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    Efrain Cruz, novo secretário executivo do Ministério das Minas e Energia - Crédito: Intervenção de Thallys Braga sobre foto de Pedro França/Agência Senado

questões energéticas

TCU faz lista de suspeitas sobre Efrain Cruz

A piauí teve acesso a novo relatório do tribunal, no qual o servidor nomeado para número dois de Minas e Energia é investigado por beneficiar os irmãos Batista, da JBS

Breno Pires | 22 mar 2023_18h46
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Um novo relatório da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) agrava as acusações de irregularidades cometidas por Efrain Cruz, recém-nomeado secretário executivo do Ministério de Minas e Energia. As irregularidades ocorreram quando Cruz era diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O documento do TCU fala que Cruz praticou  atos “temerários”, “precipitados”, “ilegais” e “ilegítimos”, que levaram a questionamento sobre possível “patrocínio de interesses privados”, no caso em que, na condição de relator, beneficiou a empresa Âmbar, propriedade dos irmãos Batista, donos da JBS. Na decisão, Cruz isentou a Âmbar de pagar multas que podiam chegar à casa de bilhão de reais.

O caso é grave, mas é simples. A Âmbar assumiu os contratos de leilão de energia, realizado com urgência em função da crise energética em 2021, segundo o qual deveria construir quatro novas usinas. Se não o fizesse, teria o contrato cancelado e receberia multa mensal de mais de 200 milhões de reais. A Âmbar, no entanto, não construiu as usinas no prazo e, na falta delas, pediu que a geração de energia fosse assumida por outra usina, a UTE Cuiabá, que já existia bem antes do leilão. Na tramitação desse pedido formulado pela Âmbar, aconteceram as idas e vindas nas quais o TCU sentiu cheiro de enxofre .

Em um primeiro relatório, de setembro do ano passado, os auditores se debruçaram sobre o caso e concluíram que Efrain Cruz tomou decisões que eram da competência do colegiado ou da diretoria geral Aneel, ao enviar um ofício à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), órgão regulado e fiscalizado pela Aneel. Também diz que Efrain Cruz não conseguiu fundamentar as decisões que tomou, ofereceu à Âmbar benefícios que nem sequer foram pedidos pela empresa e tocou o caso sem qualquer transparência. Encerrado o relatório do ano passado, o TCU quis ouvir a Aneel, que defendeu as decisões de Efrain Cruz e dos outros três diretores da Aneel que votaram com ele (Hélvio Neves Guerra, Ricardo Lavorato Tili e Sandoval de Araújo Feitosa Neto).

Os auditores, no entanto, entenderam que as respostas da Aneel não afastam os indícios de irregularidades e decidiram continuar as investigações, cujas conclusões foram reunidas agora em um segundo relatório, ao qual a piauí teve acesso. Esse novo relatório ficou pronto na segunda-feira passada (20), no mesmo dia em que a nomeação de Efrain Cruz para o Ministério das Minas e Energia foi publicada no Diário Oficial da União.  É tão contundente que, nos bastidores do tribunal, caiu como uma bomba.

A certa altura, o relatório afirma: “Há vários indícios de que o Sr. Efrain Pereira da Cruz […] agiu em desacordo com a legislação e as disposições regulamentares, denotando falta de zelo com a credibilidade interna e externa da Aneel, bem como prejudicando a legitimidade de suas ações, levando a questionamentos, especialmente de representantes dos consumidores de energia elétrica, acerca do indevido patrocínio de interesses privados, em detrimento do interesse público, situações que podem levar à aplicação de multa pelo TCU”.

Os auditores do TCU chegam a falar em “evento pontual de captura da Agência [referem-se à Aneel]”, no contexto do caso que beneficiou a Âmbar. Eles frisam que a captura regulatória é um conceito bem estudado e que foi exposto em outro relatório recente do tribunal. (“Captura regulatória”, segundo consta em outro acórdão do TCU, “é um fenômeno que ocorre quando há distorção do interesse público em favor do interesse privado, motivada pela enorme pressão do poder econômico das empresas reguladas e de grupos de interesses, afetando de forma evidente a imparcialidade das agências reguladoras”.)

Ao fazer um resumo da atuação de Efrain Cruz no caso da Âmbar, o relatório ainda afirma: “Tais condutas indicam a prática de atos precipitados, ilegais, ilegítimos (por não deter a competência) e antieconômicos (na medida em que geraram custos para análises e manifestações divergentes da CCEE, da Diretora-Geral da Aneel e do MME). Os indícios caracterizam conduta, no mínimo, culposa (imprudência), podendo-se cogitar de dolo eventual (assumir risco muito acima do razoável de produzir resultado contrário ao interesse público e favorável ao interesse privado)”.

Em suas 61 páginas, o relatório detalha algumas condutas. Numa ocasião, Efrain Cruz fez despacho que, na prática, aprovava um pedido da Âmbar de flexibilização de critérios para o cumprimento de obrigações de geração de energia. A área técnica do TCU cita um “aparente erro grosseiro” cometido pelo relator no caso. Segundo os técnicos, faltava uma garantia física para autorizar que a UTE Cuiabá substituísse as usinas que deveriam ser construídas. “Mesmo que tal pendência (falta de garantia física) tenha sido tempestivamente  alertada pelas instâncias técnicas e pela  Diretora-Geral, nada constou da deliberação final do colegiado, em aparente erro grosseiro cometido pelo relator do caso”.

