Lula no Programa do Ratinho em 2012. A longa e amistosa entrevista rendeu multa por propaganda eleitoral antecipada. FOTO: REPRODUÇÃO
De pai para filho
Ex-amigo de Lula, o apresentador Ratinho apela à onda antipetista para fazer de Ratinho Junior governador do Paraná
A campanha eleitoral de 2012 se aproximava do fim, dias antes do segundo turno, quando a então ministra-chefe da Casa Civil Gleisi Hoffmann deu as caras no programa eleitoral de Gustavo Fruet, que disputava a prefeitura de Curitiba pelo PDT. “A mudança tem nome e sobrenome”, anunciou, em tom grave, para manifestar seu apoio a Fruet, que era tucano quando se destacou como integrante da CPI dos Correios, que botou a nu o esquema do mensalão petista.
Mirando o conservadorismo do eleitor curitibano, a frase de Hoffmann também atingiu o fígado do adversário de Fruet, Ratinho Junior, então com 31 anos, filho do apresentador do SBT. “A gente via o sofrimento no olhar dele”, relembrou uma assessora próxima a Ratinho Junior. Se magoou o candidato, a declaração enfureceu o pai dele. “Foi uma frase que nos desvalorizou demais”, rememorou Ratinho, cinco anos depois, numa entrevista que me concedeu no início de novembro deste ano. O que irritou o apresentador e o filho foi o apelo da petista à ideia de que o eleitor curitibano, essencialmente conservador, jamais elegeria um candidato “sem sobrenome”, como Ratinho – uma “tese” bastante ouvida nos bastidores daquela campanha.
De 2012 para cá, Ratinho Junior cresceu na política paranaense. Nas eleições de 2014, foi eleito deputado estadual pelo PSC com 300 mil votos, mais que o dobro do segundo colocado. Agora, filiado ao PSD, e com o apoio do pai, ele quer se eleger governador do estado da Lava Jato. Mesmo após ter mudado de partido, ele ainda controla o PSC: sua votação colossal carregou consigo 11 outros candidatos, que passaram a ser conhecidos como “a bancada do Ratinho”. Atualmente, ela tem 14 dos 54 parlamentares da casa.
A mágoa da família Massa com as declarações da atual presidente do PT no pleito de 2012 jamais arrefeceu – ao contrário, ganhou força nos últimos tempos, em um período em que o sentimento antipetista rende votos. Ratinho pai relembra o caso em termos duros: “Ela não tinha o direito de fazer esse comentário, de colocar isso na televisão, desqualificando o meu filho, me desqualificando. Ela se tornou minha inimiga, minha adversária. Eu quero que ela morra.”
A história da relação entre a família Massa e o PT poderia ter sido outra, caso Gustavo Fruet não tivesse ido ao segundo turno naquelas eleições, uma das mais disputadas da história da cidade. No entanto, Fruet suplantou o então prefeito, Luciano Ducci, do PSB, por míseros 4 402 votos, e prosseguiu para o segundo turno – contra Ratinho Junior, que ganhou com sobras o primeiro, com 34% dos votos.
Se contra Ducci o PT apoiaria Ratinho Junior, quando Fruet seguiu na disputa, o jogo mudou – e o peso das declarações de Gleisi Hoffmann, também. O apoio petista era valioso, então, já que o partido tinha as chaves do cofre no governo federal. Ratinho Junior chegara a declarar, nos primeiros dias da campanha, que parte da militância do PT estava com ele, tentando puxar a simpatia de Lula. Ratinho, o pai, conseguiu evitar que Lula participasse da campanha do adversário do filho, mas não que grãos-petistas nacionais como o ministro José Eduardo Cardozo trabalhassem duro pela eleição de Fruet. O petismo local seguiu com Fruet, numa aliança costurada pelo casal de então ministros Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann. A situação botou gelo na amizade entre Ratinho e Lula, que se conheciam desde o começo dos anos 80.
Chovia forte na tarde de novembro passado em que Ratinho me recebeu na Rede Massa. A emissora, afiliada do SBT em Curitiba, é uma sociedade entre ele e Silvio Santos. Além de uma precoce árvore de natal, chamavam a atenção, na ampla sala de espera da diretoria, um banner com a ampliação de uma carta manuscrita do homem do Baú da Felicidade a Ratinho; em outro banner, fotos do apresentador ao lado de toda sorte de celebridades – e de Silvio Santos também, naturalmente.
