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questões desportivamente feministas

3 a 2 – pra mim

Sujeito macho vem na calçada, em minha direção? Desvio, não. Quiser atropelar, atropele, mas vai cair junto

Roberta D’Albuquerque | 04 fev 2023_08h00
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Se estou andando na rua, seja onde estiver, com quem estiver, dia começando ou noite de dar medo, compromisso com horário ou caminho da roça, tenho comigo um acordo: não desvio de homem. Quiser atropelar, atropele, mas vai cair junto.


Desvio, não. Mulheres que me leem sabem. Pedestres homens – quase todos, antes que solte um “ah, mas nem todo homem” – não arredam uma lajota de calçada do caminho que traçaram pra si. Pode observar. Somos nós, as mulheres, a estender tapete, ainda que seja preciso invadir a pista, pisar num buraco, se amassar contra um muro.


Estendo, não. O 3 a 2 é recente. Era de manhã cedo, fazia friozinho em São Paulo, domingo, a rua vazia, vazia. Fui buscar um pão; só subir a Avenida Angélica até a Sergipe e virar pra Itacolomi, oito quadras no máximo. O primeiro de quem ganhei foi quase no portão de casa. Meu vizinho do terceiro andar, nem sei se vale ponto, ele já me conhece. Gato escaldado, contornou a árvore antes mesmo de chegar perto. Bom dia. Bom dia. O segundo estava um pouquinho mais pra frente. Hétero com roupa de academia, cara de endorfinado, tênis de uns 2 mil reais deslizando no meio da calçada, ocupava sem restrições seu espaço no mundo. Eu, mais perto da rua. Aí vem um outro pela direita e me ultrapassa. Aqui, um detalhe importante: na cena mulher e homem andam emparelhados na mesma direção, o sujeito macho vai acelerar e ultrapassar, é quase uma questão de honra pra eles, sabe? Nesse caso, tenho outro combinado. Deixo, não. Nem que, no limite, precise ser atropelada, trombar num poste ou soltar um carrinho de feira. Lá vêm eles impondo velocidade, lá venho eu botando as pernas pra trabalhar. Não passam mesmo.


Mas são sete da manhã ainda, e o não desviar se sobrepõe ao não deixar ultrapassar. O do tênis deslizante vem convicto em minha direção, o da direita engata a quinta marcha e passa altivo por mim. Sem problemas, vá com deus. O do tênis deslizante me olha, vê que ocupamos a mesma reta e continua caminhando na certeza de que abrirei espaço. Há tempo de sobra pra ele mudar de ideia, eu sei, e ele também sabe. Um passo, e outro, e mais um. Eu olho fixo pra frente, vai bater, vai bater, vai bater. Ele, furando meu olho. A gente a 80, 60, 40, 20 cm um do outro. Batemos, peito aberto, que não desvio nem um milímetro. Ai, louca, doeu!


Em mim, doeu, não. Ele, na altura dos seus quase 1,90 m, aquele braço forte/mole – de bomba, que eu tô ligada –, uns 50 anos, me tirou de louca porque não fiz o que, na sua cabecinha suada, era o óbvio. Ficou lá, se limpando de mim, passando a mão na camiseta, como quem, a qualquer momento, vai chamar pela mãe. Atravesso a rua, o cara do posto horrorizado. Se brincar, correu pra ajudar. A classe é unida. Aguento, não.


Três quadras adiante, já tinha até me esquecido do encontrão. Cruzo mais um no farol. Lá vem ele, tipinho de jaleco fora do hospital, ray-ban da Chilli Beans na cabeça. Se fosse um jogo de futebol na televisão, rapidinho puxariam aquela animação 3D, câmera de cima, uma linha se desenharia entre a gente, dois jogadores prestes a colidir. O bonequinho do farol já piscando vermelho, eu e o do jaleco pisando duro, vai bater, vai bater, vai bater. Ele desvia. Cansado do plantão, será?


Tenho pena, não. 3 a 0 pra mim. Sigo mirando um grupinho no meio da quadra. Saí de casa tão querida, e a essa hora o desejo já é de boliche. Por mim, derrubava tudinho. Um ajoelha pra amarrar o cadarço, o menorzinho se afasta. Fico diante do maior, marmanjo de banhinho tomado, aquela mistura de xampu do Cristiano Ronaldo e Rexona Men, se encostar empesteia pra sempre. Diminuo a velocidade, viro de lado, jesus me guarde, deixa passar, 3 a 1. Mas aí o do cadarço levanta. Ele assistiu à cena, aposto que gostou de me ver perder. A cara é de se essa rua fosse minha… Coisa nenhuma, é minha! Quero ver quem vem pegar. Ele com um pacotinho da padaria na mão. Se esse cara tiver comprado o último croissant de creme, é agora que desmantelo ele com pacote e tudo. Venha, pode vir. E ele vem. Tem espaço pros dois lados, mas ele vem na minha listrinha preta da calçada. Vem meio devagar, como quem quer aproveitar a cena quadro a quadro.


Tem pressa, não. Reduzo junto. Pé ante pé, nós dois. Quase Marina Abramovic e Ulay num The Lovers, só que de quinta categoria, só que com pacote de pão e ecobag do Carrefour. As pontinhas do All Star e das Havaianas a menos de um palmo. Vai bater, vai bater, vai bater. A senhora me daria licença? Huuum… Tá bom, vai, 3 a 2.

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