Em outra passagem, o relatório informa que Efrain Cruz chegou a escrever um ofício para duas autoridades – um secretário do Ministério de Minas e Energia e um diretor da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – tentando destravar a questão da “garantia física” da Âmbar. No ofício, datado de 19 de julho do ano passado, ele pede “os préstimos do Ministério de Minas e Energia e da Empresa de Pesquisa Energética para a definição da garantia física da UTE Cuiabá, cujas  informações e dados necessários para o cálculo deverão ser encaminhados pela Âmbar Energia S. A. diretamente às áreas responsáveis nos respectivos órgãos.” Parecia agir como se fosse um auxiliar da Âmbar.¹

A área técnica do TCU analisou o ofício de Efrain Cruz e chegou à conclusão de que ele “extrapolou, mais uma vez, as suas competências, adentrando, indevidamente, naquelas da Diretoria-Geral e da Diretoria Colegiada da Agência”. Segundo o TCU, não havia “qualquer delegação de competência para que o então diretor pudesse fazer tal solicitação em nome da Agência”. O ofício de Efrain Cruz, escrevem os auditores, causou “estranhamento” no Ministério de Minas e Energia. Em nota técnica, a secretaria responsável respondeu dizendo que “não há suporte normativo” para definir um valor para a garantia física. Em outras palavras, Efrain Cruz buscava facilitar a vida da Âmbar sem amparo legal para fazê-lo.

Todo esse protagonismo de Efrain Cruz em favor da empresa dos irmãos Batista, nos termos do relatório do TCU, “aparentam condutas ilegais e temerárias que colocaram em risco a credibilidade e a reputação da Aneel perante todo o setor elétrico”. Como que para não deixar dúvidas, o relatório ainda afirma tudo o que Efrain Cruz deveria ter feito, a saber:

  • “Deveria ter decidido pela não substituição das termelétricas […] pela UTE Cuiabá”, exatamente o contrário do que fez
  • “Deveria ter se limitado ao pedido feito pela demandante na concessão da medida cautelar”, em vez de dar à Âmbar mais vantagens do que ela pedira
  • “Não deveria ter proferido decisão sem que o requerimento estivesse disponível para consulta pública”.
  •  “Não deveria ter encaminhado os ofícios à CCEE e ao MME”

 

Em sua conclusão, os auditores dizem que “os fatos e os contextos” do caso  “configuram fortes indícios de que o Sr. Efrain Pereira da Cruz incorreu em condutas que poderão ensejar a aplicação de multa pelo TCU”. Caso o plenário do TCU entenda que houve irregularidade, além da multa, Efrain Cruz pode ser até inabilitado para ocupar cargos na administração federal. Seria um duplo constrangimento para o governo Lula: além de número dois do Ministério de Minas e Energia, ele também foi nomeado para ocupar uma cadeira no Conselho de Administração da Petrobras. Se for punido, poderá ter que deixar os dois cargos.

A pedido dos auditores do TCU, Efrain Cruz e os outros três diretores envolvidos no caso – com menor protagonismo, porque Cruz era o relator – devem ser ouvidos pelo tribunal dentro de quinze dias, prazo que pode ser mais elástico do que isso — se o relator do caso, o ministro Benjamin Zymler, concordar com a proposta. Além de tudo, há tensão nos bastidores do TCU em razão de uma coincidência. O atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Oliveira, era suplente do ex-senador Antonio Anastasia. E o ex-senador Anastasia é hoje ministro do TCU.

Procurada, a direção da Aneel destacou que o relatório é de área técnica do TCU e, portanto, ainda não foi ainda aprovado pelo tribunal. Mas esclareceu que a diretoria da agência determinou, ainda no ano passado, que a CCEE revertesse “todos os efeitos” das medidas cautelares que beneficiaram a Âmbar, e também deu continuidade aos processos “para aplicação das penalidades editalícias e para a revogação das outorgas de autorização das térmicas, em estrita observância às regras do edital”.

Traduzindo a nota: a Aneel, depois das investigações do TCU, recuou na concessão dos benefícios dados à Âmbar – mas isso, naturalmente, não apaga as irregularidades que foram cometidas. Os diretores da agência ainda vão analisar um pedido de excludente de responsabilidade da Âmbar, o que poderá isentar a empresa do pagamento de multa pelo descumprimento do contrato. A depender da próxima decisão da Aneel, a empresa dos irmãos Batista ainda pode escapar ilesa. É algo que o TCU e o mercado acompanharão de perto.

Efrain Cruz e o Ministério de Minas e Energia não responderam ao pedido de manifestação enviado por e-mail pela piauí. A Âmbar foi procurada e não se manifestou.


¹ Em manifestação enviada ao Tribunal de Contas da União, a Âmbar disse que a Aneel agiu dentro de suas competências e alegou que o tribunal não tem atribuição de revisar decisões de mérito da agência. Sustentou, ainda, que a UTE Cuiabá atendia todos os requisitos para entrar como substituta das quatro usinas que não foram construídas. O TCU discordou da posição da Âmbar.

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