“Conheci Lula em 1982. Eu tinha sido eleito vereador de oposição em Jandaia do Sul [pequena cidade do interior paranaense onde ele viveu e seus filhos nasceram], e Lula era o nome da oposição nacional, na época. O único jornal nacional que chegava na cidade era o Notícias Populares, e eu lia muito sobre o Lula, gostava das atividades dele. Fui a São Bernardo do Campo falar com ele”, ele relembrou. Anos mais tarde, no auge do sucesso, os dois homens de origem humilde passaram a nutrir admiração mútua. O ex-presidente chegou a jantar na casa do apresentador, em Curitiba, anos atrás.
Tudo mudou depois de outubro de 2012. “Desde que estourou a Lava Jato, não falei mais com ele”, disse. Mas repensou: “Aliás, falei esses dias, por telefone. Ele me ligou pedindo para dar uma entrevista na minha emissora de rádio. Eu respondi que teria que abrir um horário para isso, mas que não poderia abrir só pra ele, teria que abrir para o Bolsonaro e para todos os pretensos candidatos”, contou-me, dando o tom do estado atual de seu relacionamento com o petista. Em meados de 2012, Lula, já ex-presidente, deu uma longa – e confortável – entrevista ao programa de Ratinho, levando a tiracolo seu candidato à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad. Acabaram todos multados por propaganda eleitoral antecipada.
Pedi ao Instituto Lula para falar com o ex-presidente a respeito das declarações. Ouvi, simplesmente, que ele não comentaria o caso. Hoffmann, atualmente encerrando seu mandato no Senado e às voltas com um processo derivado da Lava Jato, tampouco quis conversar comigo. Sua assessora disse o seguinte: “A senadora já tentou esclarecer a situação e lamenta que isso ainda sirva de desculpa para o afastamento”. Rebati questionando qual seria, ao ver da senadora, o real motivo, mas não houve resposta.
“Uma pessoa que fala isso não merece o meu respeito. Quem tem preconceito contra o apelido tem preconceito contra o preto, contra o pobre, o deficiente físico. Não posso renegar aquilo que talvez tenha sido a grande sorte do meu pai e colaborado comigo, eleitoralmente”, disse-me Carlos Roberto Massa Junior, o Ratinho Junior, 36 anos, dias antes de minha conversa com o pai dele, no gabinete da primeira vice-presidência da Assembleia Legislativa do Paraná.
Se referia, também, à frase da senadora Gleisi Hoffmann. Foi o único momento, na conversa, em que Ratinho Junior – um homem cortês, de sorriso fácil e tom de voz contido – demonstrou incômodo com uma pergunta. O candidato declarado ao governo do Paraná vai bem em pesquisas de intenção de votos para 2018. Espera ser ungido o nome de Beto Richa, disputa que trava com Cida Borghetti, vice-governadora e mulher do ministro da Saúde Ricardo Barros – ambos do PP.
Em 2012, Richa, padrinho e fiador da candidatura de Ducci, era o adversário a ser batido no primeiro turno. “Quero avisar os cuecas de seda que estão tentando me tirar do lado do meu filho, que estão mamando nas tetas desta prefeitura há 40 anos, que vocês estão é se cagando de medo”, disse, à época, Ratinho pai, num comício na periferia de Curitiba, após o estafe de Ducci tentar proibi-lo judicialmente de aparecer ao lado do filho em eventos eleitorais.
Após aquele segundo turno, Ratinho Junior vestiu as cuecas de seda. Aceitou um convite de Beto Richa e tornou-se secretário de Desenvolvimento Urbano, responsável por liberar dinheiro para obras de todo tipo em cidades do interior. Com isso, correu o estado anunciando bondades e fazendo inaugurações. “Faço política por vontade própria, decisão pessoal, por entender que o Paraná foi muito importante na vida da minha família. O estado nos deu a oportunidade de construir hoje um grupo empresarial. Quero retribuir trabalhando pelo estado”, disse o deputado.
