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    Ilustração: Carvall

anais da violência

Um ano sem Bruno e Dom – e as perguntas que ainda precisam de respostas

Assassinatos não são caso isolado; só no ano passado, 47 defensores de diretos humanos foram mortos no Brasil

Jurema Werneck | 05 jun 2023_08h49
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Chegamos novamente ao dia 5 de junho, exatamente um ano após o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, Amazonas. A data coincide com o Dia do Meio Ambiente no país que é o quarto que mais mata defensores e defensoras de direitos humanos no mundo, em especial ambientalistas. O que aconteceu naquele 5 de junho continua acontecendo.

Desde a semana em que o país começou a se perguntar “Onde estão Bruno e Dom?”, a Anistia Internacional Brasil tem acompanhado o caso. Passadas 72 horas do desaparecimento, lançamos um chamado internacional que mobilizou cerca de 40 mil pessoas em uma ação de pressão para que as autoridades brasileiras localizassem o indigenista e o jornalista; mobilizamos recursos para auxiliar as buscas; e acionamos autoridades nacionais em diferentes esferas, como a Polícia Federal, os Ministérios Públicos Federal e Estadual do Amazonas, em busca de respostas.

Exatos 365 dias depois, com a principal pergunta já respondida da forma mais trágica e dolorosa possível, várias outras questões permanecem sem respostas das autoridades, sobretudo do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal. A Anistia Internacional Brasil listou algumas questões que seguem em aberto. Respondê-las é, para o Brasil, comprometer-se com algum tipo de conforto e garantia de direitos aos familiares e amigos de Bruno e Dom. É também honrar seus deveres com seus cidadãos e com a comunidade internacional, cumprindo os acordos internacionais dos quais é signatário. Resumindo, é dizer que o país está empenhado em interromper o ciclo de violência, agindo para proteger a vida e as lutas de defensores e defensoras de direitos humanos e do ambiente.

O que falta responder:

1) Por que o MPF só apresentou denúncia contra três pessoas, embora tenha citado na denúncia outros nomes, que seriam responsáveis por ocultar os corpos queimados e esquartejados de Bruno e Dom? 

2) Quais as linhas de investigação sobre os mandantes do crime (só um foi preso até agora), as reais motivações e o contexto da preparação da emboscada? 

3) Quais as medidas adotadas pelo Estado brasileiro para garantir o cumprimento da medida cautelar da CIDH que solicita proteções de indígenas da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja)? 

4) Qual a ligação dos assassinatos de Bruno e Dom com o assassinato de Maxciel dos Santos, servidor da Funai e antigo colega do Bruno? 

5) Qual a procedência da arma do crime antes de ela chegar ao homem apontado como fornecedor? 

6) Quais os próximos passos do caso com o recente indiciamento do ex-presidente da Funai e outros servidores por omissão no homicídio e ocultação de cadáver de Bruno e Dom? 

7) Quais as conexões entre o inquérito dos assassinatos de Bruno e Dom e aquele que apura a atuação criminosa e armada de ribeirinhos em relação à pesca de pirarucu nas comunidades de São Rafael e São Gabriel, ambas localizadas às margens do Rio Itacoaí?

 

É preciso disposição e engajamento das autoridades para que essas e outras perguntas surgidas ao longo dos últimos doze meses não fiquem sem respostas.

O crime fez com que a questão do risco enfrentado por defensores dos direitos humanos e do meio ambiente no Brasil ganhasse nova trajetória, provocando comoção pública. Contudo, os assassinatos de Bruno e Dom não foram um caso isolado: eles refletem um padrão que, somente em 2022, resultou em 47 assassinatos por conflitos no campo, segundo a Comissão Pastoral da Terra – e esta é só uma das contagens possíveis. As graves falhas na política de proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos e a criminalização das lutas e organizações populares, que seguem a sofrer ataques, estão entre as principais razões dessa tragédia.

Apesar de a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ter cobrado o governo do Brasil a adotar medidas urgentes para proteger os indígenas do Vale do Javari, a Anistia Internacional Brasil verificou que persistem as ameaças contra os povos originários na região. Uma testemunha do caso chegou a afirmar que foi “abandonada” e teme por sua vida diariamente.

É indispensável que todos os envolvidos nos assassinatos de Bruno e Dom – tanto executores quanto mandantes – sejam processados, julgados e responsabilizados pelo crime. Esta é a sinalização mais enfática de que crimes como esse podem – e devem – ter fim. Assim como as violências que prosseguem no Vale do Javari e em outras regiões do país. É urgente que as autoridades brasileiras deem um basta às ameaças que colocam famílias já violentadas e enlutadas em perigo, fazendo avançar a criação de uma política pública que proteja quem luta, principalmente na Amazônia. Que o Estado seja capaz de respeitar direitos adquiridos e colocar um freio aos ataques vindos de diferentes atores, inclusive do Congresso Nacional, contra os direitos dos povos indígenas e do povo brasileiro.

Um ano após o crime, é preciso que o legado do trabalho de Bruno e Dom seja de respeito aos direitos à vida e à segurança dos povos indígenas e que todos aqueles e aquelas que vivem e/ou atuam como servidores ou defensores de direitos humanos na região do Vale do Javari sejam efetivamente protegidos. O medo e a violência não podem vencer. Nós da Anistia Internacional seguiremos cobrando por respostas.

Não há nada pior do que o vazio e a dor deixados pela interrupção de uma vida, sem explicações sobre o que motivou as mortes. As respostas que não chegam são como peças perdidas de um quebra-cabeça que fica sem solução.

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