Sem resposta
Quem viu o filme Pulp Fiction não se esquece da cena em que Uma Thurman, após sofrer uma overdose de heroína, é ressuscitada com uma injeção de adrenalina no coração aplicada por John Travolta. Mas será que a eficácia desse procedimento foi testada pela medicina? A questão foi levantada esta semana por um dos mais divertidos sites de ciência da internet, que propõe uma interessante discussão sobre os limites do conhecimento científico.
Quem viu o filme Pulp Fiction não se esquece da cena: o personagem de John Travolta leva a esposa do patrão – um temido gângster – para jantar e dançar, a pedido do chefe. Ao final da noitada, a moça, interpretada por Uma Thurman, sofre uma overdose de heroína. Desesperado com a morte aparente da mulher, Travolta a leva à casa de um amigo, onde lhe aplica uma injeção de adrenalina no coração, supostamente capaz de ressuscitá-la. A estratégia dá certo, Thurman recobra subitamente a consciência e se levanta, ainda com a seringa espetada no peito.
Mas será que a eficácia desse procedimento foi testada pela medicina? Não exatamente, como assinalou um post publicado esta semana num dos mais divertidos sites de ciência da internet, o Journal of Unsolved Questions (‘Revista de Questões em Aberto’, em tradução livre). Num texto curto e bem humorado, Johannes Heymer lembra que a injeção desse hormônio é indicada em casos de parada cardíaca, embora não haja estudos que atestem sua validade. O autor fundamenta seu argumento em normas internacionais para esse procedimento publicadas pelo Conselho Europeu de Ressuscitação:
“Apesar do uso difundido da adrenalina durante a ressuscitação (…), não há qualquer estudo com controle por placebo que mostre que o uso rotineiro de vasopressores em humanos em qualquer estágio durante a parada cardíaca aumente a sobrevida (…)”, diz o documento. “Apesar da falta de dados em humanos, o uso da adrenalina ainda é recomendado, baseado amplamente em dados de animais e no aumento da sobrevida de humanos em curto prazo.”
A dúvida sobre a eficácia da adrenalina foi a “questão da semana” escolhida pelos editores do Journal of Unsolved Questions (cuja abreviação – JUnQ – se lê como junk, ‘lixo’ em inglês). Ali, eles costumam discutir regularmente casos para os quais a ciência simplesmente não tem uma resposta definitiva. Entre os temas recentemente tratados, estão a estrutura molecular da água líquida, a eficácia das mensagens subliminares ou o último elemento da tabela periódica.
Ao trazer à tona algumas zonas de sombra da ciência que não costumam ter grande visibilidade, a iniciativa do JUnQ ajuda a entender o processo de produção do conhecimento científico. Os cientistas não costumam dar muita publicidade às pesquisas que não levam a lugar algum ou às questões que não conseguem responder. Preferem se pautar por uma agenda positiva, trazendo a público apenas os resultados dos estudos que deram certo e dos quais se pode tirar alguma conclusão válida (outra exceção notável é o Journal of Negative Results, que merece comentários mais detalhados no futuro).
Inverter esse quadro é o objetivo dos editores do JUnQ – todos eles pesquisadores, na maioria vinculados à Universidade Johannes Gutenburg, em Mainz, Alemanha. “JUnQ é uma plataforma para reunir resultados ‘inválidos’ de pesquisa. Trata-se de um meio para divulgar projetos que simplesmente não funcionaram, dados ambíguos sem exagero e investigações não concluídas, que levantam mais perguntas do que trazem respostas”, afirmam eles na apresentação da revista. Eles pretendem “estabelecer a publicação de resultados inválidos como um fundamento importante para o avanço do conhecimento e da compreensão da ciência em todas as disciplinas, contribuindo assim para combater o viés e a fraude na pesquisa”.
Fica então o convite para que o leitor navegue pelas questões não respondidas e, com isso, entre no mundo da ciência pela porta dos fundos para conhecer seus bastidores.
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