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questões cinematográficas

Sangue azul – o pássaro e a sereia

Ele é um pássaro, ela uma sereia. Pedro/Zolah (Daniel Oliveira) é o homem-bala. Raquel (Caroline Abras), a mergulhadora. Suas profissões são incompatíveis. Parecem escolhidas para mantê-los afastados. Mas ao se reaproximarem, depois de anos separados, não há o que impeça o pássaro de vencer seu medo da água e mergulhar, mesmo correndo o risco de ficar cego. No fundo do mar, ele e a sereia finalmente se encontram em uma coreografia amorosa. Essa é a história de amor de Sangue azul, dirigido por Lírio Ferreira, a partir de roteiro escrito por ele, Fellipe Barbosa e Sérgio Oliveira.

| 08 jun 2015_14h28
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Ele é um pássaro, ela uma sereia. Pedro/Zolah (Daniel Oliveira) é o homem-bala. Raquel (Caroline Abras), a mergulhadora. Suas profissões são incompatíveis. Parecem escolhidas para mantê-los afastados. Mas ao se reaproximarem, depois de anos separados, não há o que impeça o pássaro de vencer seu medo da água e mergulhar, mesmo correndo o risco de ficar cego. No fundo do mar, ele e a sereia finalmente se encontram em uma coreografia amorosa. Essa é a história de amor de , dirigido por Lírio Ferreira, a partir de roteiro escrito por ele, Fellipe Barbosa e Sérgio Oliveira.

Não faltam virtudes a – elenco com raros senões; locação bem escolhida, muito bem filmada e fotografada; excelente música, intervindo na medida certa; magníficas cenografia, figurinos e caracterizações circenses etc. Com tais e tantos ingredientes o filme resultante pode ser insatisfatório? A meu ver, sim. Diante do que me parecem ser carências, suas qualidades incomuns devem ser deixadas de lado. Avaliação da qual discordam, é preciso dizer, os vários festivais de cinema que o acolheram e premiaram (melhor filme e melhor diretor no Festival do Rio, em 2014; prêmios de fotografia e figurino, em Paulínia; e filme de abertura da Mostra Panorama do Festival de Berlim, também em 2014 etc.). Mas será mais do que isso – um bom exemplo de um gênero cada vez mais comum de filme brasileiro, o filme de festival?

Entre outras insuficiências, falta senso de medida a , requisito elementar da grande obra de arte. É um filme longo demais, durando cerca de duas horas, que deixa no ar o que deveria narrar, ao mesmo tempo em que acumula situações gratuitas. Desequilibrado, demora a iniciar sua história de amor. Trata os personagens como automatos eróticos. Recorre a alguns dos piores lugares comuns da dramaturgia, em particular no caso dos personagens do ilusionista e do velho ilhéu contador de histórias etc.

Filmes, como doces, têm ponto certo. passou do ponto e o resultado é um filme que custa demais a definir seu rumo, ziguezagueia durante uma hora, oscilando entre grandes demonstrações de talento e atos de autossabotagem. A abertura do filme, na qual Pedro/Zolah estripa o mico em primeiro plano, é exemplar nesse sentido. O mar agitado, com as ondas batendo na frente da lente, e o Solaris navegando rumo à ilha que se vê no horizonte, não pode ser apreciado pelo que é – uma bela imagem. É preciso introduzir algo que vá de encontro à beleza.

O que levou Rosa (Sandra Corveloni) a afastar Pedro/Zolah e Raquel permanece obscuro ao longo da primeira metade do filme. A natureza da interdição que pesa sobre eles acaba sendo revelada apenas por uma pergunta casual. É um informação crucial para entender o filme que pode ser facilmente perdida à menor distração. Repousando numa única frase solta, e não em situações encenadas que independam do diálogo, a pergunta que Pedro/Zolah faz para Raquel não é suficente para sustentar a resistência dos dois à atração que sentem um pelo outro.

Os conflitos existenciais que dominam os personagens de em alguns casos são incompatíveis com seus perfis, em outros resultam simplesmente risíveis. Quando a angústia provocada pela temporada na ilha se apossa do atirador de facas Gaetan (Matheus Nachtergaele), por exemplo, e ele se sente aprisionado à espera de um barco para poder partir, a pergunta que ocorre é por que ele não toma um avião no aeroporto local, como o que passa sobre a cabeça dos personagens e pousa na pista asfaltada.

Como todo filme, tem uma premissa dramática. No caso, “o passado tem mania de cobrar fiado”. Ao incluí-la nos diálogos, porém, os roteiristas a tornam mais banal do que já é. Ao ser enunciada, soa desrespeitosa à inteligência do espectador e prejudica o filme que não consegue dar conta do que sua própria premissa propõe.

Sangue azul sofre, além do mais, de uma doença conhecida como priapismo narrativo. Não é uma condição médica rara no cinema brasileiro, muito pelo contrário, mas este é um caso grave. Priapismo narrativo é o que leva roteiristas e diretores a disseminarem relações sexuais nos filmes, de modo geral excessivas, gratuitas e mal filmadas. É o que acontece em , no qual ocorrem, em média, a cada 15’ e parecem ser a principal ocupação do homem-bala.

O que Lírio parece acreditar serem gestos de transgressão às convenções não passam de intervenções abruptas nas quais os personagens agem como autômatos, movidos por um furor erótico atribuído aos trópicos por um clichê desgastado.

Em entrevista ao programa Metrópolis, na TV Cultura, Lírio revelou sua preocupação com o que chamou de “encaretamento, um negócio politicamente correto” que começou, segundo ele, no final da década de 1980. Deduz-se das suas declarações que para reagir à “caretice”, embora não o diga claramente, ele inclui o que chama de “cenas polêmicas” na história de amor.

O problema não está em serem ou não polêmicas, mas sim no modo forçado com que são inseridas na narrativa, e no esquematismo com que são filmadas, ao contrário do resto do filme.

Ao rejeitar a beleza que revela ter talento de sobra para criar, Lírio adota postura que em outros tempos seria própria de um adolescente mas que hoje em dia resulta convencional em qualquer idade.

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