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    Cena de 20 Dias em Mariupol, vencedor do prêmio de Melhor Documentário do Oscar Crédito: Divulgação

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A propósito do Oscar

Uma premiação previsível

Eduardo Escorel | 13 mar 2024_10h56
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Sexta feira, 8 de março, 10 horas. Começo a escrever esta coluna a alguns dias da cerimônia do Oscar, que acontecerá no domingo. Na celebração da indústria cinematográfica americana, da qual produções de outros países participam, quando muito, como figurantes, o favorito para ser escolhido Melhor Filme é o sofrível Oppenheimer – uma interminável e palavrosa barafunda submersa em música grandiloquente.

A previsão feita pela revista Variety indica que o filme produzido pela Universal Pictures e dirigido por Christopher Nolan é o mais provável premiado também nas categorias de Diretor, Fotografia, Ator, Ator Coadjuvante, Edição, Som e Trilha Sonora Original.

Quanto à usual presença irrelevante na festa de filmes não produzidos nos Estados Unidos, a ressalva a ser feita este ano é que a magnífica produção francesa, mas falada em inglês e francês – Anatomia de Uma Queda, de Justine Triet – está indicada pela mesma fonte como favorita para ser premiada com o Oscar de Roteiro Original e a excelente produção do Reino Unido Zona de Interesse, escrita e dirigida por Jonathan Glazer – é apontada como a mais provável premiada entre as concorrentes na categoria Filme Internacional.

Na cerimônia de entrega dos Prêmios da Academia Britânica de Cinema (Bafta), realizada há um mês, Oppenheimer confirmou seu favoritismo, ao ser aclamado melhor filme, ator principal, direção, trilha original, fotografia, ator coadjuvante e montagem.

Assisti a Oppenheimer pela primeira vez quando estreou em julho do ano passado, junto com meu neto de 16 anos, em uma sessão lotada de um cinema de shopping. Fiquei decepcionado, mas ele, fã de Interestelar (2014), entre outros filmes de Nolan, gostou, assim como os espectadores mundo afora que tornaram a produção da Universal um tremendo sucesso comercial – “o drama biográfico de maior bilheteria da história do cinema”, segundo a Variety. Para o New York Times, em 7 de março, “…depois que o filme arrecadou quase 1 bilhão de dólares em todo o mundo, seu caminho para o principal Oscar ficou livre.”

Ao rever Oppenheimer agora, minha impressão foi a mesma de antes. Esperava muito mais, levando em conta tanto a relevância do tema – a construção da bomba atômica – quanto o personagem central – o físico J. Robert Oppenheimer (1904-67), chamado de “pai da bomba atômica” –, assim como o diretor e corroteirista do filme. Terá sido demasiada minha expectativa de uma visão menos rasa do dilema moral do cientista ao perder controle do seu invento que causou a mortandade em Hiroshima e Nagasaki, levou ao fim da Segunda Guerra Mundial e se tornou uma poderosa arma de persuasão nos anos seguintes?

Por outro lado, diante do estrondoso sucesso de bilheteria de Oppenheimer, meus reparos têm razão de ser? Produzido com orçamento de 100 milhões de dólares, o filme rendeu em salas de cinema 953,8 milhões de dólares. A capacidade de atrair público e o resultado financeiro decorrente parecem se sobrepor a quaisquer ressalvas que se façam. Lucro nessa escala e louvores generalizados sufocam a reflexão crítica. Quem for capaz que explique, o que não é o meu caso, quais são os atributos de Oppenheimer que o tornaram tão atraente.

O Oscar de Documentário é um caso à parte. Apenas dois dos cinco filmes concorrentes são produções americanas, um dos quais – 20 Dias em Mariupol, indicado pela Variety como favorito para acrescentar outra láurea às várias já recebidas – é filmado, escrito e dirigido pelo cineasta e correspondente de guerra ucraniano Mstyslav Chernov. Lançado em 7 de março no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e outras oito cidades brasileiras, 20 Dias em Mariupol é realizado pelo Frontline, programa de documentários investigativos produzido pela WGBH Educational Foundation, e pela Associated Press (AP). Distribuído, nos Estados Unidos, pela rede de televisão Public Broadcasting Service (PBS), o documentário reúne gravações impactantes feitas na Ucrânia, em fevereiro e março de 2022, durante o cerco e os bombardeios de Mariupol pelas Forças Armadas da Rússia. No final, em meio aos escombros da cidade, tanques percorrem as ruas com o símbolo militarista – a letra “Z” – pintado na carcaça. Além de qualidades específicas como reportagem que agrega à informação jornalística a experiência e perspectiva pessoal de Chernov e sua equipe, 20 Dias em Mariupol se mantém atualíssimo neste momento em que a guerra prossegue, devastadora, após dois anos de mortandade e destruição.

