Na dança das cadeiras presidenciais, Marina sobrou. Restam Bolsonaro e mais três. Como assim? A candidata da Rede não está tecnicamente empatada com Ciro, Alckmin e Haddad? É o movimento, leitor: pesquisa é filme, não adianta olhar só a fotografia. Na projeção da campanha eleitoral, Marina está ficando para trás. À tendência histórica de baixa estendeu-se a queda no curto prazo. Pode levar dois dias ou duas semanas, mas o fotograma sem ela entre os segundos colocados aparecerá. E as outras cadeiras?
A facada fixou o assento de Bolsonaro. Ele está em patamar mais de dez pontos acima dos concorrentes, e isso sem contar os eleitores que têm vergonha de verbalizar o voto no capitão. Sua vaga no segundo turno depende mais da saúde do candidato do que de qualquer outra coisa. No filme da eleição, Bolsonaro continua em ascensão. Depois do atentado, cresceu no Rio, em Minas e no Distrito Federal. Se não subiu também em São Paulo, oscilou para cima. Bolsonaro rompeu seu teto eleitoral e não achou novo limite, ainda. A cirurgia de emergência na quarta-feira à noite demonstrou, porém, que seu problema médico é complexo e grave.
Se superadas as complicações abdominais do líder das pesquisas, sobram três candidatos para uma cadeira só. Ciro e Alckmin logo perceberam a mudança do cenário e trocaram de alvo. Em vez de mirar em Bolsonaro, ambos passaram a atirar em Haddad, tentando frear o rápido crescimento do petista e evitar que ele assuma a vice-liderança sozinho. Não está fácil de acertarem nele.
Diferentemente de 2010, a menor preocupação do PT é com o Nordeste, com os municípios do interior e com os pobres. Se naquela eleição Dilma demorou para virar a “mulher do Lula”, Haddad está se transformando no moço do ex-presidente para o eleitorado nordestino rapidamente. O que mudou? WhatsApp. Com a massificação dos smartphones, grupos de “zap” petistas transformam decisão da cúpula do partido em Curitiba num meme popular no Bodocó, sertão pernambucano, em horas –- minutos até.
Ainda mais relevantes que a máquina eleitoral do PT são as vantagens estratégicas que Haddad herdou de Lula. Elas abrem a janela para o ex-prefeito de São Paulo surrupiar votos dos adversários. Cerca de metade dos eleitores de Ciro e de Alckmin admitem votar no candidato indicado pelo ex-presidente, segundo o Ibope. Mas não é só aí que Haddad busca os pontos que lhe faltam para isolar-se na segunda colocação do páreo eleitoral.
De acordo com o Ibope, o petista é, dentre os favoritos, o candidato com menor rejeição entre os eleitores sem candidato (a soma daqueles que declaram que votariam em branco, anulariam ou estão indecisos): só 18% desses não votam nele de jeito nenhum.
Se não bastasse, Haddad só converteu até agora as intenções de voto de um em cada três eleitores que se declaram simpatizantes do PT. Esse contingente varia de 21% (Datafolha) a 24% (Ibope) do eleitorado. Mesmo que não converta 100%, se convencer dois em cada três petistas a votarem nele, Haddad saltará dos 8% ou 9% que tinha segunda-feira para 16% ou 17%. Basta para deixar claro que é o favorito à segunda cadeira.
A polarização entre Bolsonaro e Haddad não é surpresa para quem atentou à política brasileira nos últimos 24 anos. Desde 1994 as eleições majoritárias no Brasil se organizam entre PT e antiPT. O fato de um mesmo partido ter assumido o papel de principal adversário petista nas últimas seis disputas pelo Palácio do Planalto fez parecer que a expressão da luta pelo poder era PT x PSDB. Bolsonaro está demonstrando que o PT era a constante, e que o PSDB era a variável dessa equação.
Segundo o Ibope, 30% dos eleitores brasileiros não votariam no PT de jeito nenhum. Nenhum outro partido causa tanta ojeriza. Na ponta oposta, Lula tinha 37%, até ser barrado pela Justiça. Hoje, a maioria absoluta do terço de eleitores que rejeitam o PT declara voto em Bolsonaro. Quantos votam em Alckmin? 9%. Só 9%.
Quer dizer, então, que a eleição caminha inapelavelmente para a o embate Bolsonaro x Haddad? Longe disso. Cisnes negros (apud Nassim Taleb), fístulas e aderências à parte, há e haverá a reação de Ciro e Alckmin à ascensão de Haddad. Se nada mais funcionar, os dois usarão o discurso do voto útil contra o petista. Dirão aos mais de 40% de eleitores que rejeitam Bolsonaro que Haddad é quem tem menos chance de vencer o candidato da direita num segundo turno. Apelarão ao medo.
Pode ser que cole, pode ser que não. Mas uma resultante possível é que os três – Haddad, Ciro e Alckmin – se engalfinhem em uma luta renhida que dificultará ou mesmo inviabilizará uma aliança das forças políticas que representam em um segundo turno contra Bolsonaro. Tanto mais grave se o tucano não ficar com a segunda cadeira. Alckmin terá sido derrotado, e Doria estará no segundo turno em São Paulo, com forte estímulo para apoiar Bolsonaro. O PSDB sofreria, nesse cenário, um risco alto de rachar.
Mesmo se Alckmin ou Ciro passarem ao turno final as chances de Bolsonaro não seriam tão pequenas assim, especialmente se as mágoas do primeiro turno alimentarem uma abstenção maciça de eleitores petistas em 28 de outubro. Diante do improvável pacto de seus três rivais imediatos para o segundo turno, o desafio do capitão tornado presidenciável é chegar até lá são e salvo.