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Stardust

Quando morre um gigante sentimos na carne o quanto os artistas são importantes. São a nossa reserva de voo, de delírio, de imaginação – nossa defesa, nossos aliados diante do cotidiano comezinho, feito de filas, engarrafamentos, contas, preocupações, compromissos, mil aporrinhações que nos desviam da vida verdadeira.

Paulo da Costa e Silva | 11 jan 2016_15h59
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Quando morre um gigante sentimos na carne o quanto os artistas são importantes. São a nossa reserva de voo, de delírio, de imaginação – nossa defesa, nossos aliados diante do cotidiano comezinho, feito de filas, engarrafamentos, contas, preocupações, compromissos, mil aporrinhações que nos desviam da vida verdadeira. Saber da morte de David Bowie hoje, nessa manhã nublada, é um duríssimo golpe. A sensação espiritual é análoga ao dia que se anuncia: sol oculto e sem brilho, luminosidade reduzida, fusão das cores numa massa indiferenciada de cinzas. Logo estarei numa fila de caixa, ruminando o pensamento amargo de que Bowie não está mais entre nós. Meu consolo é saber que no mundo inteiro outras tantas pessoas experimentarão, ao longo dessa segunda-feira e nos dias que virão, o mesmo desconsolo. Os noticiários vão falar dele, vão expor imagens de seu antigo topete, de suas roupas coloridas, seu visual camaleônico, e logo retornarão aos irrelevantes e cinzentos assuntos de sempre. À imagem de Bowie provavelmente se seguirá a de algum burocrata engravatado.

Grandes artistas são seres de exceção num mundo que nos conduz cada vez mais para o nivelamento e a indiferenciação.  Bowie foi um artista amplo, que cultivou sua própria persona como obra de arte. Ajudou assim a definir os próprios contornos da cultura pop, experimentando em sua irrequieta oficina as mil fantasias de um popstar. Nesse sentido, foi um artista contemporâneo. Mas não descuidou da obra, e, nesse outro sentido, não deixou de ser moderno. Suas canções não me saem da cabeça. Muitas delas são absolutamente desconcertantes. Cósmicas, delirantes. Com a transparência e o acabamento natural dos cristais. Expressam perfeitamente o que me parece ter sido a essência de seu legado na Terra. Mais do que compositor, cantor, ator, etc., Bowie foi uma ideia de liberdade; um chamado para a criação imaginativa da própria vida, com toda a sua multiplicidade de aventuras e personagens, nessa curta passagem por esse mundo louco, antes que voltemos a ser stardust. Check ignition and may God’s love be with you.

https://www.youtube.com/watch?v=cYMCLz5PQVw

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