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    Mesa de Sergio Rodrigues e cadeira de Jorge Zalszupin destruídas durante os ataques golpistas em Brasília IMAGENS: REPRODUÇÃO DE INTERNET

anais do vandalismo

Truculência à mesa

Mobiliário destruído pelos bolsonaristas inclui peças modernistas de grande valor histórico e artístico

Tatiane de Assis | 11 jan 2023_15h04
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No final dos anos 1950, o designer carioca Sergio Rodrigues foi um dos convidados a povoar com seus móveis os prédios públicos de Brasília, a capital federal então em construção. Um dos móveis levados para a cidade foi a mesa auxiliar Vitrine, criada em 1958. Com 40 centímetros de altura, 1,5 metro de largura e 59 centímetros de profundidade, a mesa de jacarandá marrom-rosada, com listras mais escuras, tem ainda um tampo de cristal. O jacarandá é uma madeira tipicamente brasileira, muito cobiçada para a fabricação de móveis por sua resistência e durabilidade. A opção pelo jacarandá foi também parte do movimento de Rodrigues de valorizar materiais nacionais e pensar peças que tivessem relação com a história brasileira, como o couro e a palhinha, referências, respectivamente, à cultura nordestina e ao móvel colonial. O designer deixou de usar jacarandá em suas criações nos anos 1980, quando, devido ao contrabando de toras para o exterior, a oferta passou a rarear. Hoje, o jacarandá é uma espécie sob proteção ambiental. Mas a mesa ficou no Palácio do Planalto como um dos símbolos de um Brasil modernista, bossa-nova e inovador.

No domingo (8), a mesa de jacarandá foi um dos alvos da sanha dos manifestantes golpistas que invadiram prédios públicos em Brasília. O grupo que chegou ao terceiro andar do Palácio do Planalto estraçalhou o tampo do móvel, uma lâmina de cristal, que não resistiu aos golpes da turba e ficou em pedaços. Um cassetete foi encontrado sobre o tampo. Os pés e a base, em linhas retas, suportaram o ataque. 

Fernando Mendes, presidente do Instituto Sergio Rodrigues, cuja responsabilidade é preservar o legado do artista, identificou nas imagens da invasão outras peças de mobiliário do designer carioca atacadas pelos vândalos. Entre elas, exemplares da cadeiras Kiko, criada originalmente para o Itamaraty em 1964, e Tião, criada em 1959; além de uma mesa Gordon, peças de valor, segundo Mendes, inestimável, assim como a mesa de jacarandá. Numa galeria ou antiquário, uma cadeira como a Kiko pode chegar a custar 12 mil reais. A essa lista de móveis atacados se soma a mesa de trabalho de Juscelino Kubitschek, desenhada, por sua vez, por Oscar Niemeyer e Anna Maria. Niemeyer. Ela foi usada na invasão como barricada pelos terroristas. 

Mendes, primo do designer, lembra que a mesa de jacarandá deu origem a outras peças. “Mais tarde, o Sergio criou a versão baixa para ser utilizada como mesa de centro, mantendo a concepção original da caixa para expor documentos ou objetos sob o tampo de vidro”, explica Mendes.

 

O Supremo Tribunal Federal não divulgou até o momento a lista de seus  bens avariados. Pelos vídeos, porém, vê-se que foram arrancadas as poltronas do plenário da Corte. Trata-se de peças desenhadas pelo polonês naturalizado brasileiro Jorge Zalszupin (1922-2020). Essas poltronas são uma adaptação do modelo Ambassador, criado nos anos 1960 por Zalszupin. “Originalmente, ela tinha um espaldar mais baixo. Foi vendida para escritórios comuns, que não tinham a ver com ministros”, explica Verônica Zalszupin, filha e gestora do acervo do artista. Para abrigar os ministros do Supremo, foram criadas cadeiras mais robustas. “Eu lembro de quando ele ganhou a concorrência para esses móveis destinados ao Supremo. Ficou extremamente feliz. Mas não chegamos a ver as poltronas instaladas na sala do plenário do STF.”

Não é a primeira vez que o móvel ganha destaque. No julgamento do mensalão, as grandalhonas de cor mostarda, opulentas e sóbrias ao mesmo tempo, também foram contempladas na cobertura. Verônica diz que nos últimos anos tem tentado divulgar o trabalho do pai, mas a demanda por informações não é tão grande como agora. Ironicamente, com os ataques, a obra de Zalszupin recebeu mais atenção dos jornalistas. “É muito triste perceber que a mídia nos procura mais quando está tudo em ruínas, quando as coisas explodem. Por outro lado, fiquei feliz de as pessoas perceberem que a poltrona é um bem cultural.” Entre os planos da filha de Zalszupin está o de catalogar toda a produção do pai em Brasília e em outras cidades brasileiras.

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