Uma reportagem recente do UOL mostrou que os Massa têm 19 empresas, entre fazendas de café e soja e a rede de comunicação no Paraná, que inclui seis emissoras de TV (e quase duas centenas de repetidoras), rádios e portal de internet. “É próximo disso. Mas não sei exatamente, porque sempre estamos fazendo negócios”, esquivou-se Ratinho Junior, que segundo o pai é “um baita dum administrador”. “Ele seria mais útil para mim aqui”, disse-me o apresentador.
A joia da coroa, evidentemente, é o grupo de comunicação. Em 2012, a emissora de tevê da família foi multada três vezes pelo Tribunal Regional Eleitoral, acusada de favorecer o patrão-candidato. O jornalista Rogerio Galindo, principal observador da política paranaense, tem anotado, em seu blog no jornal Gazeta do Povo, que a emissora costuma ser cordial com Richa, “o patrão do patrão”, mas nem tanto com Cida Borghetti, a adversária do candidato.
Algo que Ratinho e seu filho negam. “Não acompanho a vida da televisão por causa do meu trabalho em São Paulo. Mas não existe interferência. Nossa televisão e os portais são completamente imparciais. Se alguém estiver fazendo coisa diferente, não tem orientação para isso”, garantiu-me o apresentador. “Somos afiliados do SBT, cumprimos ordens nacionais. Fazemos matérias independente de quem seja. Se eu tivesse qualquer tipo de influência, eu estava todo dia na televisão”, disse-me o deputado. Na tevê, ele não está; já na Rádio Massa, apresenta um programa diário das 6 às 8 da manhã.
Tentei falar com Mauro Lissoni, diretor de conteúdo da rede, para perguntar-lhe como faria para cobrir de forma isenta uma eleição que o dono da empresa irá disputar. Enviei dois e-mails a ele, em 25 e 30 de outubro, e um terceiro a uma funcionária que se prontificou a encaminhar meu recado, em 7 de novembro. Também liguei algumas vezes para a emissora procurando por ele. Lissoni nunca me atendeu, nem respondeu aos e-mails.
Numa sexta-feira de fins de outubro em Ponta Grossa, cerca de 500 pessoas esperavam por Ratinho Junior no salão de eventos dum hotel de luxo recém-inaugurado na cidade. Tratava-se de mais uma edição do Espaço Democrático – evento coordenado por Guto Silva, o vice-presidente da Assembleia Legislativa –, que na prática é uma maneira que a trupe do candidato a governador encontrou para colocar a campanha dele na estrada antes da hora. Ao subir ao palco, pouco antes das oito da noite, Ratinho Júnior foi saudado pelo locutor como “a liderança jovem e inovadora que quer renovar o Paraná”.
Segundo a assessoria do deputado estadual, os eventos realizados em várias cidades do Paraná buscam debater o futuro plano de governo do candidato. “Nosso candidato disse que não queria plano de governo feito por engravatado. Vamos escutar a população”, anunciou Guto Silva. O que veio em seguida, porém, foi uma coleção de pedidos difusos – um prefeito da região pede um Ceasa em Ponta Grossa; outro quer um hospital universitário na cidade – como num comício de véspera de eleição. Todo mundo parecia estar ali para aparecer para o candidato. Além da chance de uma selfie, uma conversa ao pé do ouvido, para um pedido em particular.
Já com microfone na mão, segundos antes de discursar, Ratinho Junior foi apresentado como “um dos maiores empreendedores do sul do Brasil e um homem de família.” Num cerimonial bem planejado, um jingle, com cadência de samba, subiu nos alto falantes antes de ele começar a falar. Quando encerrou seu breve e bem ensaiado discurso (“A vocação do Paraná é produzir alimento para o mundo”; “Não faço parte da elite política”; “Precisamos da união das pessoas de bem”), a multidão aplaudiu-o com entusiasmo. Antes que o salão fosse esvaziado, o locutor ainda teve tempo de pedir a quem estava por ali para que se reunissem em frente ao palco para uma foto. “Levantem as duas mãos fazendo o 55”, ele instruiu, em menção ao número de urna do PSD. A foto saiu, mas só quando a casa já estava meio vazia. Ratinho Junior, àquela altura, já estava de saída – tinha encontro marcado com empresários locais, num jantar reservado, longe do povo e de jornalistas.
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