no Twitter que “amanhã começa um novo capítulo de nossa história: reconciliação e reconstrução de nosso país.”