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Questões da Ciência

Sobre gases e frutas

Nas bancas desde o começo do mês, a piauí 57 traz uma reportagem que investiga como o Brasil calcula a sua produção de gases do efeito estufa, cujo acúmulo na atmosfera está por trás do processo de mudança climática que afeta o planeta. O blog discute em detalhes uma questão tratada rapidamente no texto: que denominador comum usar para comparar os diferentes gases que causam o aquecimento global?

Bernardo Esteves | 08 jun 2011_18h53
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Nas bancas desde o começo do mês, a piauí_57 traz uma reportagem que investiga como o Brasil calcula a sua produção de gases do efeito estufa, cujo acúmulo na atmosfera está por trás do processo de mudança climática que afeta o planeta. Aproveito o espaço do blog para discutir em mais detalhes uma questão tratada rapidamente no texto. (Assinantes da piauí têm acesso à matéria aqui).

Os principais gases-estufa, como são chamados de forma simplificada os compostos que causam o aquecimento global, são o gás carbônico ou dióxido de carbono (CO2), o metano e o óxido nitroso, entre outros. Nos inventários que os países submetem à Convenção do Clima da ONU, as emissões desses gases são somadas para que se chegue a um único número final. Nessa operação, cada gás é contado com um peso diferente, em função da sua contribuição para a mudança climática. O resultado final é apresentado em toneladas de dióxido de carbono equivalente, para equiparar todos os gases ao CO2.

Mas essa é uma equivalência controversa. A equipe responsável pela elaboração do inventário brasileiro de gases-estufa contesta os coeficientes usados no método usado pelos países desenvolvidos e propõe uma métrica alternativa. Afinal, que denominador comum se deve usar para comparar os diferentes gases que causam o aquecimento global?

Para entender a polêmica, pensemos em como seria possível estabelecer equivalências entre duas cestas que contivessem um número variado de laranjas, maçãs, uvas e peras. Uma primeira maneira de compará-las seria pesando as frutas. Outra possibilidade seria somar o número de calorias de cada uma. Mas seria possível também medir a quantidade total de água contida em cada uma, ou contar seu número de sementes – as possibilidades são inúmeras.

O Brasil se nega a adotar a métrica mais usual, conhecida como GWP (sigla em inglês para ‘Potencial de Aquecimento Global’). A opção é assim justificada no inventário: “O GWP baseia-se na relativa importância dos gases de efeito estufa na produção de uma quantidade de energia vários anos após um impulso de emissão.” Mas essa variável, prossegue o documento, não representa de forma adequada a contribuição relativa de cada gás, porque “a mudança do clima não é proporcional à energia, à exceção de períodos de tempo muito curtos”.

De acordo com a posição defendida pelo Brasil, o uso dessa métrica propiciaria políticas inadequadas para a mitigação do aquecimento global. “Além disso”, afirma o texto do inventário, “o seu uso enfatizaria sobremaneira, e de modo errôneo, a importância de gases de efeito estufa de curto tempo de permanência na atmosfera, especialmente a do metano.”

Aqui, um problema que era essencialmente técnico ganha contornos políticos. Ao superestimar a contribuição do metano – um gás importante nas emissões do setor agropecuário –, o GWP prejudica os países em cuja economia esse setor desempenha um papel expressivo, caso do Brasil. O coordenador técnico do inventário, o engenheiro eletricista Newton Paciornik, alega que o Brasil defende sua posição com critérios técnicos acima de tudo. “Nossa questão não é política, é científica também”, disse ele numa das ocasiões em que o entrevistei na preparação da reportagem.

Nas esferas diplomáticas que definem os rumos da política global do clima, o Brasil defende a adoção de uma métrica alternativa – o GTP, sigla em inglês para ‘Potencial de Temperatura Global’. A métrica atribui coeficientes diferentes a cada gás do efeito estufa, para reavaliar sua contribuição para a mudança climática. No caso do metano, nota-se uma diferença expressiva: no cálculo do GWP, uma tonelada desse gás equivaleria a 21 toneladas de gás carbônico. De acordo com o GTP, ela valeria apenas 5 toneladas de CO2. Essa diferença pode ser importante no cálculo total. Calculadas de acordo com o GWP, as emissões brasileiras em 2005 seriam de 2,192 bilhões de CO2 equivalente; já pelo GTP, elas não passariam de 1,879 bilhão de CO2 equivalente – 14% menos que no GWP.

O inventário brasileiro fez a soma das emissões com as duas métricas “apenas para fins de informação”. “Nossa preocupação foi retratar a emissão dos gases com a melhor informação possível para cada um”, afirmou Newton Paciornik. “Esses são os dados de que precisamos para qualquer métrica. Se futuramente o cálculo mudar, em 10 minutos refazemos o cálculo de acordo com o peso adotado para cada gás.”

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