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questões cinematográficas

Rifle – rebelado taciturno

Irrepreensível visualmente, filme de Davi Pretto peca no roteiro

Eduardo Escorel | 14 ago 2017_17h00
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Rifle, dirigido por Davi Pretto, destaca-se pelo aproveitamento dos pastos do Rio Grande do Sul, muito bem enquadrados, fotografados e filmados. Irrepreensível visualmente, o filme concretiza o objetivo declarado do diretor de tornar a locação “personagem importante filmado em scope”. Igualmente bem-sucedida é a valorização dos ruídos e do som ambiente que contribuem para a atmosfera tensa dominante.

Outro acerto é a escolha do elenco de atores não-profissionais que confere autenticidade à encenação, mesmo se por vezes seja difícil compreender os diálogos (dificuldade causada talvez pela emissão e entonação de vozes não treinadas, articulação deficiente das palavras e emprego eventual de vocabulário regional). Esse dano, porém, não é decisivo, pois se trata de um filme pouco falado em que o personagem principal é taciturno.

A escassez de expressão oral é tamanha, aliás, que sugere a possibilidade de resultar menos de uma decisão estética e mais da inexperiência dos roteiristas e do diretor. Por mais ensimesmados que os personagens sejam, há situações em que o silêncio deles se torna constrangedor e parece advir de uma imposição artificial.

Apesar de ter recebido o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Brasília de 2016, é justamente aí, no roteiro, que parece estar a origem da maior imperfeição de Rifle, responsável por tornar o filme pouco atraente para espectadores menos interessados apenas na concepção visual e no clima projetado na tela. Faltam alicerces dramáticos mais sólidos que justifiquem a opção do personagem principal por se tornar uma espécie de justiceiro anárquico sem eira nem beira. Além da fragilidade da motivação para sustentar o enredo, outros personagens e eventos também pecam por inconsistência – todos fatores prejudiciais ao filme.

O personagem principal de Rifle se sente acuado. Não apenas pela tentativa do grande proprietário de comprar as terras de pasto da família para transformar em plantação de soja, mas pelo som alto do carro do casal de namorados e pela presença de jovens em seu refúgio – a cachoeira onde é visto raspando o tronco da árvore, no início do filme. Não faltam motivos para ele reagir a esses invasores, mas o que o filme consagra é a opção pela violência inconsequente e irresponsável, como se atirar em carros que passam na estrada – levando um a capotar –, fosse expressão de revolta legítima capaz de conquistar algum benefício para o rebelado.

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Rifle, segundo filme de Pretto, teve estreia semiclandestina, quinta-feira passada (3 de agosto), depois de ter recebido, em 2016, três prêmios nos festivais de Brasília – Melhor Filme do Júri da Crítica (dado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema), Melhor Roteiro e Melhor Som –  e outro no 12º Panorama Internacional Coisa de Cinema – Melhor Filme –, realizado em Salvador e Cachoeira. Este ano, foi exibido nos festivais de Berlim e no início de maio em Jeonju, na Coreia do Sul, onde recebeu o Grande Prêmio.

Embora coroado de louros, Rifle demorou a chegar às telas do circuito comercial e, mesmo assim, só foi lançado agora graças ao patrocínio da Petrobras que permite vender o ingresso a preço subsidiado de até 12 reais. No Rio de Janeiro e em Niterói, o lançamento foi quase secreto – sem promoção e publicidade, com apenas quatro sessões diárias: uma na Praia de Botafogo, duas na Gávea, nesse caso apenas cinco dias por semana, e a quarta sessão em Icaraí, no Cine Arte da Universidade Federal Fluminense. É verdade que graças ao patrocínio o filme estreou ao mesmo tempo em outras quinze cidades, de Recife a Porto Alegre, mas sempre com poucas sessões por dia.

Há uma distância abissal entre, de um lado, o aplauso dos festivais e da crítica, e de outro a expectativa de bilheteria por parte do distribuidor e do exibidor que se traduz em poucas salas de cinemas e sessões. A julgar pela sessão de sábado passado às 16 horas, o prognóstico comercial estava correto. Quando o filme começou, havia dois espectadores na sala. Depois de alguns minutos de projeção, alguém entrou, clareando o caminho até seu lugar com a lanterna do celular. E, no final, quando o longo crédito rotativo acabou de passar e a luz da sala foi acesa, eu era a única pessoa presente.

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