O premiadíssimo As 4 Filhas de Olfa, produção tunisina realizada com apoio da França, Alemanha e Arábia Saudita, dirigida e roteirizada por Kaouther Ben Hania, também foi lançado entre nós em 7 de março, no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e outras seis cidades. No Festival de Cannes, em 2023, do qual participou em competição, recebeu quatro prêmios: Prêmio de Cinema Positif, Prêmio François Chalais Menção Especial do Júri, L’Oeil d’Or (Olho de ouro) de melhor documentário, ex aecquo com A Mãe de Todas as Mentiras (exibido no Festival do Rio de 2023) e Prêmio da Cidadania. Nos meses seguintes, acumulou inúmeros outros prêmios.

Cena de As 4 Filhas de Olfa (Crédito: Divulgação)

 

As 4 Filhas de Olfa transita com maestria entre documentário e ficção.

Conta com atrizes nos papeis das duas filhas de Olfa Hamrouni – Ghofrane e Rahma que fugiram de casa, em 2015, quando tinham 16 e 15 anos, respectivamente. Outra atriz passa a atuar como a própria Olfa quando esta tem dificuldade em relatar o trauma da família diante da câmera, embora se mantenha no projeto. Um ator faz o papel do marido de Olfa e de outros personagens menores. Eya e Tayssir, as filhas que tinham 10 e 12 anos quando as irmãs mais velhas sumiram, participam da gravação do psicodrama no qual experiências de vida pessoais e relações familiares são relatadas e debatidas, incluindo a revelação de que Ghofrane e Rahma foram para a Líbia e aderiram ao Estado Islâmico.

O terceiro dos cinco documentários concorrentes ao Oscar a que assisti é A Memória Infinita, produção chilena, com direção e roteiro de Maite Alberdi, disponível nas plataformas Amazon Prime Video e Paramount +. Dos três é o menos celebrado, apesar de ter recebido, entre outros, o Grande Prêmio do Júri da seção de documentários World Cinema no Festival de Sundance, em 2023. Nem por isso, no entanto, é inferior aos demais, pelo contrário. Sob certos aspectos até os supera ao acompanhar de perto a perda da memória do veterano jornalista Augusto Góngora (1952-2023), cronista dos crimes da ditadura Pinochet, casado há mais de vinte anos com a atriz e ativista Paulina Urrutia. É ela quem cuida dele com desvelo e paciência comoventes, além de fazer gravações dos dois na intimidade que ninguém mais poderia registrar. 

Alberdi explicou à revista Caimán Cuadernos de Cine que “cedeu o controle da câmera aos personagens por muito tempo. Era impossível contar essa história, algo que percebi na edição, sem a colaboração deles. Para que se pudesse entender o peso da história, a sua relação e as pessoas públicas que foram. O material não ser inteiramente meu foi uma novidade. Meus outros filmes foram controlados por mim, mas neste caso, com a pandemia, tive de entregar o controle. Recebi material da Paulina fora de foco, algo que não admitiria como válido num filme, mas era tão profundo, tão íntimo e emocionante, que era melhor que o meu próprio material. Vi outra dimensão da realidade, sem procurar uma proposta estilística mais sofisticada.”

A atriz e ativista Paulina Urrutia ao lado do marido, o jornalista Augusto Góngora, no documentário A Memória Infinita (Crédito: Divulgação)

 

“A grande questão da intimidade”, diz Alberdi, “era quais são os limites. Queria estar com eles até o fim, não queria prazo para entregar o filme. Eu tinha acesso a tudo e liberdade. Como diretor, você tem que estabelecer limites. Quando senti que o Augusto estava perdendo a identidade, que não era mais ele, foi aí que estabeleci o limite. Um ano e meio depois ele morreu, mas eu não estava mais lá, esse era o filme que eu queria contar.”

 

Domingo, 10 de março, 23h20. Terminou há pouco em Hollywood o que havia sido chamado, com razão, de uma das premiações do Oscar mais previsíveis dos últimos tempos. Com exceção da premiação de som, atribuída a Zona de Interesse em vez de a Oppenheimer, os demais favoritos que mencionei acima, indicados pela Variety, ganharam a estatueta dourada. Mesmo assim, considerado o melhor em sete categorias, Oppenheimer foi o grande vitorioso da noite. Um dos poucos imprevistos da cerimônia foi a escolha de melhor atriz, à qual não fiz referência na coluna: Emma Stone ganhou o Oscar por sua atuação em Pobres Criaturas, e não Lily Gladstone, por Assassinos da Lua das Flores, considerada favorita pela Variety.

Ao receber o Oscar de melhor documentário, o diretor de 20 Dias em Mariupol, Mstyslav Chernov, declarou: “Este é o primeiro Oscar na história da Ucrânia e eu estou honrado, mas provavelmente serei o primeiro diretor que dirá neste palco que gostaria de nunca ter feito esse filme. Eu gostaria de poder trocar isto [referindo-se ao Oscar que segurava na mão direita] pela Rússia nunca ter atacado a Ucrânia, nunca ter ocupado as nossas cidades. Eu desejaria poder dar todo o reconhecimento à Rússia por não ter matado dezenas de milhares de meus compatriotas ucranianos. Desejo que libertem todos os reféns, todos os soldados que estão protegendo suas terras, todos os civis que estão agora nas suas prisões. O cinema forma a memória e a memória forma a história. Mas não posso mudar a história. Não posso mudar o passado.”

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